31/10/2010

Relógio

"O sistema Ocidental, endorsado dentro da esfera americano-japonesa, está procedendo à domesticação dos povos em uma escala massiva. Sociedades tornam-se 'máquinas biológicas' divididas em setores, como um relógio. Sua função: satisfazer necessidades homogêneas de consumo e segurança que são artificialmente estimuladas. A vida comunitária dos povos e suas projeções de auto-destino estão desaparecendo. Para a Europa, este é o fim de uma era histórica, o enterro da Política por baixo de programas de sobrevivência e euforia restrita. O totalitarismo suave da organização, dos manipuladores, dos reguladores, dos poderes descentralizados e do incentivo, fazem-nos sentir falta da época dos criadores e tomadores de decisão. O Sistema pretende inaugurar o materialismo total, submergindo a alma dos homens e dos povos sob a obsessão do egoísmo pragmático. Sem mais tradições, sem mais modernidade: a era dos poetas, conquistadores e estrategistas está aparentemente morta."
(Guillaume Faye, Trecho de "Le système à tuer les peuples")

30/10/2010

Homogeneização

"De uma forma ou outra, os descendentes do Iluminismo defendem a abolição das fronteiras, a deterioração e desaparecimento das civilizações e das culturas que fizeram a diversidade do elemento humano. Colocam as suas esperanças na vocação única da humanidade, na difusão de uma mensagem universal e negam o risco de conflito com os que recusam esta mensagem. Não vêem nos homens nada mais que unidades manipuláveis que obedecem a uma só lei, a uma só moral planetária, na seqüência de um curso de educação global, de uma pedagogia corretora, ou mesmo de uma homogenização-normalização forçada, se necessário. Segundo eles, a afirmação das identidades coletivas conduziriam quase irresistivelmente ao renascimento dos ódios e das intolerâncias. No entanto, o anti-conformista constata que foi a negação da identidade coletiva, representada durante século XX pelo liberalismo e marxismo, que produziu o seu regresso sob formas patológicas e destrutivas. A procura da identidade, a redescoberta de si através da cultura, a defesa dos grupos, associações, classes, nações, raças e religiões, longe de confinar à barbárie como pretende o hiper-individualismo cosmopolita, constitui de acordo com o pensamento não-conformista a única resposta à modernidade angustiante e desestruturante."
(Arnaud Imatz)

29/10/2010

A Ideologia Americana

por Francis Parker Yockey

Este individualismo orgânico foi formulado em constituições escritas e em uma literatura político-literária. É típico do espírito dessa literatura a Declaração de Independência. Como fragmentos de Realpolitik este manifesto de 1776 é magistral; aponta para o Futuro, e abraça o Espírito da Época do Racionalismo, que era então predominante na Cultura Ocidental. Porém, no século XX, a parte ideológica dessa declaração é simplesmente fantástica; "Declaramos que essas verdades são evidentes por si mesmas: que todos os homens são criados iguais; que todos são dotados por seu criador de direitos inerentes e inalienáveis; que entre estes se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade; que para assegurar estes direitos, se instituem os governos entre os homens, derivando-se seus justos poderes do consentimento dos governados; que quando uma forma de governo é contrária a estes fins, o povo tem direito a alterá-lo ou aboli-lo, instituindo um novo governo, que baseie seu fundamento em certos princípios e organize seus poderes de forma tal que seja a mais efetiva para assegurar sua segurança e felicidade". E continuou dizendo, referindo-se à Guerra de Secessão então em curso: "...nos encontramos comprometidos em uma grande guerra civil, para demonstrar que esta nação, ou qualquer nação assim concebida e assim dedicada, pode sobreviver".

Este ideologia continuou até meados do século XX, e inclusive depois da Primeira e da Segunda Guerra Mundiais quando predominava uma perspectiva totalmente diferente e incompatível, foi oferecida ao território de origem da Civilização Ocidental como um modelo a ser imitado. Somente o êxito material, inteiramente fortuito, que sorriu às armas americanas, fez possível que esta ideologia sobrevivesse no decurso de um século que a haveria superiado e, não porque é um instrumento para dividir e desintegrar a Europa, deve ser examinada aqui esta arcaica ideologia.

A Declaração de Independência está saturada do pensamento de Rousseau e Montesquieu. A idéia básica, como em todo Racionalismo, consiste em estabelecer a equação do que deveria ser com o que será. O Racionalismo começa por confundir o racional com o real, e termina por confundir o real com o racional. Este arsenal de "verdades" sobre a igualdade, direitos inalienáveis e inerentes, reflete o espírito crítico emancipado, sem respeito pelos fatos e pela tradição. A idéia de que os governos são "instituídos" com um propósito utilitário, para satisfazer uma demanda de homens "iguais", e que esses homens "iguais" dão seu "consentimento" a uma certa "forma" de "governo", e logo a suprimem quando já não serve para este propósito, é pura poesia racionalista, e não corresponde a nenhum fato que já tenha ocorrido alguma vez em parte alguma. A fonte do governo é a desigualdade dos homens: isto é um fato. A natureza do governo é um reflexo da Cultura, da Nação, e da etapa de desenvolvimento de ambos. Assim, qualquer nação pode ter uma das duas possíveis formas de governo: um governo eficiente ou um governo deficiente. Um governo eficiente leva adiante a Idéia e nação, e não a "vontade das massas", já que esta não existe se a direção é eficiente. A liderança se desintegra, não quando "o povo" racionalmente decide aboli-lo, mas sim quando tal liderança chega a um grau de decadência que derruba a si mesmo. Nenhum governo, em nenhuma parte, está "fundado" em "princípios". Os governos são a expressão de instintos políticos, e a diferença de instintos entre os diferentes povos é a fonte das diferenças em sua prática do governo. Nenhum "princípio" escrito afeta a prática do governo o mínimo que seja, e a única coisa para que servem é para enriquecer o vocabulário das disputas políticas.

Isto é tão verdadeiro para a América como para qualquer outra unidade política que tenha existido em cinco milênios de história das Grandes Culturas. Contrariamente a certo sentimento messiânico existente na América, esta não é completamente singular. Sua morfologia e seu destino podem ser lidos na história de outras colônias, em nossa Cultura, e em outras anteriores.

Na Declaração de Independência, a referência ao governo cujo propósito é assegurar a "segurança" e a "felicidade" da população é uma idiotice racionalista. Governar é o processo de manter em forma a população para a tarefa política, a expressão da Idéia de Nação.

A citação de Lincoln reflete todavia a época do Racionalismo, e na Europa de então ainda se podia sentir e compreender tal ideologia, pois ainda quando Estado, Nação e Tradição continuavam existindo na Europa - ainda que debilitados - sempre houve resistência às ideologias racionalistas, fossem da variedade de Rousseau, de Lincoln, ou de Marx. Nenhuma nação foi nunca "dedicada à uma proposição". As nações são criações de uma Grande Cultura, e em sua última essência são idéias místicas. Sua chegada, suas individualidades, sua forma, sua marcha, tudo, constituem reflexos de altos desenvolvimentos culturais. Dizer que uma nação está "dedicada a uma proposição" é reduzi-la a uma abstração que pode ser plasmada em um quadro-negro para uma demonstração em uma aula de Lógica. Isso é uma caricatura da Nação-Idéia. Falar de tal maneira de uma Nação é insultá-la e rebaixá-la: ninguém morreria nunca por uma proposição lógica. Se tal proposição - que mais além de ser proclamada "evidente" - não é convincente, a força armada não conseguirá que o seja.

A palavra "liberdade" é um dos principais tópicos da ideologia americana. A palavra somente pode ser definida negativamente como liberação de algum freio. Nem mesmo o mais moribundo ideólogo americano advoga por uma total liberdade em relação a qualquer forma de ordem, e paralelamente, nem a mais rígida tirania desejou jamais proibir a tudo. Em um país "dedicado" à "liberdade" os homens foram tirados de suas casas sob a ameaça de prisão, foram declarados soldados e enviados aos seus contrários como medida de "defesa" tomada por um governo que não pediu o "consentimento" de suas massas, sabendo perfeitamente que tal "consentimento" teria sido recusado.

No sentido prático, a liberdade americana significa liberdade perante o Estado, porém é óbvio que isso é mera literatura, toda vez que nunca houve um Estado na América, nem tampouco se sentiu a necessidade de que existisse. A palavra liberdade é, pois, meramente um conceito em uma religião materialista, e não representa nada no mundo dos fatos americanos.

Na ideologia americana é também importante a Constituição escrita adotada em 1789, como resultado do trabalho de Hamilton e Franklin. Seu interesse por ela era prático, já que sua idéia consistia em unificar as treze colônias em uma só unidade. Como união em si não poderia ter sido descrita como um governo, mas sim como uma anarquia regulamentada. As idéias da Constituição estavam inspiradas sobretudo nos escritos de Montesquieu. A idéia da "separação de poderes", particularmente, se deve a este teórico francês. De acordo com dita teoria, os poderes do governo são três: legislativo, executivo e judicial. Como todo o cristalino pensamento racionalista, isto se torna obscuro e confuso quando se aplica na vida Real. Estes poderes somente podem separar-se no papel, porém não na Vida. Nunca estiveram realmente separados na América, ainda que a teoria pretenda que sim, estiveram. Com a irrupção de uma crise interna na terceira década do século XX, todo o poder do governo central foi abertamente concentrado no executivo, e logo se encontraram teorias para abonar este fato, que continuou chamando-se "separação".

As diversas colônias conservaram a maioria dos poderes que lhes interessavam: o poder de fazer suas próprias leis, manter uma milícia e conduzir-se em estado de independência econômica em respeito às outras colônias. A palavra "estado" ("State") foi escolhida para designar aos componentes da União e isto conduziu a novas confusões no pensamento ideológico, haja vista que as formas estatais européias, nas quais o Estado era uma Idéia, foram tomadas como um equivalente dos "estados" americanos, os quais eram, acima de tudo, unidades territoriais econômico-legais, sem soberania, finalidade, destino, nem propósito.

Na União não havia soberania, quer dizer, nem se quer a contrapartida legal da Idéia-Estado. O governo central não era soberano, como tampouco o era nenhum dos governos estatais. A soberania estava representada pelo acordo de 2/3 dos estados e pelo legislativo central, ou seja, dito em outras palavras: uma abstração pura. Se tivessem havido cinqüenta, ou cem milhões de eslavos, ou inclusive de índios, nas fronteiras americanas, teria havido uma noção diferente acerca dessas coisas. Toda a ideologia americana pressupunha a situação geopolítica da América. Não haviam potências vizinhas, nem populações hostis, fortes, numerosas e organizadas. Não haviam perigos políticos...somente um amplo território semi-vazio, apenas ocupado por selvagens.

Também foi importante na ideologia americana o sentimento de universalidade expresso no citado discurso de Lincoln. Apesar de que a Guerra de Secessão não teve nada a ver com qualquer classe de ideologia e, em qualquer caso, a exposição razoável e legalista dos Sulistas fossem mais conseqüentes que a idéia Ianque. Lincoln se sentiu obrigado a injetar uma ideologia nessa Guerra. O oponente não poderia ser, simplesmente, um rival político, que buscava conquistar os mesmos poderes que o Ianque; devia ser um inimigo total, resolvido a destruir a ideologia americana. Este sentimento informou todas as guerras americanas a partir de então: todo inimigo político foi considerado ipso facto como um oponente ideológico, ainda quando o inimigo en questão não mostrara qualquer interesse na ideologia americana.

Na época das guerras mundiais, esta tendência a misturar as ideologias com a política se estendeu à escala mundial. A potência que a América escolhia por inimiga era, forçosamente, inimiga da "liberdade", da "democracia", e de todas as demais palavras, mágicas porém sem sentido, da mesma categoria. Isto conduziu a estranhos resultados. Qualquer potência lutando contra aquela que a América havia gratuitamente escolhido como inimiga se convertia ipso facto em uma potência amante da "liberdade". Assim, tanto a Rússia dos Romanov e como a Rússia Bolchevique foram potências amantes da "liberdade", em seus momentos.

A ideologia americana levou a América a considerar como aliados a países que não devolveram o cumprimento, porém o ardor americano não se resfriou por isso. Esta classe de política somente pode ser considerada na Europa como adolescente e em verdade, toda pretensão de que os problemas e formas do século XX possam ser descritos de acordo com uma ideologia racionalista do século XIX é, imatura ou, para dizê-lo mais claramente, idiota.

No século XX, quando o tipo de ideologia racionalista já havia sido descartado pela avançada Civilização Ocidental, a universalização americana da ideologia se transformou em messianismo: a idéia de que a América deve salvar o mundo. O veículo da salvação deve ser uma religião materialista na qual a "democracia" tome o lugar de Deus, a "Constituição" o da Igreja, os "princípios de governo" o dos dogmas religiosos, e a idéia da liberdade econômica o da Graça de Deus. A técnica da salvação consiste em submeter ao dólar ou, em último caso, submeter às baionetas e aos altos explosivos americanos.

A ideologia americana é uma religião, tal como o foi o Racionalismo do Terror francês, do Jacobinismo, de Napoleão. A ideologia americana é contemporânea deles, e eles estão mortos. Tão completa e internamente mortos como o está a ideologia americana. Sua principal utilidade na atualidade - 1948 - reside em dividir a Europa. O elemento "Michel" europeu se aproveita de qualquer ideologia que prometa "felicidade" e uma vida sem esforço nem energia. Desse modo a ideologia americana não serve mais do que para um propósito negativo. O Espírito de uma época passada não pode proporcionar nenhuma mensagem a uma época que a segue, porém pode negar a nova época e tentar atrasá-la, distorcê-la e apartá-la de seu âmbito vital. A ideologia americana não é um instinto, já que não inspira nenhum. É um sistema inorgânico, e quando um de seus dogmas molesta, é rapidamente descartado. Assim, a doutrina religiosa da "separação dos poderes" foi expulsa da lista de dogmas sagrados em 1933. Anteriormente, o dogma sagrado do isolamento havia sido abandonado em 1917, quando a América interveiu em uma Guerra do Ocidente que não lhe concernia nem afetava em absoluto. Ressuscitado depois da Primeira Guerra Mundial, foi novamente descartado na Segunda Guerra Mundial. Uma religião política que de tal maneira acende e apaga suas doutrinas sobrenaturais, não resulta convincente, nem desde um ponto de vista político, nem desde um ponto de vista religioso. A "Doutrina" de Monroe, por exemplo, fez saber, em princípios do século XIX, que todo o hemisfério Ocidental era uma esfera de influência imperialista americana. No século XX, isto se converteu no estatuto especial de uma doutrina esotérica, para uso doméstico, enquanto que o dogma externo era chamado "política de boa vizinhança".

A ideologia de um povo não é que vestimenta intelectual. Pode corresponder - ou não - ao instinto desse povo. Uma ideologia pode ser trocada de um dia para o outro, porém não o caráter de um povo. Uma vez que este tenha sido formado, é definitivo e influencia os acontecimentos mais do que estes a ele.


Tradução por Raphael Machado

Pátria e Tradição

"Sei por experiência e pela história humana que tudo que é essencial e grande somente pôde surgir quando o homem tinha uma Pátria e estava enraizado em uma Tradição."
(Martin Heidegger)

28/10/2010

Dispersando a Reflexão

"Um dos piores efeitos da pressa, ou do medo engendrado por ela, é a aparente inabilidade do homem moderno de passar até mesmo o mais curto dos tempos sozinho. Ele ansiosamente evita cada possibilidade de auto-comunhão ou de meditação, como se ele temesse que a reflexão pudesse apresentar-lhe um assombroso auto-retrato, como com aquele Dorian Gray. A única explicação para esse generalizado vício no barulho - é que algo tem que ser suprimido. Um dia, quando minha esposa e eu estávamos caminhando por uma floresta, fomos surpreendidos ao ouvir os sons metálicos de um radio transistor em rápida aproximação. Conforme seu dono, um ciclista de 16 anos, sozinho, apareceu, minha esposa me disse, 'Ele tem medo de ouvir o canto dos pássaros.' Eu acho que ele tinha medo de encontrar a si mesmo. Por qual outra razão pessoas perfeitamente inteligentes preferem as propagandas vazias da televisão à sua própria companhia? Eu tenho certeza de que é porque ajuda a dispersar qualquer reflexão."
(Konrad Lorenz, Trecho de "Os Oito Pecados Mortais do Homem Civilizado - A Corrida do Homem Contra Si Mesmo")

27/10/2010

A Burrice Humana

por Carlo Cipolla

Sempre e inevitavelmente todos subestimam o número de pessoas burras em circulação.

Pessoas que considerávamos racionais e inteligentes no passado resultam ser inequivocamente burras.

Dia após dia, com uma monotonia incessante, vemos como entorpecem e obstaculizam nossa atividade indivíduos obstinadamente estúpidos, que aparecem de improviso e inesperadamente nos lugares e nos momentos menos oportunos.

Nem todos os humanos são iguais já que uns são mais burros do que outros.

Uma pessoa burra é aquela que causa perdas a outra pessoa ou grupo de pessoas sem obter nenhum lucro para si mesmo e inclusive incorrendo em perdas.

Os burros são perigosos e funestos porque para as pessoas razoáveis resulta difícil imaginar e entender um comportamento burro.

Não existe modo racional de prever se, quando, como e por que, uma criatura burra levara a cabo seu ataque. Frente a um indivíduo burro, se está completamente desarmado.

Geralmente o ataque do burro nos pega de surpresa.

Inclusive quando se tem conhecimento do ataque, não é possível organizar uma defesa racional porque o ataque, em si mesmo, carece de qualquer tipo de estrutura racional.

O burro não sabe que é burro e isso contribui em grande medida a dar maior força, incidência e eficácia a seu poder devastador.

Os não burros, em especial, esquecem constantemente que em qualquer momento, lugar e circunstância, tratar e/ou associar-se com indivíduos burros se manifesta infalivelmente como um erro extremamente custoso.

Um dos erros mais comuns é chegar a crer que uma pessoa burra só causa dano a si mesma, porém isso não é mais do que confundir a burrice com a candura dos desgraçados.

A pessoa burra é o tipo de pessoa mais perigosa que existe.


Tradução por Raphael Machado

A Figura do Trabalhador

"Visto na plenitude do seu ser, e na violência de um cunho que apenas começou, a figura do trabalhador aparece em si rica em contradições, tensões e, no entanto, de uma espantosa unidade e completude em relação ao destino. Ela ser-nos-à assim manifesta, de vez em quando, em instantes em que nenhum fim e nenhuma intenção perturbe a meditação - como poder subjacente e pré-formado.

É assim que, por vezes, quando de repente a tempestade dos martelos e das rodas que nos rodeia se silencia, a tranquilidade que se esconde atrás da desmedida do movimento parece contrariar-nos quase corporalmente, e é bom o costume que no nosso tempo, para honrar os mortos ou para gravar na consciência um instante de significado histórico, declara suspenso o trabalho por um intervalo de minutos, como por um comando supremo. Pois este movimento é uma alegoria da força mais íntima, no sentido em que o significado misterioso de um animal se manifesta o mais claramente possível no seu movimento. Mas o espanto sobre a sua suspensão e, no fundo, o espanto por o ouvido julgar perceber, por um instante, as fontes mais profundas que alimentam o curso temporal do movimento, e isso eleva este ato a uma dignidade de culto.

O que distingue as grandes escolas do progresso é faltar-lhes a relação às forças originárias e a sua dinâmica ser fundada no curso temporal do movimento. Tal é a razão pela qual as suas conclusões, sendo por si persuasivas, estão não obstante condenadas, como por uma matemática diabólica, a desembocar no niilismo. Experimentamos isto nós mesmos na medida em que tomamos parte no progresso e assumimos, como a grande tarefa de uma estirpe que vivia há muito numa paisagem originária, voltar a produzir o vínculo imediato com a realidade.

A relação do progresso com a realidade é de uma natureza derivada. Aquilo que é visto é a projeção da realidade na periferia do fenômeno; tal pode-se mostrar em todos os grandes sistemas do progresso e vale também para a sua relação ao trabalhador.

E, no entanto, do mesmo modo que o iluminismo é mais profundo que o iluminismo, também o progresso não está sem pano de fundo. Também ele conheceu aqueles instantes de que precisamente se falou. Há uma embriaguez do conhecimento que é mais do que de origem lógica, e há um orgulho nas proezas técnicas, no começo do domínio ilimitado sobre o espaço, que possui uma suspeita da mais misteriosa vontade de poder, para a qual tudo isto é apenas um armamento para combates e rebeliões insuspeitados, e precisamente por isso tão valioso e necessitado de um cuidado ainda mais afetuoso do que o que um guerreiro dedica às suas armas.

Daí que para nós esteja fora de questão aquela atitude que procura contrapor ao progresso os meios inferiores da ironia romântica e que é a característica segura de uma vida enfraquecida no seu núcleo. A nossa tarefa não é ser o adversário do tempo, mas a sua última cartada, cuja entrada em ação deve ser concebida tanto na sua extensão como na sua profundidade. O pormenor que tão vincadamente os nossos pais iluminaram muda o seu significado quando é visto numa imagem maior. O prolongamento de um caminho que parecia conduzir à comodidade e à segurança entra doravante na zona daquilo que é perigoso. Neste sentido, o trabalhador, para além do pormenor que o progresso lhe assinalou, aparece como o portador da substância heróica fundamental que determina uma nova vida."
(Ernst Jünger, Trecho de "O Trabalhador")

24/10/2010

O Capitalismo: Risco ou Usura?

por Jorge Luis Rojas D'Onofrio

"Labour, therefore, is the real measure of the exchangeable value of all commodities" (O trabalho, portanto, é a medida real do valor de câmbio de todas as mercadorias) Adam Smith, A Riqueza das Nações

No sistema econômico atual é comum o intercâmbio entre empregadores e empregados. É habitual o intercâmbio de salário por trabalho. O empregador oferece o salário e o empregado oferece o trabalho; o empregador recebe o trabalho (ou o produto do trabalho) do empregado, enquanto que o empregado recebe o salário de parte do empregador. Porém quanto salário merece o empregado por seu trabalho? Quanto trabalho merece o empregador pelo salário que oferece? Qual é a relação justa entre o salário e o trabalho? Provavelmente, a maioria das pessoas coincide em que, se algo merecem possuir as pessoas, mais além do que se deve conceder às crianças e aos incapazes, é o produto de seu próprio trabalho. O pescador merece o peixe que obtém depois de sua jornada laboriosa. O camponês merece os grãos que colhe. Sem embargo, quando o empregaod e o empregador intercambiam trabalho por salário, o empregado não recebe todo o produto de seu trabalho, ao invés uma parte a recebe o empregador. Esse sistema não é muito diferente do sistema feudal, no qual o camponês cede boa parte da colheita, produto do seu trabalho, ao senhor feudal. Em uma indústria capitalista ocorre um processo similar, o salário do trabalhador não corresponde ao dinheiro da venda das manufaturas obtidas com seu trabalho, já que uma parte desse é destinada aos empregadores, os donos, os acionistas. Analisemos então os argumentos que poderiam justificar (falamos de justiça) os lucros do empregador.

Adam Smith em sua obra A Riqueza das Nações (cujo título original em inglês é "An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations") e que é considerada um dos grandes clássicos da ciência econômica, apresenta algumas justificativas para os lucros dos empregadores: "In exchanging the complete manufacture either for money, for labour, or for other goods, over and above what may be sufficiente to pay the price of the materials, and the wages of the workmen, something must be given for the profits of the undertaker of the work who hazards his stocks on this adventure." (Ao intercambiar as manufaturas, quer seja por dinheiro, por trabalho ou por outros bens, acima do que seja suficiente para pagar o preço da matéria-prima e dos salários dos trabalhadores; algo deve dar-se à pessoa que empreende o projeto, que arrisca seu capital nessa aventura.)

A justificativa de Smith para os lucros do empregador se baseiam então no risco de destinar um capital a certa atividade, que aos olhos de Smith é uma "aventura". Smith corrige ademais a crença que algum de nós poderia ter, de que os lucros não são senão outro nome para o salário que, como trabalhador que dirige e coordena as atividades, merece o empregador: "The profits of stock, it may perhaps be thought, are only a different name for the wages of a particular sort of labour, the labour of inspection and direction. They are, however, altogether different, are regulated by quite sufficient principles, and bear no proportion to the quantity, the hardship, of the ingenuity of this supposed labour of inspection and direction. They are regulated altogether by the value of the stock employed, and are greater or smaller in proportion to the extent of this stock." (Pode chegar a pensar-se que os lucros não são mais do que outro nome que se dá ao salário de um trabalho particular; o trabalho de inspeção e direção. Sem embargo, os lucros são algo completamente diferente, são reguladas por princípios bastante distintos, e não são proporcionais à quantidade, a dureza, ou ao engenho desse suposto trabalho de inspeção e direção. Os lucros são regulados pelo valor do capital invertido, e são maiores ou menores em proporção à quantidade desse capital.)

Como Smith muito bem explica, os lucros não dependem do trabalho que realize o empregador, mas sim da quantidade de capital que investe. Hoje em dia o empregador pode inclusive contratar uma pessoa para que realize o trabalho de inspeção e direção, o qual recebe um salário como um empregado mais. A justificativa que existia nesse então e que existe na atualidade para os lucros do empregador, é o risco de colocar um capital à disposição dos empregados.

Quando o empregador coloca seu capital à disposição de seus empregados, o que está fazendo é emprestar-lhes o capital aos empregados; e quando recebe lucros mais além do capital que emprestou, em realidade está recebendo um juros, que é proporcional ao capital emprestado. Esse mecanismo é equivalente ao funcionamento de um banco. O banqueiro empresta dinheiro, e recebe mais dinheiro do que emprestou. A pessoa que pede o empréstimo recebe certa riqueza, porém deve devolver mais riqueza do que a que recebeu. Esse mecanismo, bastante habitual no sistema econômico atual, é de fato contrário ao sistema de ética da maioria das pessoas. Entre familiares e amigos, emprestar algo sob a condição de que se devolva mais do que o que se emprestou, é considerado um ato de avareza e excesso de egoísmo. A cobrança de juros aos empréstimos foi proibida em muitas sociedades do passado, assim como em muitas religiões, catalogando-a de usura.

Usura. (Do lat. usūra):

1. f. Juros que se leva pelo dinheiro ou o gênero no contrato de mútuo ou empréstimo.
2. f. Esse mesmo contrato.
3. f. Juros excessivo em um empréstimo.
4. f. Lucro, fruto, utilidade ou aumento que se tira de algo, especialmente quando é excessivo. (Fonte: Diccionario de la Real Academia Española)


A condição necessária

Temos visto que tanto no funcionamento de um banco como no de qualquer outra empresa capitalista, o empregador ou o banqueiro põe à disposição dos empregados e devedores, um capital. Porém por quê alguem pediria emprestado capital, se deverá devolver mais do que recebe? Não é melhor obter esse capital por conta própria? Uma pessoa pede capital emprestado devido a que não tem maneira de conseguir esse capital a tempo. A condição necessária para que os empréstimos (créditos) existam, a condição necessária para que os empregadores paguem um salário menor do que corresponde ao trabalho do empregado, a condição necessária para que o sistema capitalista funcione, para que os banqueiros e empregadores obtenham riqueza sem trabalhar, a condição é que existam pessoas que careçam do capital que necessitam. Se as pessoas tivessem dinheiro suficiente não pediriam emprestado, e o banqueiro não receberia dinheiro sem trabalhar; se os camponeses possuíssem a terra que necessitam para cultivar, não dariam nada ao terratenente que não trabalha; se os operários possuíssem a maquinaria e a matéria-prima que necessitam para produzir manufaturas, o patrão não receberia parte da riqueza produto do trabalho dos empregados, sem trabalhar ele mesmo. Não estamos em realidade, ante uma chantagem? Se eu me aproveito da necessidade de alguém para exigir-lhe algo que de outra forma essa pessoa não aceitaria, essa pessoa está aceitando o trato sob coerção, isso não é, por acaso, equivalente a uma chantagem? Chame-se usura, chantagem, coerção, exploração ou "favor" interessado, a pergunta que logicamente os defensores da justiça devem fazer-se é a seguinte: Existe uma alternativa? Pode realizar-se alguma empresa exitosa sem recorrer aos que possuem o capital e só estão dispostos a emprestá-lo cobrando juros, sabendo que as pessoas comuns carecem da quantidade de capital suficiente? Mais adiante trataremos de responder a essa pergunta.

Porém por quê existem pessoas que carecem de capital e outras que não carecem de capital? as palavras de smith são eloquentes ao dizer que os lucros do empregador são proporcionais ao capital investido. Logicamente, se os lucros são proporcionais ao capital, enquanto mais capital possua uma pessoa mais lucros obterá, então terá mais capital para investir, e ainda maiores serão os seus lucros. A únical limitação a esse círculo de enriquecimento é o tamanho do mercado e a quantidade de mão-de-obra, já que chegará um momento no qual não haverá suficientes compradores para osp rodutos, ou não haverá suficientes empregados. Isso explica o porquê uma pequena diferença no capital das pessoas pode transformar-se em uma enorme diferença de capital em um tempo relativamente curto. Aquelas pessoas que por alguma ou outra razão possuem menos capital, recorrem às pessoas que possuem mais, e no intercâmbio, a pessoa que possui mais capital passa a possuir ainda mais enquanto que a que possui menos passa a ter uma dívida. O por quê de existirem pequenas diferenças de capital pode ter muitas razões, os defensores do sistema preferem falar unicamente das diferenças que são produto do mérito das pessoas, no caso de que tenham sido mais trabalhadoras ou mais engenhosas, porém não pode descartar-se o fato de que muitas vezes, e me atrevo a dizer que a maioria das vezes, essas diferenças são produto do azar, da especulação, do açambarcamento, do roubo, das guerras, de heranças... Ainda assim essas pequenas diferenças são resultado do mérito das pessoas, isso justifica que as diferenças aumentem com base na carência de outros seres humanos?


O suposto risco


É inegável que existem riscos ao momento de empreender qualquer atividade produtiva. Existe o risco de elaborar um produto que ninguém queira comprar, existe o risco de que o capital investido seja roubado, danificado ou desperdiçado. Porém esse risco justifica os lucros dos empregadores e banqueiros? O risco não é compartilhado muitas vezes pelos empregados e devedores? Na prática o quão arriscado é emprestar dinheiro a uma pessoa que, se não o devolver, será perseguida pela justiça? Qual é o risco de um terratenente que empresta sua terra para o cultivo, de que a terra desapareça?

Se o lucro serve para compensar o risco de quem investe seu capital, então, a longo prazo, o lucro equivaleria às perdas ocasionadas pelos investimentos desafortunados, inevitáveis quando existe certo risco. A longo prazo o investidor manteria a mesma quantidade de capital, e o juro só serviria para compensar as perdas imprevistas. A partir desse raciocínio é evidente que, no sistema atual, os lucros e os juros são muito maiores do que o que seria justificado pelos riscos, quer dizer, muito maiores do quê o necessário para fazer frente a perdas imprevistas, já que esses não produziriam a gigantesca acumulação de capital que ocorre no sistema capitalista. Os lucros e o juro não são uma compensação do risco do investidor, mas sim são o resultado de um sistema onde as pessoas que carecem do capital necessário se veem obrigadas a vender seu trabalho por um preço injusto, e onde um grupo de pessoas aproveita a necessidade de outras para exigir-lhes uma parte da riqueza que produzem com seu trabalho.


Existe outra maneira?


Os defensores desse sistema argúem que se não houvesse juros, o possuidor do capital não teria nenhuma motivação para emprestá-lo, quer dizer, não teria nenhum interesse em emprestá-lo. Então, argumentam, não seria possível por em marcha nenhuma empresa de médias ou grandes proporções, pois para isso é necessário que as pessoas que possuem muito capital acumulado estejam dispostas a investi-lo. Daí que essas pessoas sustentam que o investimento privado é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade, e qualquer restrição ou situação que afugente o investimento privado, representa um obstáculo para o desenvolvimento. Para reforçar essa ideia existem as listas de "Risco-País" e de "Competitividade" em que os países com maiores restrições à exploração, e onde portanto os investidores privadores tem menos interesse em investir, são qualificados negativamente. Porém em realidade, desde muito tempo as pessoas tem utilizado outros mecanismos para ter a sua disposição o capital que não possuem de maneira individual. Em lugar de recorrer às pessoas que acumulam capital, e que só estão dispostas a emprestá-lo cobrando juros, várias pessoas com um capital limitado, podem agrupar seus capitais e pô-lo à disposição de quem o necessite sem cobrar juros (ou cobrando juros suficientemente baixos que estejam efetivamente justificados pelo risco ou por custos administrativos). O devedor deve simplesmente pagar o que recebeu, nem mais nem menos, e os credores simplesmente tem a segurança de que, à hora de necessitá-lo, eles também receberão o empréstimo e não deverão pagar juros. Esse mecanismo é geralmente chamado uma Mutualidade. Em uma mutualidade ou mutual, várias pessoas aportam uma parte do capital que possuem e o capital agrupado é utilizado para empreender alguma atividade ou simplesmente para ajudar a alguma das pessoas em caso de uma emergência. Qualquer obra pública funciona sob esse mesmo princípio. Um imposto pode ser visto como o aporte de capital que cada pessoa realiza; enquanto que as obras públicas podem ser vistas como o capital que será utilizado por essas pessoas caso necessitem. Uma rua é uma obra financiada pela soma dos aportes de muitas pessoas. Quando uma pessoa transita pela rua o quê faz é tomar emprestado o capital de muitos, durante o tempo em que transita por dita rua. A pessoa não para nenhum juros, já que ao terminar de transitar pela rua terá devolvido o capital que recebeu emprestado, nem mais, nem menos. Aquelas pessoas que financiaram com seus impostos a construção da rua tem a segurança de saber que, quando o necessitem, poderão transitar por dita rua, quer dizer, poderão tomar emprestado o capital e somente deverão devolvê-lo sem pagar quaisquer juros extras (a menos que danifiquem dito capital). Este sistema pode, e isso é bastante evidente, financiar obras e empresas de grandes proporções, sob a condição de poderem administrar com justiça os aportes das pessoas. É por isso que o investimento público é muito mais justo que o investimento privado, já que pode estar isenta da usura que parece inevitável no investimento privado, se bem que subsistem uns poucos investimentos privados sem finalidade lucrativa.

Sem embargo um sistema que não recorra ao investimento privado dificilmente pode funcionar se os capitais escassos são controlados por entes privados. A terra e as matérias-primas são capitais que não podem ser fabricados com o trabalho das pessoas. Enquanto uma casa é o produto do trabalho das pessoas que a construíram, a terra sobre a qual se constroi e as matérias-primas utilizadas em sua construção pré-existem na natureza, razão pela qual não é justo que sejam possuídas por um particular, mais ainda quando são escassas. Se toda a terra é controlada por terratenentes, o camponês não poderá evitar vender seu trabaho por um salário injusto, já que não poderá sobreviver sem a terra. Um operário poderia conseguir o capital necessário se for financiado por entes públicos ou mutualidades porém se a matéria-prima é controlada por privados, será difícil evitar ser explorado. É por isso que a terra e as matérias-primas devem ser repartidas equitativamente, se abundantes, ou democrativamente, se escassas. A água, os alimentos e os remédios são outro exemplo de algo que, caso sejam possuídos por um ente privado, pode-se obrigar às pessoas que careçam deles a venderem seu trabalho a preços extremamente injustos. A sociedade só pode ter a segurança de que a exploração seja evitada, se é ela quem controla esses capitais estratégicos.

A Justiça social requer lutar para que a água, os alimentos, os remédios, a terra e as matérias-primas sejam bens de domínio público, e para que pessoas sejam justamente retribuídas por seu trabalho. Essa outra maneira, na qual a sociedade controla os meios de produção e as pessoas são retribuídas de maneira justa por seu trabalho; essa outra maneira, na qual as pessoas não se veem obrigadas a vender seu trabalho por um salário injusto, nem a vender sua dignidade, nem seu sexo, nem suas ideias; essa outra maneira se chama Socialismo.


Tradução por Raphael Machado

22/10/2010

A Esquerda e a Vitimização na História

por German Sainz

A histórica data que se aproxima é sem dúvida o referente máximo na configuração da psiquê da esquerda latinoamericana. É no mês de outubro em quê se põe em funcionamento todo o aparato cultural que se encontra há anos dirigido à reprodução desse estado psíquico e coletivo ao que podemos chamar vitimização. Não haverá muito lugar para o festejo, mas sim para o repúdio e para a lembrança de um "genocídio". Porém o Descobrimento e posterior conquista do continente americano são para a esquerda, únicamente o ponto de partida de uma longa história de abusos, crimes e despojos que fazem da vítima um elemento de continuidade ao longo dos séculos, criando um elemento social determinado ao sofrimento. Essa concepção da vitimização tocou fundo na mentalidade coletiva de nossos países graças ao acionar cultural dessa mesma esquerda latinoamericana que fez dela seu verdadeiro "leitmotiv".

A vitimização como recurso, a vingança como método

O conhecido jurista peruano Ariel Tapia Gómez sustenta que a contextualização sociológica da vitimização desentranha a mesma como processo social de segregação, marginalidade e vulnerabilidade, onde as leis darwinistas são a regra comum, no sentido de que a escolha das vítimas é sempre no âmbito dos mais fracos e menos avantajados. Porém, essa relação - continua Tapia - não é sustentável desde o ponto de vista moral: não pode o abuso ser a chave do êxito. E, ao contrário, as vítimas resultam ser o referencial ético do tipo de sociedade. Uma sociedade pretenderá ser menos ou mais justa segundo seja sua forma de trato com suas vítimas. Não por isso, os grandes líderes do irenismo, pacifismo e similares, fincam sua moral em sua condição de vítimas: Mahatma Gandhi, Luther King, os povos indígenas, as mulheres, as crianças, os pobres do mundo, etc. Do estudo conceitual histórico-analítico podemos estabelecer que a esquerda latinoamericana estabelece e aplica o modelo utilitário da vitimização. É o da vítima sacrificial que deve se resignar e superar sua dor em razão do grupo social que se beneficiará das vantagens dessa posição (o Império espanhol primeiro, a Igreja, os grupos dirigentes, etc.). Nessa categorização cabe à perfeição a descrição tão pouco histórica tão ideologizada do Descobrimento do Novo Mundo.

Porém o quê sucede quando a vitimização é encarnada desde o plano ideológico? As vítimas passam a ser sinônimo de vingança. Poderíam enumerar-se um sem fim de exemplos que nos levam a estabelecer esse comportamento estandartizado ao qual estamos tão acostumados e do qual o conhecido "As veias abertas da América Latina" (1971) de Eduardo Galeano é a representação máximo no imaginário progressista. Seja no Uruguai, Argentina, Venezuela ou América Central, o padrão é sempre o mesmo. Se estabelece uma penúria estendida no tempo à qual deverá inevitavelmente chegar uma solução, ou melhor dito, uma liberação. Ante o jugo, não sobre outro recurso além da violência, daí que observemos como essa ideologização da vítima desemboca irremediavelmente na vingança. O espírito de vingança foi sempre estranho ao sentir da longa trajetória valorativa ocidental. Ele mesmo não foi um tema comum nem recorrente da literatura anglo-saxã nem hispânica, e quando esta tem surgido, tem sido de maneira anedótica. A esquerda estabelece então, uma fundação valorativa sobre esse espírito inovador e consequente: o valor da vingança.

Uma justificativa e mil defeitos. A Teoria do 'bom selvagem'.

Não é novo nem inovador que a história de nosso continente seja interpretada e escrita a partir de fora do âmbito acadêmico. Desde muito cedo no tempo, tem sido o jornalismo ou as iniciativas pessoais de alguns aventureiros os agentes aos quais tem sido brindada a possibilidade de escrever a história. Em países como os nossos nos quais o investimento estatal em investigação é um "gasto desnecessário", o espaço é coberto imediatamente pelos sempre oportunos franco-atiradores. Se por si mesma, essa realidade pouca luz arroja aos dados necessários para enfrentar uma análise profunda e veras dos fatos, menos ainda colaboram a tendenciosidade e a falta de dados em mãos de pessoas comprometidas com o ativismo ideológico, sempre destinados a serem os portadores da hegemonia cultural.

Se de vitimização se trata, a esquerda nos recorda geralmente, os abusos dos conquistadores a um limite imprevisto de crueldade e ambição econômica. Porém omite por completo descrever a férrea estratificação social da vida pré-colombiana nessas terras e suas consequências brutais. No plano da vitimização, o discurso progressista anula as responsabilidades levando a discussão ao que Francisco Pestanha define como dispositivo de transferência, tendente a inverter a condição de vitimizador na de vítima.

Muito apesar de que a historiografia atual tenha chegado ao consenso de que as cifras estrondosas de perdas humanas posteriores à conquista do continente se deveu à propagação das enfermidades vindas do Velho Continente, nada dizem disso os analistas do sistema hegemônico. Nada se menciona na escatologia esquerdista acerca das incontáveis alianças de Hernan Cortés com populações mexicanas - Totonacas, Tlascaltecas e outros -, que logo das fatídicas "Guerras Floridas" iniciadas pelos Aztecas, encontram nos recém-chegados do mar, uma possibilidade de liberação do jugo imperial. Quando se realizam referências aos povoadores da América pré-hispânica se enumeram engenheiros, arquitetos, escultores, cirurgiões, astrólogos e "selvagens da idade da pedra" como se esse último lhes incorporasse o atributo daquele "bom selvagem" tão caro à literatura iluminista. Porém brilham por sua ausência a exploração sistemática das minas de metais preciosos por parte dos impérios pré-colombianos e a utilização de mão-de-obra escrava para tal fim, a busca incessata de tribos vizinhas para escravizar e as negociações dos imperadores americanos com povos vizinhos. Menos ainda se catalogam os milhares de sacrifícios humanos e a morte de centenas de crianças nas mãos dos sacerdotes pré-colombianos. Um século de império inca e outro azteca parecem ter sido forjados tendo como base o trabalho de uma longa lista de humanistas, filantropos e pacifistas. A idealização do americano, produto da teoria da vitimização é o ponto de partida de todo discurso.

A Memória como História?

Segundo afirmações do próprio Eduardo Galeano: "sou um escritor que queria contribuir para o resgate da memória sequestrada de toda América, porém acima de tudo da América Latina, terra desprezada e íntima." O recurso à memória para escrever história nos é cada dia mais familiar. Porém, apesar das pretensões de fonte confiávei que se queria atribuir a essa função cerebral sujeita a erros incomensuráveis, a história não pode ser jamais a acumulação de "memórias" mas sim o resultado final da constatação de fontes empíricas e dados concretos através de uma metodologia precisa. Daí se desprende que por mais onírica que resulte a proposta memorística, carecerá da mais mínima seriedade acadêmica - ou dito de outro modo - de toda confiabilidade.

E é que certa esquerda quer simplesmente deseja pontificar, daí que em suas análises e investigações não haja o menor indício de problematização da história nem objetividade mínima, nem repartição de responsabilidades, porquê sua intenção não é conceitualizar mas sim compilar "memórias" todas elas convenientes a seus interesses ideológicos.

O melhor antídoto contra a vitimização e toda desvirtualização da história se encontram em primeiro lugar no apego dessa disciplina como atividade intelectual, metódica e procedimental; em segundo lugar reconhecer o exercício das responsabilidades coletivas, sem desconhecer como é justo, a possibilidade da injustiça sempre presente, porém sem que essa chege a trabalhar como legitimação da imobilidade e da vitimização, propensas sempre a negar a prioridade da coerência.

Tradução por Raphael Machado

Livre-Comércio

"O objetivo do livre-comércio global é criar um mercado global de bens, serviços, capital e trabalho. O princípio é que tudo possa ser manufaturado em qualquer lugar do mundo e vendido em qualquer outro lugar. O livre-comércio global se tornou um princípio sacrossanto da teoria econômica moderna, um dogma universal, verdadeira religião cuja premissa não é permitido questionar.

Quase todos os economistas e políticos estão hoje dominados, e para dizer a verdade, verdadeiramente encantados por essa doutrina. Essa doutrina é sustentada diariamente por todas as mídias que controlam mais ou menos abertamente beneficiárias multinacionais do livre-comércio global. Advogados da nova doutrina confundem a lucratividade das multinacionais com uma economia global saudável. Eles chegam à conclusão de que os lucros das grandes multinacionais e o nível do preço de suas ações são um indicador confiável de uma economia e sociedade saudáveis.

Em verdade, o quê nós vemos é que o comércio internacional é dominado pelos interesses de multinacionais e não pelos interesses das Nações como um todo. O quê nós vemos é que a economia global é organizada para o benefício das multinacionais, e não para satisfazer as necessidades básicas e fundamentais das comunidades nacionais.

Hoje existem duas economias distintas: aquela das grandes corporações e aquela das Nações. Seus interesses não são apenas diferentes. Eles são antagônicos. Conforme as multinacionais transferem sua produção para regiões com salários mais baixos, eles destroem empregos em sua própria economia nacional. Nesse sistema, os perdedores não são apenas aqueles que perdem seus empregos por 'offshoring', mas também aqueles que perdem seus empregos porquê o seu empregador não terceirizou, e acabou falindo. Também são perdedores todos aqueles cujos salários são reduzidos pela competição com países de baixo salário.

Os vencedores são aqueles que podem obter lucros imensos usando fontes de trabalho barato virtualmente inexauríveis. Essas são as companhias que se transferem podendo pagar salários menores, e aqueles com capital para investir onde o trabalho é mais barato e onde eles podem garantir um retorno melhor. São os líderes das corporações multinacionais e seus acionistas que são a favor do livre-comércio global. São eles que ficam de fato mais ricos. Em realidade nós devemos distinguir entre os interesses dos grupos que dominam a política, a administração, os negócios públicos dos interesses do povo. As necessidades reais de cada país são de facto subordinadas aos interesses das multinacionais, e realmente aos interesses dos executivos das companhias multinacionais.

Esse sistema insano é mantido apenas por meio da cumplicidade dos líderes políticos. São eles, essencialmente, e apenas eles, que são responsáveis pelas consequências do livre-comércio global porquê são eles, por sua função, que são responsáveis por definir o desenho institucional das economias.

Na França os defensores do livre-comércio global apontam que graças a importações baratas de países com baixos salários, os preços nos supermercados tem se reduzido consideravelmente. Isso é de fato o quê vemos, mas, como Frederic Bastiat uma vez disse, o quê não é visto é o aumento correspondente no número de desempregados que tem que ser subsidiados e cujos benefícios são financiados por impostos cada vez maiores. O quê não é visto, é também a progressiva destruição da indústria nacional."
(Maurice Allais)

20/10/2010

Nem de Direita, nem de Esquerda

"Não somos nem de direita, nem de esquerda, mas se resulta absolutamente necessário nos situarmos em termos parlamentares repetimos que nos encontramos a meio caminho entre a extrema-direita e a extrema-esquerda, por trás do presidente, dando as costas à Assembleia."
(Arnaud Dandieu)

19/10/2010

Sem propósito ou lugar

"A propaganda nos faz sair correndo atrás de carros e roupas, trabalhando em empregos que odiamos para que possamos comprar merdas que não queremos. Nós somos os filhos do meio da história, cara. Sem propósito ou lugar. Nós não temos uma Grande Guerra. Nenhuma Grande Depressão. Nossa Grande Guerra é uma guerra espiritual... nossa Grande Depressão é nossas vidas. Todos nós fomos criados pela televisão para acreditarmos que um dia seríamos todos milionários, astros do cinema e rock stars. Mas nós não vamos ser. E nós estamos lentamente compreendendo esse fato. E estamos muito, muito putos."
(Trecho do livro 'Clube da Luta', de Chuck Palahniuk)

18/10/2010

A Cidade Contra o Campo

"Oswald Spengler, em Le Déclin de l'Occident, traçou de forma infinitamente mais correta, a evolução da cidade, desde o burgo até a 'cidade mundial'.

A diferença entre o burgo e a cidade não reside apenas nas suas dimensões. O burgo não se opõe fundamentalmente ao campo. Construído em redor do mercado, ele constitui o ponto de interseção de um certo número de interesses rurais. Está ligado à terra e depende da 'natureza', de que ele adota os hábitos e os ritmos.

Com a 'cidade de cultura', isto é, a cidade tradicional, a natureza encontra-se, pelo contrário, nitidamente dominada, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista político. A cidade transforma-se em pequena sociedade autônoma, em constante evolução em relação ao meio ambiente. Torna-se o sujeito coletivo da história dos seus habitantes. A relação entre a cidade e o campo é, então, análogo à relação entre a sociedade e a 'natureza'. É nisso que as sociedades citadinas são plenamente históricas, por oposição às sociedades rurais, que são sociedades de repetição. (O campo desempenhando um papel, indispensável, de reserva humana potencial destinada a atualizar-se progressivamente nas cidades - ao mesmo tempo que se efetua a sua própria substituição.)

Mas a 'cidade de cultura' em breve se expande. Desdobra-se em arrabaldes que, pouco a pouco, vão absorvendo os meios rurais circundantes. A relação com a natureza deixa de ser dialética para passar a ser esterilizante. O mundo rural é esvaziado, sem que tenha tempo de se renovar. Paralelamente, a gestão da cidade torna-se cada vez mais pesada e burocrática. Formas geométricas e cristalizadas substituem-se às formas orgânicas. O anonimato é a regra, encontrando-se o indivíduo desprovido de meios para se situar, de forma perdurável, em relação ao seu próprio meio. É assim que surge a 'cidade mundial', submetida, segundo as épocas, ao poder dos tecnocratas ou dos funcionários imperiais. A sua aparição, diz-nos Spengler, corresponde ao estágio da 'petrificação' das culturas.

'Estas cidades gigantescas e pouco numerosas', escreve, 'banem e matam, em todas as civilizações, sob o conceito de província, e por inteiro, a paisagem que foi a mãe da sua cultura (...). Elas transformam-se na história petrificada de um organismo'.

'As cidades mundiais do tempo dos Han e dos indianos da dinastia dos Maurya', acrescenta ele, 'possuíram as mesmas formas geométricas. As cidades mundiais da civilização euro-americana encontram-se longe de haver atingido o cume da sua evolução. Vejo aproximar-se o tempo em que se construirão cidades urbanas de dez ou vinte milhões de habitantes'.

É a este estágio aquele a que chegamos.

Todos os Estados modernos se encontram, hoje, confrontados com o mesmo problema: como canalizar o crescimento das grandes cidades sem prejudicar as exigências da vida social - ou o seu desenvolvimento? Neste domínio, e até agora, tem prevalecido o pragmatismo e a visão a curto prazo. Mas hoje, não é já possível que as cidades continuem a crescer por si próprias. As mais futuristas das propostas não faltam. Mas as soluções não são mais do que uma questão técnica, de planos, e de 'metrópoles de equilíbrio'. O exemplo de Nova Iorque dá o que pensar: o fracasso dessa cidade representa o fracasso de um certo modo de organização e de povoamento urbanos."
(Alain de Benoist)

17/10/2010

O Hedonismo Como Estilo de Vida

por Antonio Marco Mora Hervás

"Terem muitos particulares aplanado montes e nivelado mares, gente em minha opinião a quem as riquezas não serviram senão para desprezo e brincadeira, porque podendo-as gozar honestamente, apressavam-se a perdê-las por modos vergonhosos. Nem era menor o excesso na lascívia, na glutonaria e demais prazeres do corpo. Prostituíam-se infamemente os homens; expunham as mulheres ao público sua honestidade; buscava-se excelentemente tudo por mar e terra para excitar a gula; não se esperava o sonho para o repouso na cama; sem fome, sem sede, sem frio, nem cansaço; tudo era antecipado pelo luxo. Essas desordens inflamavam a juventude, depois que já havia dissipado suas propriedades, para todo gênero de maldades. Seu ânimo envolto em vícios, dificilmente deixava de ser caprichoso; e tanto com maior desenfreio se entregava ao roubo e aos excessos".
(Suetônio)

O relaxamento moral que emana das cidades cosmopolitas é quiçá o símbolo mais visível que delata a corrupção espiritual de nossa Cultura.

O hedonismo se assenta definitivamente na sociedade, e não são poucos os que adotam essa filosofia como um autêntico estilo de vida, como uma "via de fuga" para evadir-se de um mundo que já não interessa porque já foi perdido interiormente. Desenraizados, esses indivíduos pululam pelas ruas com a esperança de encontrar uma nova fonte de prazer com a qual saciar sua alma viciada. Seus componentes já não são os clássicos alcoólatras ou "pessas de má reputação", mas sim a crescente massa de jovens semi-vagabundos, consumidores de toda classe de drogas e outras perversões. Em casos concretos, essas tendências alcança um setor cada vez maior da população, o qual é inclusive justificado e até fomentado pela explícita demagogia de políticos, artistas e intelectuais de nova geração.

Sem embargo, não é a primeira vez que semelhantes infâmias se fazem presentes na História; podemos rastrear esses mesmos fenômenos na Roma decadente, aquela cidade mundial cujo ocaso cultural Mommsen soube descrever tão detalhadamente.

Enquanto os jogos de apostas e espetáculos públicos iam ganhando terreno dia após dia, "o horror ao trabalho e a vagabundagem cresciam a olhos nus", assinala o prestigiado historiador alemão. Mais aidante conta a significativa anedota na qual "Cato propôs que se pavimentasse o Forum com pedras bem afiadas para obrigar os vadios a aprenderem um ofício".

Sem dúvida, essas inclinações encontraram sua apoteose na conhecida fórmula imperial do Panem et Circenses, medida com a qual os Imperadores pretendiam manter ociosa a plebe urbana. Nessa situação, é compreensível que àquela época se considerasse que "o homem rico que vive do trabalho de seus escravos é necessariamente um homem respeitável, enquanto que o homem pobre que vive do trabalho de suas mãos se tem necessariamente por um homem vil", crença que ao menos demonstra uma maior franqueza do que a que se pode experimentar em nossos dias.

"No que concerne a ociosidade, nada tinha que invejar o aristocrata ao proletário; se esse se virava folgadamente sobre o pavimento, aquele dormia entre suas plumas até bem tarde no dia. A dissipação reinava nesse mundo com tanta falta de medida como sobra de mal gosto". Desse modo resume Mommsen o vazio espiritual que empeçonhava o coração de um povo próximo a se consumir, de uma raça atrofiada em espera de tempos melhores, de tempos nos quais o descanso anuncie o crepúsculo ante a irreversibilidade de seu próprio Destino.

Tradução por Raphael Machado

O Fim do Domínio do Bezerro de Ouro

"Nós devemos aprender que o trabalho é mais do que a propriedade, que o serviço é mais que o dividendo! É a mais funesta herança do sistema econômico capitalista, que a medida do valor de todas as coisas seja o dinheiro, a propriedade, a posse. O afundamento, a dissolução dos povos é a consequência direta do uso dessa falsa escala de valores, pois a escolha segundo as propriedades é o inimigo mortal da Raça, do Sangue, da Vida autêntica. Nós nunca deixamos dúvida nenhuma de que nosso Socialismo Nacional rompe com esse privilégio da possa e que a liberação do trabalhador alemão deve se estender em sua participação no lucro, sua participação na propriedade e sua participação no serviço. Porém significaria voltar a usar a velha vara de medir se parássemos aqui e não se iniciasse também a necessária revolução das mentes, que nos libere da mentalidade do sistema materialista atual. Nós pomos conscientemente o valor do serviço acima do valor da propriedade, o valor do serviço é o único valor que realmente reconhecemos! Nós pomos o serviço no ponto central e não os dividendos. Do mesmo modo consideramos que a responsabilidade é a coroação das aspirações humanas, nunca as riqueizas ou o luxo! Essa é a nova Cosmovisão, a nova religião da economia e com ela se estabelecerá o fim do cruel governo do Bezerro de Ouro e as diferenças dos seres humanos e dos direitos, serão somente as diferenças do serviço, diferenças no grau de responsabilidade; diferenças, enfim, que provém de Deus de são sagradas."
(Gregor Strasser)

16/10/2010

Democracia de Massas ou Democracia Representativa?

por Eduardo Hernando Nieto

Na prática política democrática podemos encontrar basicamente duas possibilidades concretas, ou bem falamos de uma democracia participativa ou propomos uma teoria elitista da democracia, no primeiro caso se pensa que a democracia (leia-se poder) deve ser expandido e que deve chegar a todos os âmbitos da vida humana, por sua vez a teoria elitista considera que não é bom que todos participem porque ou bem estão incapacitados de fazê-lo ou porque sempre estarão buscando satisfazer seus interesses pessoais.

Nesse sentido, de acordo com a natureza do sistema clássico da democracia representativa inspirada evidentemente na democracia elitista, essa se sustentava no princípio aristocrático como assinala Carl Schmitt: "A forma política da Aristocracia se baseia no pensamento da representação. Porém a consequência desse princípio formal fica debilitado e atenuado, porquanto não é uma única pessoa, mas sim uma pluralidade de pessoas a quem se representa."

Evidentemente, o propósito da representação era o de conservar uma ordem na qual se mantinha uma separação entre Opinião e Conhecimento, precisamente, a visão da democracia participativa, se caracterizaria pela negação das separações e por consequência a abolição da diferença entre Opinião e Conhecimento, o quê desde meu ponto de vista resultaria nefasto como veremos imediatamente.

Como assinalava, o Sistema de Representação se elaborou com base na organização das separações a partir da proposta elitista sustentada precisamente na distinção entre opinião e conhecimento, o sistema representativo devia ser inicialmente uma "representação do conhecimento político", porém, o Estado Burguês de Direito, quer dizer, o Estado Liberal tratou de integrar de alguma maneira os princípios aristocráticos junto com o princípios democrático participativo, e isso ficou expresso na configuração do Sistema Bicameral:

"A fundamentação e formulação do sistema bicameral clássico para o liberalismo burguês do século XIX, se encontra em Benjamin Constant. Concebe a Câmara Alta como uma representação especial, e tenta dividir a representação estabelecendo diversos objetos da mesma. A câmara de deputados surgida do sufrágio é um representante da inconstante opinião pública; a Câmara Alta, baseada na herança, representante da duração e da continuidade (durée, em contraste com "opinião"). Ao "poder real" como neutro, ao Executivo, como aplicação e ao poder judicial já não lhes chama "representativos". Com diversas modalidades se reprete o pensamento de que uma Câmara Baixa, dominada por opiniões e maiorias cambiantes e baseada no número e na quantidade, deve se pôr ao lado de uma representação especial da estabilidade e da qualidade. (...)"

Assim pois ficava claro apesar da inclusão do elemento participativo o caráter elitista da democracia representativa, considerando que aos fundadores da democracia representativa não lhes preocupava que as eleições pudessem ter como resultado uma distribuição desigual de cargos, e sobretudo afirmando a superioridade dos representantes em relação a seus votantes:

"Acreditava-se firmemente que os representantes eleitos deveriam sobressair em relação à maioria dos eleitores no que concerne a riqueza, talento e virtude. Na época em que se estabeleceu o governo representativo, a porcentagem da população que constituía o eleitorado variava de país para país."

Era indubitável então que o regime representativo era altamente racional e que de alguma maneira tentava harmonizar as duas perspectivas democráticas destacando sempre essa distinção entre os poucos e os muitos.

Lamentavelmente, a democracia liberal contemporânea ao estar baseada em um fundamento "científico" e não "filosófico" passou por alto esses antecedentes da democracia liberal clássica, ignorando sua origem elitista e sobretudo sua distinção entre Episteme (Conhecimento) e Doxa (Opinião), ao fazer isso, não osmente está traindo suas origens mas sim que inevitavelmente nos leva à Democracia de Massas, quer dizer, à democracia estritamente participativa - ao menos em teoria - , onde "qualquer um" pode ascender ao poder e onde quem ascende a este não tem a menor ideia do que fazer com ele, pois carecem precisamente de conhecimento político que em outras circunstâncias poderia orientá-los nesse sentido.

Tradução por Raphael Machado

Alexander Dugin - Defesa e Agressão

por Alexander Dugin

"No mundo moderno ocorreu um rompimento com tradições seculares, que modificou completamente as estruturas mentais e sociais da humanidade moderna em comparação com os longos milênios do passado. 'Iluminismo', humanismo, racionalismo e outras tendências 'progressistas' apresentaram um sistema de valores e estimativas, contradizendo completamente as orientações básicas da sociedade tradicional. Isso certamente ( e talvez do modo mais expressivo) tocou o princípio da agressão. A Era Europeia do Iluminismo implantou no povo uma visão unilateral da agressão, uma perspectiva exclusivamente a partir do ponto de vista da vítima.

O lado espiritual daquele fenômeno, baseado na Vontade ao Absoluto, de alcançar um caráter total, a máxima extensão de um sujeito à esfera do Divino, cessou de ser compreensível, concreta e ontologicamente enraizada, e, consequentemente, foi identificado com 'sobrevivência', com atavismo, com barbarismo inerte, com o temporal e com o principal defeito retificável da civilização. Tendo perdido sua legitimidade metafísica, a agressão passou a ser percebida como transgredindo ilegitimamente a integridade do que foi proclamado o supremo valor em si mesmo - o indivíduo humano, sociedade, ser, etc. Daí se segue toda a tendência 'jusnaturalista', que tem se desenvolvido desde os tempos de Rousseau. Como a expansão existencial cessou de ser metafisicamente justificada, a vítima fez sua própria demanda por 'segurança total', ou seja pela artificial e, exaltada ao mais alto imperativo ético, defesa contra a agressão. A agressão foi efetivamente banida. Com isso, em particular, o status legal 'democrático' que proíbe a propaganda e guerra, está conectado.

Passou a ser possível mudar as fundações culturais e sociais da sociedade, enquanto era naturalmente além dos poderes de qualquer um mudar as tendências básicas do cosmos e dos seres humanos. Portanto, a agressão jamais desapareceu, seja da história, ou do dia-a-dia, ou da natureza selvagem. Ela apenas passou a ser percebida como o mal, como a demanda do próprio Ser limitado em utilizar um outro, a qual surge espontaneamente de tempos em tempos.

Como o processo da totalização do sujeito foi excluído, a agressão passou a ser considerada como mera aquisição quantitativa, como pilhagem de sujeitos externos, como o egoísmo trivial e vulgar, como a fatal 'luta pela vida'. Portanto o todo da agressão passou a ser gradualmente reduzida à mera esfera econômica e todas as suas manifestações em outras esferas foram estritamente culpadas pela 'opinião pública'. 'Segurança total' e 'Direitos Humanos' foram a partir de então garantidos pela transferência da agressão para a esfera dos padrões materiais abstratos - dinheiro, capital."

(Trecho de "Os Cavaleiros Templários do Proletariado", por Aleksandr Dugin)

15/10/2010

Os Mitos e a História

por Mircea Eliade

A realidade se adquire por repetição ou participação, repetição de um arquétipo. Se produz ebulição do tempo profano, da duração, da história e aquele que reproduz o fato exemplar se vê transportado à época mítica na qual sobreveio a revelação dessa ação exemplar. Essa suspensão do tempo profano corresponde a uma necessidade profunda do homem arcaico: não suporta a "história" e se esforça para anulá-la de forma periódica.

Transformação do homem em arquétipo por meio da repetição. Por exemplo, os soberanos se consideram imitadores do heroi primordial. Transfiguração da História em Mito. É também frequente a mitificação dos personagens históricos.

Muitas vezes devem lutar contra dragões ou serpentes porque são identificados como senhores do lugar, representam a modalidade pré-formal do universo. Assim os conquistadores devem formar, criar os territórios ocupados.

Na memória popular, a lembrança de um acontecimento histórico ou de um personagem autêntico não subsiste mais do que dois ou três séculos. Isso se deve a que funciona por meio de categorias em lugar de acontecimentos, arquétipos em vez de personagens históricos.

O personagem histórico é assimilado a seu modelo mítico (heroi) enquanto que o acontecimento se inclui na categoria das ações míticas. A memória coletiva é ahistórica. Poderia dizer-se que a memória popular restitui ao personagem histórico dos tempos modernos sua significação de imitador do arquétipo e de reprodutor das ações arquetípicas.

Às vezes ocorre raramente que se tem a ocasião de presenciar enquanto vivo a transformação de um acontecimento em mito. Recalca o caráter ahistórico da memória popular e a impotência da memória coletiva para reter os acontecimentos e as individualidades históricas sem transformá-los em arquétipos, sem anular suas particularidades históricas e pessoais.

Compare as concepções diferentes da existência depois da morte. A transformação do defunto em antepassado.

Tradução por Raphael Machado

Dominique Venner - Masculinidade

por Dominique Venner


Para dizer as coisas numa palavra, o desaparecimento da guerra do horizonte de nossa história conduziu em todas as sociedades europeias ao desaparecimento da masculinidade e à irrupção da feminilidade. Tentemos compreender. Um homem não é legitimado na sua virilidade senão pela sua função de proteção e de provimento. Do mesmo modo, uma mulher é antes de tudo legitimada pela reprodução e perpetuação da vida. Ouço os protestos indignados. E contudo vou agravar o meu caso. Nada mudou desde as primeiras sociedades de clãs caçadores. O homem enquanto arquétipo é sempre o Sr. Cro-Magnon cuja mulher e os filhos esperam que ele traga uma corça para o jantar e que proteja o lar contra os ladrões. Quanto a mulher, ela é sempre a Sra. Cro-Magnon, que se arruma para receber seu homem, dá-lhe belas crianças e mantém viva a chama do lar.

Quando falo do masculino em oposição ao feminino, não penso, contudo, em pessoas particulares entre as quais figuram todas as exceções. Penso em valores e arquétipos. Como escreveu de forma ligeira um psicólogo americano que não havia perdido o juízo (John Gray), os homens e as mulheres vem de planetas diferentes, os homens de Marte, e as mulheres de Vênus.

No cinema, mundo dos arquétipos, o masculino é encarnado por Jean Gabin, Lino Ventura ou Clint Eastwood. Dão-se bem com o conflito e procuram-no. São silenciosos e firmes. São pais autênticos que sabem punir se necessário.

13/10/2010

O Dever da Diversão

"Uma das provas mais fortes de que o princípio e finalidade do consumo não é diversão ou prazer é que isso é agora algo que é imposto a nós, algo institucionalizado, não como um direito ou um prazer mas como o dever do cidadão.

O puritano considerava a si mesmo, sua própria pessoa, como um negócio que deveria prosperar para a glória maior de Deus. Suas qualidades 'pessoais', seu 'caráter', que ele gastou sua vida produzindo, eram para ele um capital a ser investido oportunamente, a ser administrado sem especulação ou desperdício. Contrariamente, mas do mesmo jeito, o homem consumista considera a diversão como uma obrigação; ele vê a si mesmo como um negócio de diversão e satisfação. Ele vê como seu dever ser feliz, amável, adulador/adulado, encantador/encantado, participativo, eufórico e dinâmico. Esse é o princípio da maximização da existência pela multiplicação de contatos e relacionamentos, pelo uso intenso de signos e objetos, pela exploração sistemática de todas as possibilidades de divertimento.

Não há possibilidade para o consumidor, para o cidadão moderno, de evadir essa felicidade e diversão impostas, que é o equivalente na nova ética ao imperativo tradicional de trabalhar e produzir. O homem moderno gasta cada vez menos e menos de seu tempo na produção dentro do trabalho e cada vez mais dele na produção e inovação contínua de suas próprias necessidades e bem-estar. Ele deve constantemente garantir que todas as suas potencialidades, todas as suas capacidades de consumo estão mobilizadas. Se ele esquece de fazê-lo, ele será gentilmente e insistentemente lembrado de que ele não tem direito de não ser feliz. Não é, então, verdade que ele seja passivo. Ele está engajado em - tem que estar engajado - em atividade contínua. Senão, ele corre o risco de estar contento com o quê tem e se tornar associal.

Daí o reavivamento de uma curiosidade universal (um conceito a ser explorado ainda) em relação a culinária, cultura, ciência, religião, sexualidade, etc. 'Experimente Jesus!' [Try Jesus!] diz um slogan americano. Você tem que experimentar tudo, porque o homem consumista é assombrado pele medo de estar 'perdendo' alguma coisa, alguma forma de diversão ou outra. Você nunca sabe se um encontro particular, uma experiência particular (Natal nas Ilhas Canárias, enguia no whisky, LSD, sexo ao estilo japonês) não vai despertar alguma 'sensação'. Não é mais desejo ou mesmo 'gosto', ou uma inclinação específica que estão em jogo, mas uma curiosidade generalizada, dirigida por uma vaga sensação de desconforto - é a 'moralidade da diversão', ou o imperativo de se divertir, de explorar ao máximo os potenciais para excitações e gratificações."
(Jean Baudrillard, Trecho de 'A Sociedade do Consumo - Mitos e Estruturas')

12/10/2010

A Sociedade do Espetáculo e a Sociedade do Jogo

"A Sociedade do Espectáculo, denunciada em 1967 por Guy Debord como uma sociedade de alienação, não fundada exclusivamente sobre a exploração econômica, mas também sobre a ditadura permanente das imagens e dos objetos e sobre a multiplicação de experiências simuladas pela indústria da distração; sofisticou-se consideravelmente. Não unicamente pela exposição da esfera audiovisual e da Internet, mas também porque esta sociedade do espetáculo, para captar a atenção do público, centrou-se no espectáculo do Jogo. O jogo – simulacro da guerra – foi, desde sempre, um comportamento com uma forte descarga fisiológica, que permite ao 'Dono do Jogo' controlar os atores e os espectadores. Em Roma, os jogos do circo foram um meio político para apagar as tensões sociais. Assim, assistimos a um crescimento considerável da influência do Jogo: esportes-espectáculo transmitidos em todo o planeta, explosão dos jogos de computador e, em pouco tempo, dos jogos virtuais (cúmulo do simulacro!), multiplicação dos produtos propostos pela 'Française des Jeux' e dos 'parques de atrações', etc. Mas, o jogo é, por definição, o domínio do vazio. Não tem nenhum sentido. Uma pechincha para o sistema: 'paguem e joguem, paguem e vejam jogar'. Não é por acaso que os estados ocidentais continuam esta Sociedade do Jogo, como fez a Roma decadente da Antiguidade, mas somando a potência do impacto do audiovisual e da informática. Os CD-Rom de jogos, que inundam as classes jovens, excluem as actividades 'perigosas': ler e pensar. O jogo mata estes vírus insuportáveis chamados ideias.

Mas a estratégia parece estar condenada ao fracasso. É a mesma do Big Brother orwelliano de 1984, ou do filme Farenheit 451, em versão soft, evidentemente. Uma sociedade não pode sobreviver muito tempo sem legitimação positiva. Desviar a atenção e infantilizar… Esta estratégia indigente e imbecil apenas pode funcionar por pouco tempo. 'Vai jogar e deixa o teu pai em paz'. Privada de verdadeiros discursos e de resultados práticos para resolver os problemas cada vez mais graves, sem objectivos mobilizadores, a ideologia hegemónica não poderá, a longo prazo, sobreviver sobre o vazio e a negatividade, sobre a cultura do insignificante e da entertainment industry."
(Guillaume Faye)

11/10/2010

Nacionalismo Revolucionário

"A consciência nacional e a consciência revolucionária separadas, erigidas frente a frente, não constituem, uma com melhor título que a outra, as forças dialéticas da criação do futuro, são tão somente estéreis produtos de uma sociedade que morre. A consciência nacional se faz conservadora, quer dizer, associa estupidamente ao esforço para perpetuar a realidade nacional, o esforço para conservar nela o poder das forças que a destroem; a consciência revolucionária se torna anti-histórica e anti-nacional, quer dizer trabalha para aniquilar o que quer liberar. As mesmas palavras 'nacional' e 'revolucionário' tem sido até ponto desonradas pela demagogia, a mediocridade e o verbalismo, que são já recebidas na França com uma indiferença bastante parecida ao desgosto. O problema consiste hoje em superar esses mitos políticos fundados sobre os antagonismos econômicos de uma sociedade dividida; em liberar o nacionalismo de seu caráter burguês e a revolução de seu caráter proletário; em interessar de uma maneira orgânica e total a Nação na Revolução, já que só a Nação é capaz de levá-la a cabo; em interessar igualmente a Revolução na Nação, já que só a Revolução pode salvá-la."
(Thierry Maulnier)

10/10/2010

Autoridade e Liberdade

"Toda a história social da humanidade é repleta de conflitos, tendo em sua base dois grandes princípios, cada um buscando por um lugar em detrimendo do outro: o Princípio da Autoridade e o Princípio da Liberdade. A autoridade tem objetivado se expandir em detrimento da liberdade, enquanto esta tem tentado limitar ao máximo o poder da autoridade. Esses dois, face a face, não poderiam não entrar em conflito. Orientar um movimento segundo um ou outro desses dois princípios significa continuar a linha histórica de agitação e conflitos sociais. Significa continuar de um lado a linha da tirania, opressão e injustiça, e do outro lado a linha de insurreição sanguinária e de conflitos permanentes.

Portanto, eu quero chamar a atenção de todos os legionários e principalmente dos mais novos, de que eles não devem desviar da linha do movimento por causa de um equívoco. Em muitos casos eu percebi que assim que um legionário recebia uma graduação ele se enrijecia em todo seu ser, em uma 'autoridade', rompendo com tudo que o ligava ao seus camaradas de até então, e se sentia compelido a 'impressionar' os outros pelo uso de sua autoridade.

O movimento legionário não é baseado exclusivamente nem no Princípio da Autoridade, nem no da Liberdade. Ele possui suas fundações enraizadas no Princípio do Amor. Nele, tanto a Autoridade quanto a Liberdade tem suas raízes.

O Amor é a paz entre os dois princípios: Autoridade e Liberdade. O Amor está no meio, entre eles, e acima deles, abraçando a ambos em tudo o que eles tem de melhor e removendo os conflitos entre eles."
(Corneliu Z. Codreanu)

09/10/2010

Das Guerras Modernas

"Depois de chegados à superprodução e à condição de nações que, demográfica ou industrialmente, 'não tem espaço', impõe-se uma saída e, onde a 'guerra indireta' e as ações diplomáticas não forem suficientes, passa-se às ações militares, que têm, aos nossos olhos, um significado extremamente mais baixo que o que podem ter tido as invasões bárbaras. Este gênero de subversão tem atingido, no decorrer dos últimos tempos, proporções mundiais, sob a cobertura da retórica mais hipócrita. Têm sido mobilizadas as grandes ideias da 'humanidade', da 'democracia' e da 'liberdade dos povos', enquanto por um lado - no plano exterior - (...) se fez descer o ideal heroico ao nível policial, porque as novas 'cruzadas' não souberam encontrar uma bandeira melhor que a de uma 'ação contra o agressor'; e, do lado interior, para além das fumaças dessa retórica, a única força determinante tem sido a vontade de poder brutal e cínico de obscuras forças capitalistas e coletivistas internacionais.

Ao mesmo tempo, a 'ciência' conduziu a uma extrema mecanização e 'tecnicização' da aventura guerreira, pelo que hoje em dia não é tanto o homem que combate contra o outro homem, mas sim é a máquina que combate contra o homem, sendo em caso limite utilizados -com a guerra aérea 'total' indiscriminada, com as armas atômicas e as armas químicas - sistemas racionais de extermínio em massa, obscuros e inexoráveis, sistemas que anteriormente só podiam ser concebidos para aniquilar micróbios ou insetos. Que milhões e milhões de homens, arrancados maciçamente a ocupações e vocações completamente estranhas às do guerreiro, tenham sido feitos literalmente, como se diz na gíria técnica militar, 'material humano', e morram em aventuras semelhantes - isto sim, é que é uma coisa santa e digna do nível atualmente atingido pelos 'progressos da civilização'. O quê julgar de acordo com os valores da 'outra margem' não chegará na maior parte dos casos, a ver muito mais, no sangue que corre pelos campos, que o adubo de que a terra precisa."
(Julius Evola)

07/10/2010

Alexander Dugin - O Conservadorismo Revolucionário: Perpétua Atualidade

por Aleksandr Dugin 

O conservadorismo tradicional: fracasso, erigido em valor

Todos os conservadores têm um destino trágico – necessariamente perdem. Esforçando-se por contrariar a novidade, que se considera (na maior parte das vezes justificadamente) como negativa, herege, quase traidora das tradições e pilares antigos, eles estão condenados a perder batalha após batalha, pois o próprio tempo se encontra do outro lado da barricada. Parece que a posição dos conservadores tradicionalistas é, no fim de contas, apenas uma atitude estética, trágica, embora muito atraente, um certo gesto brilhante, mas notoriamente condenado ao fracasso. 

Mais do que isso, a tenacidade dos conservadores na fidelidade ao que é antigo, está também, em determinado sentido, na posse dos seus antagonistas progressistas e modernistas de todos os tipos e cores: de fato, reconhecendo o seu campo como pura resistência, como inércia, como reação, os conservadores deixam livres as mãos a todos aqueles que oferecem um projeto renovador, independentemente do que ele seja. Por definição, os conservadores põem obstáculos a quaisquer inovações, a quaisquer inovadores. Ao projeto dos modernistas opõem não o seu próprio plano, mas a total ausência de plano. 

A essência da posição dos conservadores consiste em tudo deixar como era, como é. Isto, naturalmente facilita seriamente o trabalho daqueles que tudo querem mudar. Na verdade, o enorme estrato social, representado pelos conservadores, mete-se entre parênteses na discussão ou realização de novos programas, notoriamente recusando-se a apresentar o seu próprio projeto, o que seriamente reforça a concorrência e permite analisar com mais atenção o lado substancial do que os modernistas propõem.

A circunstância da fatal condenação do conservadorismo tradicional, e a sua involuntária e inconsciente cumplicidade com o campo progressista, já há muito foram notados pelos mais perspicazes pensadores conservadores, que tentaram compreender a razão dos seus constantes insucessos. A começar por Louis de Bonald (1754-1840), Joseph de Maistre (1753-1821), Donoso Cortés (1809-1893) e os eslavófilos russos, os conservadores começaram a questionar-se quanto seriam eles culpados dos seus próprios fracassos históricos e da fatal vitória do campo revolucionário oposto, que atribuía a si mesmo essa vitória, a contradição da qual e a reação à qual eram, na realidade, um fenómeno da frente conservadora. 

Assim nasceram os primeiros traços da especial versão do conservadorismo, os quais foram em conjunto designados pelo eslavófilo Samarin “conservadorismo revolucionário”. A princípio dizia-se que o campo conservador devia ser mais radical nos seus actos, e antepor-se ao discurso dos “niilistas” e dos “derrubadores de princípios”, imitando deles o radicalismo e o atrevimento na realização dos seus objectivos, e o maquiavelismo das tecnologias subversivas. Nos anos 20 este maior desenvolvimento no campo conservador generalizou-se e começou a ser chamado “Revolução Conservadora”, tomando para si através de Thomas Mann o termo do eslavófilo russo. Na Alemanha o movimento também assim se chamou “Revolução Conservadora”, porém, no meio russo foi designado de “Eurasianismo”. 

Os Paradoxos da Revolução Conservadora

O mais nítido de todos, e em maior escala, pólo autônomo do conservadorismo da Revolução Conservadora, foi o da Alemanha. Nomeadamente lá se desenvolveu toda uma plêiade de pensadores de nível planetário – Oswald Spengler (1880-1936), Carl Schmitt (1888-1985), Ernst Georg Jünger (1895-1998), Ernst von Salomon (1902-1972), Martin Heidegger (1889-1976), Artur Moeller van den Bruck (1876-1921), Ernst Niekisch (1889-1967), etc., os quais elaboraram as bases da Revolução Conservadora como Cosmovisão independente, muito longe dos habituais modelos do conservadorismo tradicional. A essência desta colossal revisão estava em modificar inteiramente o esquema tradicional de resistência dos “partidários das mudanças” e dos “adversários das mudanças”, esse esquema que nos três últimos séculos formulara constantemente os “direitistas” (= “conservadores”) e os “esquerdistas” (= “progressistas”). Os revolucionários conservadores propuseram-se a abordar este problema de modo completamente diferente. A modificação era inevitável, consideravam eles. As revoluções têm sob si causas orgânicas e não se reduzem ao banal “mito da conspiração”. O movimento social está historicamente predestinado, e resistir a ele é impossível. Consequentemente, deve-se falar não apenas em “conservadorismo”, mas num especial “projecto conservador”, numa dinâmica específica, política, social, cultural e econômica, num progresso e numa modernização, mas só uma estrutura desta tendência deve ser diferente dos esquemas bastante gerais dos habituais “esquerdistas” e dos habituais “progressistas”, os quais, à semelhança dos conservadores, mas com sinal contrário, às duas por três, apoiam mudanças pelas próprias mudanças, um movimento pelo movimento, a revolução pela revolução. 

“A revolução não precisa de ser prevenida e suprimida, mas sim encabeçada e submetida à própria vontade” – escreveu o mais aforístico revolucionário conservador Arthur Moeller van den Bruck, fundador do movimento. Os projetos dos modernistas devem ser diferenciados, sistematizados, hierarquizados. Deve-se apenas eliminar os elementos “niilistas”, apenas o ‘ressentimento’, de que escreveram tanto F. Nietzsche (1844-1900) como Max Scheler (1874-1928), ou seja, o irrefletido e cego ódio contra as fundadas hierarquias e os estabelecidos sistemas valorativos da cultura e da sociedade. Os projetos revolucionários devem integrar-se nos contextos históricos e os seus componentes orgânicos devem saudar-se e incentivar-se – pelo menos, lançar-se à luta. A tese de Nietzsche “empurra, que cai” deve ser adotada não somente pelos destruidores, como pelos criadores: na verdade um edifício arruinado, envelhecido, ameaça soterrar sob os escombros o mais valioso – a mais alta ideia, a forma calorosa, pela qual se guia toda a criação. As paredes do templo carunchoso, ruindo, podem derrubar o altar. Para se salvar o mais sagrado, o mais substancial, o mais central devem ser aplicadas forças renovadoras, e se tal salvação exigir uma séria revisão do exterior, a recusa dos “velhos trastes”— necessário será ir também a isso. 

Como os próprios conservadores revolucionários cada vez mais se afastavam do meio conservador em geral, eles aproximavam-se, e com algumas forças, do campo “esquerdista” dos progressistas. Reconhecendo em si mesmo o elemento revolucionário, eles facilmente denunciaram o elemento conservador também entre os revolucionários radicais. Assim, gradualmente se esclareceu, que a muitos progressistas convictos do regime existente, do “velho regime”, não lhes agradava de modo algum não os traços essenciais, mas os traços secundários – o espírito de burocracia, a alienação, a estagnação. Na verdade, a “ordem velha” não convinha a muitos, não porque era “ordem”, mas porque era “velha”. Por conseguinte, contra a “nova ordem” eles não tinham quaisquer objeções. 

Assim surgiu o surpreendente movimento político “nem da esquerda, nem da direita”, dos “nacional-bolchevistas” ou dos partidários da “terceira via”, onde na frente geral se uniam os representantes dos campos, que tradicionalmente ocupavam lugares opostos do espectro político. 

Esta tendência de formulação política perfeita não encontrou obstáculos determinados historicamente. Mas na esfera puramente teórica – e isto é o mais importante – foram encontradas novas, surpreendentemente capazes, paradoxais e precisas fórmulas, receitas, consensos que traziam em si um enorme potencial de maneiras de ver o mundo. Até modelos cerceados, comprometidos e parodiantes decalcados da “revolução conservadora” foram suficientes para que determinadas forças políticas chegassem ao poder na Itália e na Alemanha. E a pragmática utilização dos chefes dos comunistas na Rússia das estruturas nacional-bolchevistas permitiu-lhes o poder político e o controle ideológico no decurso de cem anos sobre metade do planeta. Mais do que isso, até modelos completamente diluídos e confusos da “terceira via”, enxertados em regimes liberais (como é o caso do New Deal de Roosevelt), tiveram um efeito positivo enorme. 
Discussão sem saída, que matou o último Império

Hoje a nossa Rússia encontra-se numa grave crise. Teve lugar uma revolução liberal, atlântica, e o regime soviético (a “velha ordem”) ruiu irreversivelmente, para que não falassem os conservadores hodiernos, no papel dos quais – como isto é paradoxal -- se apresentam os “revolucionários” de ontem, os “esquerdistas”, “progressistas” e “comunistas”. E de novo – como sempre na história – os “partidários das mudanças”, apesar da resistência dos “adversários das mudanças”, ficaram por cima. Claro que muitos deles – os mais sinceros – não ficaram contentes com tal “vitória”, à qual foram sacrificados um grande estado, uma poderosa economia, um setor social desenvolvido e uma cultura superficial mas extensiva. 

Apesar de se terem justificado os piores receios dos conservadores, a fatal “perestroika” era objetivamente inevitável. A ordem soviética dos anos 80 tornara-se uma “ordem velha” em todos os sentidos e em todos os níveis. Perdera dinâmica, perdera vida interior, tornara-se decrépita e definhara espiritualmente. O projecto dos bolcheviques foi grandiosamente encarnado, mas esta encarnação atingiu os limites naturais. Era precisa uma nova onda, um novo choque revolucionário, uma nova arrancada. Sangue novo, grito apaixonado, mobilização, esforço, abalo. 

Mas com o fatal sentimento de que nada havia a fazer, a discussão sobre a “perestroika” rodou apenas em volta da escolha entre “movimento para a frente” e “movimento para trás” , fosse “novo” ou fosse “velho”. Assim, sem quaisquer bases, ambos os campos estavam convencidos de que “para a frente” significava “para o modelo ocidental de mercado”, e para trás “para o socialismo de estado e para o brejnevismo”. Os conservadores (conquanto ainda tivessem para isso todas as possibilidades) não apresentaram o seu próprio projeto conservador revolucionário, e os progressistas (reformadores) claramente não explicaram o seu. 

Como é habitual em tais casos, todos perderam. Aquilo que estava condenado a cair, caiu. Mas o vazio que se formou preencheram-no não novos construtores, trazendo a “nova ordem”, mas hordas de vermes, que minaram as bases da anterior estrutura. 

E embora hoje a cegueira das passadas polémicas sobre a “perestroika” entre os “reformadores” e os “conservadores” seja evidente a muitos, estamos muito longe das soluções necessárias. Nomeadamente a este respeito, por exemplo, testemunha a fantástica popularidade da “teoria da conjura” em ambos os pólos da actual sociedade russa. Os patriotas estão convencidos que para tudo a resposta são os “conspiradores”, e os “liberais” em tudo vêem os frutos das manobras dos “vermelhos-castanhos”. O apelo ao mito é a operação mais simples no caso de a análise objetiva ameaçar destruir a hipótese tomada a priori, insuficientemente pensada e não criticamente ponderada, tomada como qualquer coisa evidente. 

Missão: estar à frente nas reformas

A Rússia hoje precisa apenas de uma Revolução Conservadora. No mesmo lado dos esquerdistas e direitistas, modernistas e conservadores, progressistas e guardadores. Nós não nos devemos opor ao projeto e sua ausência, desenvolvimento e estagnação, mas atentamente prestar atenção a que uns o proponham na qualidade de progresso e que outros o exijam manter. Chegou o tempo da diferenciação. Modelos reles e explicações banais de tudo e de toda a “teoria de conspiração” devem ser eliminados, ultrapassados. A realidade é bastante mais complexa que os esquemas vulgares. 

Será o futuro apenas do mercado? Será que a abertura da sociedade signifique apenas abertura em relação ao Ocidente? Será que o progresso material seja o único digno de imitar e adaptar? – Assim somos obrigados a perguntar aos “reformadores”. Não apenas perguntar, mas também apresentar o nosso projecto alternativo futurológico – a concepção do “pós-modernismo eurasiano”, para onde vão as doutrinas econômicas alternativas ao liberalismo (e não é forçosamente excluído o marxismo), a atitude para com o gigantesco estrato das culturas antigas do Oriente, as estratégias do polirrítmico progresso, do “desenvolvimento harmonioso do ser humano”, e não só da tecnosfera e do campo informático. 

Seria que na sociedade soviética tudo fosse ideal? E seria que, ainda antes, a Rússia romanovista não criasse os seus coveiros? Será que o terror ideológico dos marxistas e o isolamento cultural não gerassem eles mesmos o niilismo e levassem à rejeição da própria independência social e cultural? – Tais questões pomos nós aos “conservadores” (tanto “vermelhos” como “brancos”). Não só as pomos, como apresentamos a nossa concepção eurasiana da história russa, onde os períodos mais brilhantes serão a herança indo-europeia, o bizantinismo, o império moscovita, o Terrível, Avvakum, os populistas, o “citismo” (‘skifstvo’) e os nacional-bolchevistas, e os negativos – os ‘uniatas’ (grego e bielorusso), o nikonismo, o “europeísmo”, o regime dos Romanov, e o sovietismo dos “quadros”, burocrático, doutrinário, materialista. 

À cabeça do movimento pelas mudanças radicais devem estar os zeladores da santa antiguidade – não os partidários do ontem repelente, que foi não muito melhor do que o odioso hoje, mas sim os portadores da grande memória do século de ouro, do Sacro Império, da Pátria ideal, do especial continente semi-material, semi-espiritual – o Continente Russ’

Nomeadamente, os revolucionários conservadores devem encabeçar as reformas. Encabeçar e não suspender. Começar e não acabar. Nós continuamos a afundar-nos na vetustez, sufocamos sob a insuportável carga do arcaico. Isto não é a luz antiga, nativa, eterna, a luz da Origem. Isto é a cintilação importuna, pegajosa, plúmbea da degeneração de ontem, dos velhos erros, dos fracassos de outrora, dos desvios passados. 

O altar é mais santo do que as paredes. A essência é mais importante do que as formas exteriores. 

O lugar do presente conservador é na primeira fila dos modernistas.

06/10/2010

O Rebelde

por Robert de Herte

"No seu Tratado do Rebelde, Ernst Jünger escrevia em 1951: 'Duas qualidades são indispensáveis ao rebelde. Ele recusa aceitar por sua a lei dos poderes instituídos, quer eles usem a propaganda ou a violência. E ele está decidido a defender-se'. Dominique Venner acrescenta nas páginas deste número, qeu o que em todas as épocas os rebeldes tiveram em comum 'foi terem descoberto, por vias diferentes, uma incompatibilidade absoluta entre o seu ser e o mundo no qual lhes seria necessário viver'.

O rebelde recusa a ordem do mundo no seio do qual foi jogado. Recusa-a em nome de uma legitimidade que excede toda a legalidade. Recusa-a porque é em si mesmo que encontra a legitimidade e a norma - não que ele as decalque simplesmente sobre aquilo que ele é, mas porque sabe que é também o resultado de uma norma que o ultrapassa. E a sua recusa é total. O rebelde é aquele que não cede, desdenhando daquilo com que o procuram deslumbrar: honrarias, interesses, privilégios, reconhecimentos. À mesa de jogo, ele é o que não joga: o espírito do tempo embate nele como a água na pedra. Espírito livre, homem livre, ele não coloca nada acima da liberdade do espírito e da pessoa. Ele é a própria liberdade. 'É rebelde quem quer que seja colocado pela lei da natureza em ligação com a liberdade' (Ernst Jünger).

Mas ele não é somente um insubmisso. Certamente, como o resistente ou o dissidente, o rebelde é a prova viva de que uma alternativa é sempre possível. Mas a sua rebelião não está somente ligada às circunstâncias. Ela é de ordem existencial. O rebelde sente fisicamente a impostura, sente-a instintivamente. Tornamo-nos dissidentes, mas nascemos rebeldes. O rebelde é rebelde porque qualquer outro modo de existência lhe é impossível. O resistente deixa de o ser quando deixa de ter meios de resistir. O rebelde, mesmo aprisionado, continua a ser um rebelde. É por isso que, se pode perder, nunca está vencido. Os rebeldes nem sempre podem mudar o mundo. O mundo, esse, nunca os conseguiu mudar.

Face a um mundo pelo qual não sente mais que desprezo ou desgosto, o rebelde não pode satisfazer-se com a indiferença, porque essa está ainda demasiado próxima da neutralidade. O rebelde é feito para a luta, mesmo que ela não ofereça esperança. Ele não é, então, um renunciante. O rebelde sente-se estrangeiro no mundo em que vive, mas sem nunca deixar de querer nele viver: ele sabe que só se pode nadar contra a corrente na condição de não se abandonar o leito do rio. Pertencendo a essa minoria que desde sempre preferiu o perigo à servidão, ele sabe uqe o respeit ode si deve sempre ser conquistado. O seu afastamento puramente interior não impede o contato, porque esse contato é necessário à luta. E se ele 'recua para a floresta' não é para aí se refugiar - ainda que seja frequentemente um proscrito -, mas para aí reaver forças vivas. 'A floresta está presente por todo o lado, prossegue Jünger. Existem florestas no deserto, como nas cidades, onde o rebelde vive escondido sob a máscara de qualquer profissão. Existem florestas na sua pátria como sobre qualquer outro solo onde se possa desenvolver a sua resistência. Mas existem sobretudo florestas na própria retaguarda do inimigo.'

O revolucionário persegue um objetivo, o que não é necessariamente o caso do rebelde. O rebelde pode perfeitamente lutar por afirmar um estilo. Ele luta porque não pode fazer outra coisa que lutar. O revolucionário pretende chegar a um fim onde o rebelde encarna antes de tudo um estado de espírito. Semelhantemente, o rebelde despreza a escalada extremista e a manipulação supostamente eficaz dos slogans. Ele não é dos uqe se limitam a anunciar o Apocalipse sem ter o mínimo meio de o remediar. Antígona é estranha ao narcisismo da radicalidade.

Por relação ao 'curso da História', o rebelde sabe, por outro lado, identificar o momento e agarrar esse momento. Para romper o cerco, para tentar introduzir um grão de areia na máquina, ele raciocina sobre situações concretas. Determina a sua estratégia de acordo com o que vê surgir sob o seus olhos, não de acordo com modelos ultrapassados. O rebelde é, antes de tudo, dinâmico. Ele dinamiza o pensamento e torna esse pensamento dinâmico. Não é soldado, mas guerrilheiro. Ele não leva a cabo operações regulares mas lança ataques inesperados. Não está atrás de uma linha da frente, mas atravessa todas as frentes.


O rebelde pode ser ativo ou meditativo, homem de conhecimento ou de ação. Sobre o plano estratégico, pode ser carvalho ou junco, raposa ou leão. Há rebeldes de todos os tipos. Na ordem do pensamento, Hugues Rebell, o bem falado Georges Darien, Péguy, Bernanos, Orwell, foram ao seu tempo rebeldes, tal como, mais recentemente, Jack Kerouac, Dominique de Roux, Burroughs, Pasolini, Xavier Grall, Mishima ou Jean Cau. Guy Debord foi também ele um rebelde, mesmo se a sua obra é hoje objeto de uma recuperação póstuma, sinal de que estamos já no para além do Espetáculo. Na ordem da ação, depois de tantos outros 'mobilizadores do povo', poderíamos citar o subcomandante Marcos que, sem ter nunca cometido um só atentado, defende de maneira exemplar as liberdades dos índios de Chiapas. De Robin Hood aos 'zapatistas': uma mesma linha!

Sempre houve rebeldes. Mas o mundo atual resevar-lhes um lugar muito particular. Na época da modernidade, o rebelde surgia muito aquém do revolucionário: era reputado por lhe faltar clara consciência ideológica e preferir, às estratégias longamente pensadas, o jogo desordenado das reações instintivas. Hoje que a modernidade finda, ele reencontra o seu lugar. A mundialização faz da Terra um mundo sem exterior, um mundo sem outro, que já não pode ser atacado a partir de um ponto para além de si. Um tal mundo não está tanto votado à explosão como à depressão implosiva. O rebelde está apto para este mundo precisamente por que fomenta redes e propaga as suas ideias de forma viral. Neste sentido, ele é também uma figura pós-moderna, mas uma figura de oposição. Num mundo cada vez mais homogêneo, ele é a própria singularidade. Ele é um ponto opaco num mundo votado à transparência totalitária, um sujeito que permanece real num mundo de objetos virtuais, um insurrecto por excelência num mundo policiado e tornado polícia. Um estrangeiro que podíamos excluir, de pleno direito, em nome da luta contra a exclusão, se ele não se tivesse previamente excluído a si mesmo. É por isso que, de um certo modo, o futuro pertence ao pensamento rebelde, a esse pensamento que desenha clivagens inéditas, esboça uma topografia nova, prefigura um outro mundo. Porque a história permanece sempre aberta.

Jünger diz ainda que chama rebelde 'àquele que, isolado e privado da sua pátira pela marcha do universo, se vê deixado ao nada'. Escreve também: 'Quando todo um povo prepara o seu recuo às florestas, torna-se uma potência temível.'"