30/04/2011

O Barão "Sangrento" von Ungern-Sternberg - Louco ou Místico?

por Dr. Richard Spence

"Meu nome está cercado por tamanho ódio e medo que ninguém pode julgar o que é verdade e o que é mentira, o que é história, e o que é mito."
(Barão Roman Fedorovich von Ungern-Sternberg, 1921)

Na Mongólia, havia uma lenda do príncipe guerreiro, Beltis-Van. Notável por sua ferocidade e crueldade, ele derramou "enormes quantidades de sangue humano antes de ter encontrado sua morte nas montanhas de Uliasutay." Seus assassinos enterraram os corpos do Príncipe e de seus seguidores bem fundo na terra, cobriram as tumbas com pedras pesadas, e adicionaram "encantamentos e exorcismo para que seus espíritos não irrompessem novamente, carregando morte e destruição." Essas medidas, foi profetizado, prenderia os terríveis espíritos até que sangue humano se derramasse novamente sobre o local.

No início de 1921, prossegue a história, "russos vieram e cometeram assassinatos perto das temíveis tumbas, manchando-as com sangue." Para alguns, isso explicava o que se seguiu.

Quase no mesmo instante, um novo chefe guerreiro apareceu em cena, e pelos próximos seis meses ele espalhou terror e morte pelas estepes e montanhas da Mongólia e mesmo nas regiões adjacentes da Sibéria. Entre os mongóis ele ficou conhecido como o Tsagan Burkhan, o "Deus da Guerra" encarnado.

Posteriormente, o Dalai Lama XIII proclamou-o uma manifestação da "divindade furiosa" Mahakala, defensor da fé budista. Historicamente, o mesmo indivíduo é mais conhecido como o "Barão Louco" ou o "Barão Sangrento". Seus detratores não se encabulam de chamá-lo um bandido homicida ou de psicopata.

O homem em questão é o Barão Roman Fedorovich von Ungern-Sternberg. Seus feitos podem apenas ser esboçados aqui. Com a eclosão da Revolução Russa, Barão Ungern achou-se na Sibéria oriental onde ele se alinou com o movimento anti-bolchevique "Branco". Porém, seus sentimentos monarquistas extremos e modos independentes o tornaram um perigo nessa facção.



Em 1920, ele liderou sua "Divisão Asiática Montada", uma coleção heterogênea de russos, mongóis, tártaros e outras tropas, para os ermos da Mongólia, uma terra efervescendo com resistência contra a ocupação chinesa. Reunindo mongóis sob sua bandeira, no início de fevereiro de 1921 Ungern conquistou uma aparentemente miraculosa vitória tomando o controle da capital mongol, Urga (hoje Ulan Bator), de uma grande guarnição chinesa. Ele então restaurou o líder temporal e espiritual dos mongóis, o "Buda Vivo" Jebtsundamba Khutukhtu Bogdo Gegen, ou, mais simplesmente, Bogdo Khan e se estabeleceu como chefe guerreiro sobre a Mongólia Exterior e os destacamentos russos Brancos que haviam se refugiado ali.

Cercando-se com um círculo interno de bajuladores homicidas e videntes, ele instituiu um reino de terror que clamou como vítimas judeus, comunistas autênticos ou suspeitos, e centenas de outros que, de algum modo, despertaram a ira ou suspeita do Barão. Em junho do mesmo ano, ele lançou uma mal-fadada invasão à Sibéria soviética que terminou com sua captura pelo Exército Vermelho e seu subsequente julgamento e execução em 17 de setembro.

Esse artigo foca no misticismo real e alegado do Barão Ungern e sua influência sobre suas ações. Uma questão chave é se sua suposta "loucura", em todo ou em parte, era uma interpretação equivocada de sua devoção ao budismo esotérico e outras crenças.


Background e Primeiros Anos


Enquanto o Barão passou a maior parte de sua vida no serviço dos Romanov, ele era quase completamente alemão por sangue. Ele veio ao mundo como Robert Nicholaus Maximilian von Ungern-Sternberg em 10 de janeiro de 1886 em Graz, Áustria. Na Estônia governada pela Rússia, seu pai, Teodor Leonard Rudolf von Ungern-Sternberg, introduziu seu filho na nobreza tzarista como Roman Fedorovich. Os Ungern-Sternbergs eram uma antiga e ilustre família. O Barão datava sua linhagem pelo menos em mil anos e se vangloriava com seus captores bolcheviques de que 72 de seus ancestrais haviam dado suas vidas pela Rússia em muitas guerras.

Existe a sugestão de instabilidade mental, mesmo loucura, em sua linhagem próxima. Por exemplo, um ancestral do fim do século XVIII, Freiherr Otto Reinhold Ludwig von Ungern-Sternberg, ganhou infâmia como pirata e assassino que morreu no exílio siberiano. O próprio pai de Roman tinha uma reputação de "homem mau" cuja violência e crueldade levou ao seu divórcio e a uma proibição de que ele tivesse qualquer "influência" sobre seus filhos.


No que concerne o estado mental de Roman von Ungern-Sternberg, obviamente um diagnóstico de insanidade só pode ser feito após um exame por um psiquiatra, algo impossível nesse caso. Porém, Dmitry Pershin, uma testemunha que tinha uma visão razoavelmente positiva do Barão, ainda sentia que Ungern sofria de alguma "anormalidade psicótica" que fazia com que ele perdesse a cabeça sob a mais "mínima provocação", usualmente com resultados terríveis.

História posteriores afirmaram que o comportamento aberrante de Roman era o resultado de um corte de sabre em sua cabeça, mas ele manifestava tendências violentas e rebeldes desde muito antes. Seus dias escolares foram marcados por constantes problemas; no Corpo de Cadetes Navais, ele recebeu não menos que 25 punições disciplinares antes de se retirar antes de uma expulsão garantida. Sua educação o deuxou com uma aversão permanente pelo "pensamento" que ele equiparava a "covardia."

Como oficial júnior antes e durante a Primeira Guerra Mundial, ele estabeleceu uma reputação como um encrenqueiro violento com uma tendência para a embriaguez. Porém, ele também recebeu medalhas por feridas e bravura inconsequente. Nas palavras de um superior, o jovem Barão era um "guerreiro por temperamento," que "vivia para a guerra" e aderia a seu próprio conjunto de "leis elementais." Essas últimas eram influenciadas por um interesse no misticismo e no ocultismo, principalmente da variedade oriental.


O Barão como Guerreiro Místico


Exatamente quando e onde esse interesse começou é incerto. A variedade pessoal de fé de Ungern, se é que era Budismo, aderia à seita mística tibetana Vajrayana ou Tântrica. O jovem Roman ganhou seu primeiro gosto do Oriente como parte da infantaria durante a Guerra Russo-Japonesa, e ele passou de 1908 a 1914 como um oficial cossaco na Sibéria e na Mongólia. Foi então, ele afirmou depois, que ele formou uma "Ordem de Budistas Militares" para servir ao Czar e lutar contra os males da revolução. As regras dessa Ordem incluíam o celibato e o "uso ilimitado de álcool, haxixe e ópio." Esse último era para ajudar os iniciados a superarem sua própria "natureza física" através dos excessos, mas como o Barão confessou, isso não funcionou como ele tinha planejado. Posteriormente, na Mongólia, ele impôs uma proibição rígida sobre a bebida. Ainda assim, ele afirmou, ele reuniu "três centenas de homens, ousados e ferozes," e alguns que não pereceram durante a luta contra a Alemanha e os Bolcheviques ainda estavam com ele em 1921.

Ungern abandonou sua comissão regular no fim de 1913. Sozinho, ele partiu para a vastidão da Mongólia Exterior que havia proclamado independência da China. Segundo um relato, ele ergueu-se como comandante das forças de cavalaria do inexperiente Exército Mongol, enquanto outro mantém que ele uniu-se a um bando de saqueadores do sanguinário rebelde anti-chinês, Ja Lama. Em algum ponto, Ungern acabou na cidade de Kobdo (Khovd) na Mongólia ocidental como um membro da guarda do consulado russo local.


Um de seus camaradas lembra que "quando se observava Ungern, sentia-se levado de volta à Idade Média...; ele era um retrocesso aos seus ancestrais cruzados, com a mesma sede por guerra e a mesma crença no sobrenatural." Outro lembra-se que ele demonstrava "um grande interesse pelo Budismo," aprendeu mongol e passou a frequentar lamas videntes. Segundo Dmitri Aloishin, um tardio e involuntário membro do exército do Barão, os "professores budistas de Ungern o ensinaram sobre a reencarnação, e ele firmemente acreditava que em matar pessoas fracas ele apenas fazia a elas um bem, já que elas poderiam ser criaturas mais fortes na próxima vida."

Os paralelos entre o anteriormente mencionado Ja Lama e o Barão parecem bem próximos para serem mera coincidência. Também conhecido como o "Lama com uma Mauser", Ja Lama brevemente tornou-se mestre da Mongólia ocidental. Outro "budista militante," ele ganhou uma temível reputação por arrancar o coração de seus infelizes prisioneiros e oferecê-los em taças em forma de crânio humano como bali (sacrifício) aos "deuses tibetanos do terror." Um desses rituais "tântricos" de execução ocorreu em Kobdo no verão de 1912, pouco antes de Ungern aparecer no local. Em fevereiro de 1914, o cônsul russo em Kobdo prendeu Ja Lama e algumas tropas cossacas, possivelmente incluindo Ungern, e escoltou os cativos ao exílio na Rússia. Teria Ja Lama se tornado um modelo para o Barão, ou mesmo uma inspiração religiosa?

Um ângulo tibetano figura proeminentemente na subsequente fuga mongol de Ungern. O Buda Vivo era ele mesmo um filho da Terra das Neves Perpétuas, e existia uma pequena comunidade tibetana em Urga. Uma centena, aproximadamente, desses homens formaram uma sotnia (esquadrão) especial nas forças do Barão e tiveram um papel crítico no ataque sobre Urga, tendo resgatado o Bogdo de sob os narizes de seus guardas chineses. Os chineses e mongois estavam convencidos de que o feito havia sido realizado através de feitiçaria. Esses tibetanos mantinham uma distância do resto do exército do Barão; aparentemente outros eram afastados por seu hábito de jantar em tijelas feitas com crânios humanos, talvez o mesmo tipo de vasilhames usados nos ritos de sacrifício de Ja Lama.

O nexo tibetano também garantiu para o Barão um elo com Lhasa e o Dalai Lama, a quem ele enviou cartas pessoais. Após se poder na Mongólia ter entrado em colapso, Ungern sonhou com liderar os remanescentes de sua diversão até o Tibet para se colocar a serviço do santo budista. O prospecto dessa missão extenuante e potencialmente suicida foi a gota d'água em provocar motim contra o Barão.


Também servindo sob Ungern em sua aventura mongol estava aproximadamente 50 soldados japoneses. Isso alimentou acusações de que ele seria um instrumento do imperialismo japonês. Enquanto está claro que as Forças Armadas japonesas monitoravam as atividades do Barão e achavam que ele poderia ser útil, é igualmente evidente que eles não tinham qualquer controle sobre ele. Ainda assim, esse minúsculo contingente japonês recebia rações melhores e o privilégio único de consumir álcool. Registros militares japoneses sugerem que os homens eram em sua maioria "pequenos aventureiros" atuando por conta própria, mas isso não está muito claro. Seu comandando, um Major ou Capitão Suzuki, havia conhecido o Barão em 1919 em um "Congresso Pan-Mongol" e a dupla mantinha uma amizade especial e secreta.

Uma possibilidade intrigante é que Suzuki não era um emissário do Exército de Mikado, mas de uma das sociedades secretas que o permeava, como a Sociedade do Dragão Negro, ou a ainda mais secreta Sociedade do Dragão Verde. Essa última era baseada em uma seita de Budismo esotérico, e sua agenda Pan-Asiática e Pan-Budista se confundia com as próprias crenças de Ungern. O Barão sentia que o Ocidente havia perdido seu ancoradouro espiritual e havia entrado em uma fase de desintegração moral e cultural. A Revolução Russa não era mais que uma manifestação dessa corrupção avançada. Apenas no Oriente, especificamente no Budismo, ele via uma força capaz de resistir a essa decadência e de restaurar uma ordem espiritual no Ocidente.


Os Lamas e Videntes do Barão


Ungern era fascinado por todas as formas de advinhação. Ele supostamente carregava consigo um baralho de cartas de Tarô, mesmo no calor da batalha. Como notado, em Kobdo ele se reunía com lamas advinhos e em Urga ele se cercava com um pequeno exército de videntes (tsurikhaichi), feiticeiros e xamãs. Aloishin recorda que os advinhos do Barão estavam sempre consultando as omoplatas assadas de ovelhas, se debruçando nas linhas "para determinar onde as tropas devem ser estacionadas, e como avançar contra o inimigo." Em outras ocasiões, Ungern ordenou que suas tropas parassem "em vários locais segundo velhas profecias mongois."

O médico do Barão, Dr. N. M. Riabukhin, maldisse os advinhos como "insolentes, sujos, ignorantes e mancos" e lamentou o fato de que Ungern "nunca dava um passo importante" sem consultá-lo. Os advinhos o convenceram de que ele era a encernação de Tsagan Burkhan, o Deus da Guerra. Para o oficial Branco Boris Volkov, a dependência do Barão nesses tipos parecia prova da "mentalidade imbecil do degenerado que se imaginava o salvador da Rússia."

Antes de sua investida contra a Sibéria Vermelha, Ungern gastou 20.000 preciosos dólares mexicanos para contratar milhares de lamas para "realizar para ele elaborados serviços nos templos e para convocar para seu auxílio todos os seus poderes místicos." A previsão de uma feiticeira drogada de que o fim do Barão se aproximava provou-se sombriamente precisa, e ajudou a convencê-lo de realizar a desastrosa invasão. Os lamas videntes falharam com ele quando eles o aconselharam a atrasar em dois dias o ataque contra Troitskosavsk, uma cidade fronteiriça chave. Isso deu aos vermelhos a oportunidade de trazer reforços e repelir o ataque. Posteriormente, oficiais subornaram um advinho buriat para mudar as previsões, o que levou Ungern a cancelar outros ataques e ordenar uma retirada para a Mongólia.


Mas se Ungern foi influenciado - e ludibriado - pelo sobrenatural, ele também sabia como usá-lo para sua vantagem. Antes de seu último ataque contra Urga, ele enviou advinhos para a cidade onde eles "encheran os soldados chineses com medo supersticioso" pela previsão de sua iminente chegada e espalhando rumores de que o Barão Branco era imune a balas e podia aparecer e desaparecer à vontade. Ele também ordenou que fossem acesas fogueiras noturnas nas colinas circundantes. Seus agentes mongois disseram aos crédulos chineses que as fogueiras eram Ungern oferecendo sacrifícios aos espíritos que se vingariam contra os filhos da China.

Uma pessoa impressionada desde cedo pela natureza peculiar do Barão foi o filósofo místico Conde Hermann Keyserling que conhecia Roman e seu irmão Constantin desde a infância. Keyserling depois considerou o Barão como "a pessoa mais impressionante que eu já tive a sorte de conhecer," mas também como uma massa de contradições. Ele via Ungern como alguém cuja "natureza havia sido suspensa...no vácuo entre o céu e o inferno," alguém "capaz das mais altas intuições e gentis amabilidades" junto com "a mais profunda aptidão para a metafísica da crueldade." As idéias metafísicas do Barão, acreditava Keyserling, estavam "fortemente relacionadas àquelas dos tibetanos e hindus." Keyserling estava convicto de que Roman possuía o poder oculto da "segunda visão" e "a faculdade da profecia".

Keyserling não foi o único que chegou a essas conclusões. Anos depois, o filósofo fascista e ocultista Julius Evola opinou que o Barão Ungern possuía "faculdades supranormais" incluindo clarividência e a habilidade de "olhar dentro das almas" dos outros. Ferdynand Ossendowski afirmou que ele fez exatamente isso em seu encontro inicial: "Eu estive em sua alma e sei tudo," afirmou o Barão, e a vida de Ossendowski estava garantida.

Muito do mesmo é repetido nos testemunhos de outros que conheceram Ungern. Aloishin achava que o Barão era patentemente insano, mas também sentia que ele "possuía um poder perigoso de ler os pensamentos das pessoas." Ele relembra como Ungern inspecionava recrutas olhando no rosto de cada homem, "sustentava aquele olhar por alguns momentos, e então rosnava: 'Para o Exército; 'De volta para o gado'; 'Liquidar'." Riabukhin menciona que em seu primeiro encontro "era como se o Barão quisesse saltar na minha alma." Outro oficial anônimo relembra que "Ungern olhava para todo mundo com os olhos de um predador," e isso instilava medo em todos os que o encontravam. Um soldado polonês em serviço mongol, Alexandre Alexandrowicz, aceita a "segunda visão" do Barão, mas acreditava que era seu intelecto "superior" que o ajudava a "avaliar qualquer homem em alguns minutos."


O Misterioso Ferdynand Ossendowski
Aparentemente, ninguém fez mais para criar a imagem recorrente do Barão Ungern do que o acima mencionado escritor polonês Ferdynand Ossendowski. Porém, ele é longe de ser uma fonte impecável. Antes de seu encontro com o Barão, Ossendowski tinha uma longa história como espião, criador de intrigas e fornecedor de documentos falsos. Ele quase certamente foi um agente da polícia secreta czarista, a Okhrana. Em 1917-1918 ele estava envolvido com os infamens Documentos Sissons, um dossiê fraudulento (ainda que acertado) sobre as intrigas germano-bolcheviques. Posteriormente, na Sibéria, Ossendowski serviu ao "Supremo Governante" Branco Almirante Kolchak como conselheiro econômico e, provavelmente, um espião. Ossendowski chegou na Mongólia como refugiado da maré Vermelha. Em seu muito lido livro de 1922, "Feras, Homens e Deuses", o polonês descreve seu encontro com o "Barão Sangrento" em detalhes vívidos, e não sem alguma simpatia pelo indivíduo. Não obstante, Ossendowski sabia que "diante de mim estava um homem perigoso," e que "eu senti alguma tragédia, algum horror em cada movimento do Barão Ungern." Nem Ossendowski mediu palavras sobre o clima de medo que assolava Urga sob o Barão. Ele descreve o suporte de subalternos homicidas de Ungern tais como o "estrangulador" psicótico Leonid Sipailov, o igualmente repelente Evgeny Burdukovsky e o sádico Dr. Klingenberg. O que Ossendowski convenientemente se esquiva de explicar é o mistério de sua própria sobrevivência nesse ambiente precário.

Nas opiniões de outros que testemunharam o governo do Barão, Ossendowski não era apenas sortudo e observador inocente. Konstantin Noskov observa que do momento de sua chegada na Mongólia, o "Professor" Ossendowski teve um "estranho papel compreendido por ninguém." "Ele interferia em tudo," afirma Noskov, "brigava muito habilmente e tecia complicadas intrigas políticas..." Pershin acusa que Ossendowski era outro que explorava a obsessão de Ungern com o sobrenatural, uma opinião ecoada por outro dos oficiais do Barão, K.I. Lavrent'ev. Ao encorajar "a fé do Barão no ocultismo e em outras coisas do além," Ossendowski tornou-se "conselheiro" do Barão, o que pod explicar uma afirmação posterior de que o polonês tornou-se o "Chefe de Inteligência" de Ungern.


Ossendowski, segundo Pershin, "cavou um caminho até uma posição próxima ao Barão" e então "extraiu todas as vantagens que ele queria." Essas incluíam dinheiro e passagem segura para a Manchúria "em conforto e, talvez, com algo mais que isso." Dr. Riabukhin e Noskov, ambos se lembram que Ossendowski foi inexplicavelmente o único sobrevivente entre um grupo de refugiados cujos outros membros foram assassinados sob as ordens de Ungern. Boris Volkov afirma ainda que Ossendowski teve um papel chave na formulação da infame e "mística" Ordem do Barão, e assim garantiu sua vida e uma grande soma de dinheiro. Noskov claramente declara que Ossendowski foi o autor da Ordem.

A "Ordem #15", o mais perto que Ungern chegou de definir uma filosofia ou missão, merece um exame mais atento. Como o Barão não estava no hábito de pronunciar ordens numeradas, a #15 é desprovida de sentido nesse contexto. Segundo Aloishin, esse número e a data de seu pronunciamento eram mais a obra de "lamas eruditos" que os escolheram como números da sorte. Basicamente, a Ordem define um esquema grandioso de iniciar uma onda expansiva de Contra-Revolução que limparia a Rússia de seu contágio radical e restauraria o trono Romanov sob o irmão do czar Nicolau, Mikhail Alexandrovich. O Barão, como muitos outros, não sabia que Mikhail já estava morto desde junho de 1918. A Ordem proclamava que "o mal que veio à Terra para destruir o princípio divino da alma humana deve ser destruído em sua raiz," e que "a punição só pode ser uma: a pena de morte, em vários graus."

O artigo mais notório, porém, era o #9 que declara que "Comissários, comunistas e judeus, junto com suas famílias, devem ser destruídos." O Barão possuía um ódio patológico dos judeus, e onde quer que seu poder alcançasse preponderância havia um impiedoso extermínio dessa comunidade. Até mesmo Pershin, que sentia que "as histórias acerca da impiedade de Ungern tem sido muito exageradas," admitiu que os assassinatos em massa dos judeus eram infelizmente verdadeiros e que o Barão era implacável nessa questão. Volkov sentia que Ungern usava pogroms como um instrumento para explorar o anti-semitismo entre os emigrados e as tropas, mas havia um zelo quase religioso em seu ódio. Em uma carta a um associado russo Branco em Pequim, o Barão alertou contra o "Judaísmo Internacional" e mesmo contra a influência insidiosa dos "Capitalistas Judeus" que eram um "onipresente, ainda que normalmente não percebido, inimigo." Em seu julgamento, o Barão garantiu a seu promotor judeu-bolchevique, Emelian Yaroslavsky, que "a Internacional Comunista foi organizada 3.000 anos atrás na Babilônia." Em seus sentimentos em relação aos judeus, Ungern certamente prefigura a mentalidade nazista, e muito do mesmo poderia ser dito a respeito de toda sua mistura estranha de anti-modernismo místico.

Em agosto de 1921, o reino despótico do Barão chegou a um fim quando oficiais desesperados da Divisão Asiática Montada ensaiou um golpe contra ele e sua pequena elite de lealistas. Quase miraculosamente, Ungern escapou o massacre geral e encontrou um refúgio final breve entre seus soldados mongóis. Eles também logo o abandonaram aos Vermelhos que se aproximavam, mas sim arrancar um fio de seu cabelo; eles ainda estavam convencidos de que ele era o Tsagan Burkhan e não podia ser morto.

Os soviéticos não sofriam dessas ilusões. Em seu julgamento em Novo-Nikolaevsk, ele foi um prisioneiro calmo, até mesmo digno. Ele havia previsto seu destino e o aceitado. A promotoria estava mais interessada em retratá-lo como um agente dos japoneses, o que ele negou. Porém, o Barão imediatamente admitiu os massacres e outras atrocidades. No que concerne sua disciplina brutal, ele se proclamou um crente em um sistema que havia existido "desde Frederico o Grande." Ele foi diante do pelotão de fuzilamento muito convicto de que eventualmente ele retornaria.

Um último ponto nos traz de volta a Ossendowski, que afirmou que o Barão buscava contato com o reino subterrâneo místico de Agarthu e seu governante misterioso, o "Rei do Mundo." Agarthi, é claro, é idêntica com Agarttha ou Shambhala, uma terra mística exaltada na mitologia hindu e budista. No início do século XX, a história foi pega e elaborada por escritores esotéricos ocidentais como Alexandre Saint-Yves d'Alveydre e Nikolai Roerich que acreditavam que ela descrevia um reino realmente oculto em algum lugar no norte do Tibet ou na Ásia Central. Por uma interessante coincidência, outro oficial da Divisão de Ungern foi Vladimir Konstantinovich Roerich, o irmão mais novo de Nikolai. Então novamente, talvez isso não seja nenhuma coincidência. Mas isso nos leva a outra história que é melhor guardada para outro artigo: "Estrela Vermelha sobre Shambhala: Inteligência Soviética, Britânica e Americana e a Busca pela Civilização Perdida na Ásia."

29/04/2011

O que é Liberalismo?

O que é Liberalismo? Na ordem das idéias, é um conjunto de idéias falsas; na ordem dos factos, é um conjunto de factos criminosos, conseqüência prática daquelas idéias.

Na ordem das idéias, o Liberalismo é o conjunto do que se chamam princípios liberais, com as conseqüências lógicas que deles se derivam. Princípios liberais são: a absoluta soberania do indivíduo com inteira independência do divino e da autoridade; soberania da sociedade com absoluta independência do que não provenha dela mesma; soberania nacional, isto é, o direito do povo para legislar e governar-se com absoluta independência de todo o critério que não seja o de sua própria vontade expressa primeiro pelo sufrágio e depois pela maioria parlamentar; liberdade de pensamento, sem limitação alguma em política, em moral, ou em religião; liberdade de imprensa, igualmente absoluta ou insuficientemente limitada; liberdade de associação de igual latitude. Estes são os chamados princípios liberais no seu mais cru radicalismo.

Na ordem dos factos, o Liberalismo é um conjunto de obras inspiradas por aqueles princípios e reguladas por eles. (...) É impossível enumerar e classificar os factos que constituem o proceder prático liberal, pois compreendem desde o ministro e o diplomata, que legislam ou intrigam, até ao demagogo, que perora no clube ou assassina na rua; (...) desde o livro profundo e sabichão que se dá como texto na universidade ou instituto, até a vi caricatura que regosija os freqüentadores de taberna. O Liberalismo prático é um mundo completo de máximas, modas, artes, literatura, diplomacia, leis, maquinações e atropelamentos completamente seus.

Eis aqui, pois, retratado, como doutrina e como prática, o Liberalismo.

Fonte: SALVANI, Felix Sardá. ''O liberalismo é pecado''. SP: Companha Editora Panorama, 1949.

28/04/2011

O Fim da Opulência

"Os combustíveis fósseis permitiram que a espécie humana criasse e mantivesse sistemas altamente complexos a escalas gigantescas. As fontes de energia renovável não são compatíveis com esses sistemas e escalas. As energias renováveis não conseguirão ocupar o lugar do petróleo e da gasolina nesses sistemas. Teremos de renunciar aos próprios sistemas. Mesmo muitos 'ecologistas' e 'verdes' dos nossos dias parecem pensar que basta mudar a energia. Em vez de usarmos electricidade gerada por petróleo ou gás para fazer funcionar os aparelhos de ar condicionado de Houston, usaremos parques eólicos ou enormes painéis solares; teremos automóveis com combustíveis supereficientes e continuaremos a circular de um lado para o outro no sistema rodoviário interestadual. Não é isso que vai acontecer. O desejo de manter os mesmos sistemas gigantescos a escalas gigantescas, recorrendo a energias renováveis, ocupa o lugar central nas nossas ilusões sobre energia solar, eólica e hidráulica."
(James Howard Kunstler)


26/04/2011

Commission

por Ezra Pound

Go, my songs, to the lonely and the unsatisfied,
Go also to the nerve wracked, go to the enslaved by convention,
Bear to them my contempt for their oppressors.
Go as a great wave of cool water,
Bear my contempt of oppressors.

Speak against unconscious oppression,
Speak against the tyranny of the unimaginative,
Speak against bonds.
Go to the bourgeoise who is dying of her ennuis,
Go to the women in suburbs.
Go to the hideously wedded,
Go to them whose failure is concealed,
Go to the unluckily mated,
Go to the bought wife,
Go to the woman entailed.

Go to those who have delicate lust,
Go to those whose delicate desires are thwarted,
Go like a blight upon the dullness of the world,
Go with your edge against this,
Strengthen the subtle cords,
Bring confidence upon the algae and the tentacles of the soul.

Go in a friendly manner,
Go with an open speech.
Be eager to find new evils and new good,
Be against all forms of oppression.
Go to those who are thickened with middle age,
To those who have lost their interest.
Go to the adolescent who are smothered in family -
Oh how hideous it is
To see three generations of one house gathered together!
It is like an old tree with shoots,
And with some branches rotted and falling.

Go out and defy opinion,
Go against this vegetable bondage of the blood.
Be against all sorts of mortmain.


25/04/2011

A Morte do Trabalho

por Ernesto Milà

Pode ser um drama constatá-lo, mas é uma realidade. O trabalho está a morrer. É certo que todos os dias se criam novos postos de trabalho, mas se observamos os números absolutos, em 20 anos a capacidade produtiva duplicou, mas a ocupação só aumentou 5%. O que é que isto quer dizer? Que cada vez menos pessoas fazem mais trabalho. Porquê? Por causa da automatização de processos. Constatar este facto é o elemento sociológico de maior interesse no nosso tempo. 

Chama a atenção que, precisamente no momento em que o trabalho agoniza, este se converteu num mito universal: tanto a direita, como o centro, como a esquerda veneram o trabalho, considerado como uma obrigação social. Todos os partidos lançam medidas para “estimular o trabalho”, “diminuir a fraude no desemprego”, “reciclar os trabalhadores”, etc. Nenhum explica – talvez porque na sua estupidez não o percebam – que o resultado da era tecnotrónica é a eliminação progressiva do trabalho físico.

Há 10 anos atrás eram precisos 12 trabalhadores para vindimar um campo de um hectare. Hoje, esse mesmo trabalho realiza-se mediante uma máquina provida de sensores que detectam os racimos e outra pessoa que, a pé, examina se há algum racimo não detectado. Na construção, há 20 anos atrás, construía-se uma casa ladrilho a ladrilho; hoje tende-se às estruturas pré-fabricadas. Inclusivamente nos autocarros, até há pouco tempo eram necessários um condutor e um revisor, e dentro em breve haverá só um programa computorizado que levará os passageiros ao destino. O trabalho agoniza. Mas nunca como agora se prestou tal culto ao trabalho. O culto do trabalho pertence à mitologia moderna. É universal: mas é um mito.


Diariamente legiões de desempregados vivem um drama que parecem não entender: estão dispostos a vender uma força de trabalho… que ninguém está interessado em comprar. Estas pessoas ou vão engrossar as filas de desemprego e da assistência social, ou então aceitam trabalhos mal remunerados, que não exigem qualificação profissional e para os quais têm de competir com outros milhares de trabalhadores. O resultado é uma queda no preço da força de trabalho e a proliferação de trabalhos-lixo remunerados com salários-lixo que apenas permitem uma subsistência mínima.

Nos últimos 20 anos assistimos a uma mutação imperceptível mas contínua. Paralelamente à morte do trabalho, está também em vias de extinção a economia de produção que se converte progressivamente em economia de especulação.

Nas bolsas, a loucura financeira não tem nada a ver com a economia produtiva. No passado, os investidores investiam numa empresa porque acreditavam nas suas possibilidades produtivas, o que se reflectiria na hora de repartir os dividendos. Agora tudo isto mudou: investe-se na bolsa apenas durante algumas horas, e ao registar alguma subida, retira-se imediatamente o dinheiro, e a diferença entre o valor investido e o registado duas horas depois já constitui um lucro apreciável. De seguida o dinheiro migra para outras empresas, noutras fronteiras, noutras bolsas… Não existe nenhuma relação entre a economia produtiva e a especulação financeira. Estas práticas especulativas não fazem mais do que acelerar a morte do trabalho.


Em primeiro lugar temos de considerar a morte do trabalho como algo irreversível: os processos de automatização irão avançado e diminuirão progressivamente o mercado de trabalho. Este processo não é bom, nem mau: é bom se se reconhece no seu verdadeiro rosto e se actua em consonância. É mau, na medida em que os partidos políticos mentem e se negam a dizer à população a realidade da morte do trabalho.

Imaginemos uma sociedade em que o trabalho não seja o grande valor universal. Há outras actividades humanas, que não produzem benefícios económicos, mas que são indispensáveis para o equilíbrio psicológico da vida humana: o ócio, o estudo, a investigação, o exercício da paternidade, todas estas actividades podem dispor de mais tempo numa sociedade em que o trabalho tenha morrido.

Torna-se claro que nestas circunstâncias há que reduzir as jornadas laborais (trabalhar menos para trabalharem todos) e aumentar as ajudas sociais do Estado. É possível um programa baseado nestes dois pontos? É cada vez mais possível. Basta reconhecer os factos, estimular os canais educativos da população e realizar uma melhor distribuição das receitas do Estado que deve aumentar as suas receitas castigando fiscalmente a economia especulativa.


Reconhecer que o trabalho está a morrer é reconhecer também que há que remover dos programas dos partidos políticos de estilo novo qualquer referência ao culto do trabalho, é preciso ser realista: o trabalho é uma actividade como outra qualquer. Certamente que desde o nazismo todos os partidos promovem um “culto ao trabalho”. E isto gerou uma distorção da realidade: porque o trabalho não é a única tarefa que pode realizar o ser humano.

Felizmente a vida humana é extremamente rica em matizes. Além do trabalho existem muitas outras formas de actividade: a criação artística, o ócio, a investigação, a aprendizagem, o estudo, cuja natureza é muito diferente da do trabalho e que, frequentemente, é gerada por interesses não económicos.

A morte do trabalho é uma das formas que adquire a norma aconselhada por Julius Evola de “cavalgar o tigre”: porque se a morte do trabalho é uma tragédia, é-o, sobretudo, para a sociedade burguesa das Luzes e da prática política-económica do século XIX, não para aqueles que queremos um mundo novo e original, no qual a possibilidade de não morrer de fome não se dê necessariamente por troca com a de morrer de aborrecimento.

Em 1965 Herbert Marcuse estabeleceu que a diferença entre a nossa época e as anteriores, consistia em que agora era possível a realização prática dos ideias utópicos dado o crescimento das forças produtivas. Marcuse adiantou-se quase 40 anos: para que a utopia fosse possível era preciso uma maior automatização dos processos produtivos… e uma vontade decidida de conter o crescimento da economia especulativa. Isso não ocorria em 1965, mas ocorre hoje.


A utopia é possível, desde que se adoptem medidas drásticas: em primeiro lugar é necessário cortar radicalmente o fluxo de imigrantes para a UE, de seguida inverter a tendência e proceder ao repatriamento progressivo dos imigrantes. Neste terreno a divisa é: “Os Espanhóis primeiro”. Assim se põe termo ao crescimento da população que pretende vender a sua força de trabalho e, em consequência, o seu valor aumenta.

A segunda medida é a redução drástica dos horários de trabalho. Hoje é possível manter os salários com menos de 35 horas semanais. Além do mais, as reduções de horários devem ser acompanhadas por medidas sociais: subvenção ao trabalho no lar, protecção à família, etc. As protecções no desemprego, longe de diminuir como até agora, devem aumentar. E tudo isto, que implica um forte aumento dos gastos públicos, obtém-se mediante uma maior distribuição das receitas do Estado.

Finalmente a utopia é possível desde que se ponha termo à economia especulativa. A taxa Tobin parece uma medida oportuna, mas não é a única, nem sequer a mais aplicável. É preciso impedir fiscalmente as grandes acumulações de capital. É impossível abolir o capital, mas é possível orientá-lo em direcção à produção em vez da especulação. Os rendimentos procedentes da especulação devem restringir-se ao máximo. Hoje, a utopia é possível, mas a utopia já não está na nova esquerda, mas sim em quem tenha a coragem de denunciar o principal facto do nosso tempo: a morte do trabalho.

Pensamento Único

"O pensamento único é cada vez mais único e cada vez menos um pensamento. A sua dupla sedimentação, ideológica e tecnocrática, leva-o a não tolerar quem se expressa fora das suas fronteiras. Não se dirige contra as ideias que considera falsas, as quais exigiriam ser refutadas mas contra as ideias que considera 'más'. Essencialmente declamatório e inquisitório, o pensamento único elimina as zonas de resistência mediante uma estratégia indirecta: marginalização, silenciamento, difamação (…). A fabricação da verdade, escreve Bernard Dumont, proíbe legalmente dizer certas coisas e inclusive ordena nem concebê-las, enquanto neutraliza as outras remetendo-as para o reino relativista das 'opiniões'. A percepção da realidade é alterada, a fronteira entre o mundo real e o mundo da representação esfuma-se, o clima de mentira generaliza a suspeita e desemboca na despolitização geral e num conformismo de massas, à vez necessidade vital e prémio de consolação dos indivíduos perdidos na 'massa'."
(Alain de Benoist) 



24/04/2011

A Verdade Sobre a Falsa Direita

por Alain de Benoist


Por ocasião do centenário do caso Dreyfus, Jacques Chirac enviou aos descendentes de Emile Zola e Alfred Dreyfus uma carta na qual, lembrando aquele “colossal erro judicial e vergonhoso comprometimento do Estado”, afirmou que Emile Zola “na senda de Voltaire”, encarnaria “ o melhor da tradição intelectual”.Obviamente poder-se-ia ironizar sobre a escolha dos autores de quem o presidente francês invocou os nomes. No fim de contas, ambos expressaram ao seu tempo opiniões que hoje se enquadrariam na lei Gayssot sobre o “incitamento ao ódio racial”.Em 1764 Voltaire escrevia no «Dicionário filosófico» que “os judeus são apenas um povo ignorante e bárbaro que há muito une a mais repugnante avareza e a mais abominável superstição a um ódio indistinto por todos os povos que os toleram e graças aos quais enriquecem”.Quanto a Zola, de «L’argent» à série de «RougonMacquart» , não existe um único estereótipo anti-semita que não tenha feito seu. Mas é claro que não é a estes aspectos que Chirac pretendia aludir. Longe de ser anedótica, a sua afirmação é no entanto reveladora. Qualquer homem de esquerda, de Lionel Jospin a Aiain Krivine, de Robert Hue a Jack Lang, subscreveria voluntariamente a ideia de que Voltaire e Zola encarnariam o “melhor da tradição intelectual” francesa. Poucos homens de direita, no entanto, seriam levados a comungar desta opinião, mesmo porque sabem bem que Voltaire e Zola passam hoje por grandes antecessores da intelligenza de esquerda e que os intelectuais de direita dispõem geralmente de outras referências. Na circunstância, Chirac falou, portanto, como homem de esquerda.

Como é isto possível? É-o simplesmente porque, no campo da cultura e das ideias, a direita da qual ele se declara diz regularmente as mesmas coisas que a esquerda. E di-las porque é historicamente saída da mesma matriz filosófica da esquerda, obra da filosofia das Luzes, que no período de dois séculos criou em sequência o liberalismo, o socialismo e o marxismo. É certo que partindo de uma herança comum uma “esquerda” e uma “direita” se foram progressivamente diferenciando. Mas é sobretudo no âmbito económico e social que as suas diferenças se afirmaram, porém muito mais pela escolha dos meios que pela determinação dos objectivos. No campo cultural e intelectual falam quase em uníssono. Demonstrou-o mais uma vez, a seu modo, a recente polémica sobre o «Livro negro do comunismo»: se tantos comentadores se empenham hoje em distinguir a “bondosa” inspiração do comunismo dos seus sanguinários êxitos é porque aquela inspiração não se diferencia fundamentalmente das suas. Declarando-a “boa” não nos demonstram a sua justeza. Limitam-se a confirmar poderem-se reconhecer nas ideias que o sustiveram.


“O problema permanente da direita e a fonte do seu mal-estar actual” escreveu Jacques Juiiard,” reside no facto de que os seus valores de referência continuam a pertencer originariamente ao outro campo”.Ernst Jünger já o havia observado em 1945:” tem sido a esquerda a submeter a si a direita há mais de cento e cinquenta anos, não o inverso.”É absolutamente exacto, e é na lógica das coisas, a partir do momento em que aquela direita nasceu à esquerda. Tendo nascido à esquerda, com a ideologia dos direitos do homem da qual essa se reclama, não pode alimentar-se, sem mal-estar, nem da sua identidade nem do seu passado. E tendo nascido à esquerda sofre de um défice permanente de legitimidade. Tendo nascido à esquerda não pode fazer mais que colocar-se ao centro, um centro no qual, por sua vez, a esquerda, recuperada das esperanças revolucionárias e agora convertida ao reformismo social-democrata, se insere cada vez mais, com a consequência dramática de que este grande bloco central rejeita os descontentes impedindo uma verdadeira alternância.

É verdade que os conceitos de direita e esquerda nas mentalidades estão hoje ofuscados. Mas, se se ofuscam, isto acontece precisamente porque os grandes partidos que lhes envergam as cores têm tomado progressivamente consciência da inconsistência daquilo que os separa. Actualmente não há nada de substancial que diferencie os seus valores. As suas escolhas aproximam-se, os seus programas movem-se em direcção ao centro e a opinião prevalecente é que dizem todos mais ou menos a mesma coisa. Ainda ontem pensavam pertencer a famílias diferentes. Hoje percebem que apenas foram inimigos irmãos, que podem ainda polemizar sobre este ou aquele ponto mas fazem espontaneamente_ com toda a naturalidade, sentir-se-ia dizer_ frente comum para demonizar e rejeitar para o tenebroso extremo qualquer direita que seja uma direita verdadeira, com referências próprias, os seus autores, a sua antropologia, a sua própria sociologia, a sua própria visão do mundo, do homem e da sociedade.

É claro: como sempre existiram várias esquerdas, assim existem várias direitas: uma direita contra-revolucionária e uma direita revolucionária, uma direita republicana e uma direita monárquica, uma direita nacionalista e uma direita federalista, e assim sucessivamente. Mas pelo menos essas têm um ponto em comum: são direitas verdadeiras. A declaração de Jacques Chirac vale como sintoma, já que permite perceber a que direita ele pertence. Chirac pertence àquela direita que reprova as orientações económicas da esquerda mas que se escusa a contestar as suas orientações intelectuais e ideológicas. É uma direita que, no fundo, partilha a visão do mundo da esquerda, contentando-se por substituir a solidariedade pela apologia do lucro. É uma direita de esquerda. Em suma, não é de facto uma direita.

23/04/2011

Deusa Nação

"A Nação é o mais vasto dos círculos de comunidade social, sólidos e completos no temporal. Não fazemos da Nação um absoluto metafísico, um Deus, mas sim, tudo o mais, de certo modo, o que os antigos teriam chamado uma Deusa. Nós observamos que a Nação ocupa o cume da hierarquia das marchas políticas. Dessas firmes realidades, é a mais segura."
(Charles Maurras)


22/04/2011

Nostalgia

"Quando conhecemos efetivamente toda a monstruosidade da morte pelo fim daqueles que amamos, torna-se fácil dar-lhe muito menos importância quando se trata de nós mesmos, e de a olhar então com indiferença, seja com mais ou menos atração. Para mim, esta atração nasce em parte das circunstâncias presentes. Muito convencido que assistimos a uma queda imensa do homem e que forças materiais de uma potência irresistível trabalham, sem cessar e por toda a parte, para reduzir à uniformidade, à insignificância, à vulgaridade, estes seres humanos que se distinguiam outrora pela ideia de tantas qualidades diversas, persuadido de que o homem deixa para trás o auge da arte, do heroísmo, da virtude, seguro de que a minha própria pátria está no passado, deve tornar-se-me muito mais fácil deixar um mundo que não tem mais nada para me reter e do qual não terei a lamentar senão a luz. Os velhos de ontem tinham a tristeza de deixar o seu mundo durar para além deles. Uma melancolia mais subtil está reservada a alguns de entre nós: é ter visto o seu mundo acabar antes de si. Não lhes resta mais que juntar-se a esse grande cortejo dourado que se afasta, e confesso que, por vezes, tenho um pouco de vergonha de tardar."

(Abel Bonnard) 

21/04/2011

A Arte de Auguste Rodin

Cada época tem os heróis que merece...

"Como é possível definir como homem de ação quem, no seu trabalho de gestor, faz cento e vinte telefonemas por dia para vencer a concorrência? É um homem de ação aquele que é louvado porque aumenta os ganhos da própria empresa, viajando para os países subdesenvolvidos e aproveitando-se dos seus habitantes? Na nossa época são geralmente estes vulgares dejetos sociais a serem julgados homens de ação. Atolados nesta sujidade estamos obrigados a assistir à decadência e à morte do modelo de Herói, que exala já um fétido odor."
- Yukio Mishima

19/04/2011

Resignação

"O homem é naturalmente resignado. O homem moderno mais do que os outros, em consequência da extrema solidão que o mergulha uma sociedade que praticamente já não conhece entre as pessoas outras relações que não sejam as do dinheiro. Mas mal andaríamos se acreditássemos que essa resignação faz dele um animal inofensivo. Ela concentra no homem venenos que, chegando o momento, o tornam disponível para toda a espécie de violência. O povo das democracias não passa de uma multidão, uma multidão mantida na expectativa pelo Orador Invisível, pelas vozes vindas de todos os cantos da terra, pelas vozes que a agarram pelas entranhas, que exercem tanto mais poder sobre os seus nervos quanto mais se dedicam a falar a própria língua dos seus desejos, dos seus ódios, dos seus terrores. É verdade que às democracias parlamentares, mais excitadas, falta temperamento. As ditatoriais, essas, têm fogo no ventre. As democracias imperiais são democracias com cio."
(George Bernanos)


18/04/2011

O Paradoxo da Globalização

por Marcello Veneziani

Se te concentras neles, os anti-G8 são a esquerda em movimento: anarquistas, marxistas, radicais, católicos rebeldes ou progressistas, pacifistas, verdes, revolucionários. Centros sociais, artistas de rua, bandeiras vermelhas.Com o complemento iconográfico de Marcos e Ché Guevara .Rapidamente te apercebes que nenhum deles põe em discussão o Dogma Global, a interdependência dos povos e das culturas, o “melting pot” e a sociedade multirracial, o fim das pátrias. São internacionalistas, humanitários, “ecuménicos”, globalistas. E acresce: quanto mais extremistas e violentos são, mais internacionalistas e anti-tradicionais se apresentam.

Ou seja, quanto mais se opõem à globalização mais partilham da sua meta final. Por mais, o Manifesto de Marx e Engels é um elogio total da globalização, a cargo da burguesia e do capital, que rompe os vínculos territoriais e religiosos, étnicos e familiares e liberta da tradição. E nas cimeiras anteriores os presidentes dos países mais industrializados eram quase todos de tendência progressista e proviam da geração de 68, desde Clinton aos nossos próprios lideres, que sonhavam em transformar o G8 numa coligação de esquerdas planetária. Todos optimistas do G8.



Onde estão então os verdadeiros inimigos da globalização? Estão na direita, caros amigos. Aí, e não só desde hoje, combate-se o “mundialismo” e o internacionalismo, a morte das identidades locais e nacionais. Se é verdade, como afirmam muitos pensadores, que a próxima alternativa será entre o universalismo e o particularismo, entre globalidade e diferenças, entre cosmopolitismo e comunidade, então os antagonistas da globalização estão na direita.Com os conservadores e os nacionalistas, com os tradicionalistas e os anti-modernos, mas também no âmbito da nova direita de Alain de Benoist e Guillaume Faye e dos movimentos localizados e populistas.

Existe uma rica literatura de direita que há tempo critica radicalmente a globalização e as suas consequências: o domínio da técnica e da economia financeira em detrimento da política e da religião. É na direita que se reúne a resposta populista às oligarquias transnacionais. É na direita que as tradições se opõem à sociedade global sem raízes. É na direita que se teme a imposição de um pensamento único e uma sociedade uniforme e se denuncia a globalização como um mal em si mesmo; enquanto à esquerda denuncia-se que a globalização não estende os benefícios económicos à humanidade mas apenas a uns poucos. Ou seja, não se denuncia o seu efeito de desenraizamento sobre as culturas tradicionais e as identidades, mas tão-somente que não seja uma globalização dos “direitos humanos”.


Em Génova consuma-se, pois, um paradoxo: uns poucos homens de direita, entre agricultores, artesãos e tradicionalistas opondo-se ao G8 de modo débil e marginal mas com propósitos fortes e radicais, e muita gente de esquerda opondo-se de modo vistoso e radical a uma globalização que, no fundo, compartilha. Em Génova a maldição de Colombo faz-se às inversas: Ele zarpou para as índias e descobriu a América, estes sonham com um mundo novo mas descobrem as velhas índias.