25/02/2012

O Quê é a Política?

Por Eduardo Hernando Nieto

Antes de tudo quero agradecer o convite que me foi feito a fim de dar este pequeno bate-papo introdutório a respeito de um tema tão vital, mas ao mesmo tempo tão desconhecido como é o da político e o político. Comecemos então fazendo uma análise do coneito e uma interpretação do político. Isso é importante porque ultimamente se escuta nos meios de imprensa as opiniões de diversos personagens relacionados com a política nacional, falando sobre o caráter “técnico” de suas declarações. Ao dizer é óbvio que o que se busca é mostrar uma imagem de neutralidade e imparcialidade tido em conta de que o político nesses tempos se encontra contaminado. Nada deseja se chamar político e melhor pareceria ser o que o técnico se está revestido, de uma aura positiva e boa.

Vamos conhecer então o que significa em realidade a política e o que é o político, e nos daremos conta de que quando alguém diz que é um técnico o que pretende apresentar-se como uma pessoa com essas características e que quer ser visto como alguém à margem do político, tal contenção resultará não só negativa senão talvez até absurda.

Para o momento, temos que entender que a política não é uma atividade má ou negativa, senão todo o contrário. Por outra parte, quero salientar que a político é também uma atividade extremamente complexa. Não é uma atividade que pode ser levada a cabo por qualquer pessoal simplesmente por ter a intensão de participar na política. Creio que os resultados desta tendência a massificar a atividade política – e que dito seja de passagem não somente ocorre no Perú senão também no exterior – demonstra como é que há muitas pessoas que ignoram realmente o significado da prática política e mais ainda que desconhecem o que representa o conhecimento político. Em resumo, para ser um político de verdade, os bons desejos ou inclusive a honestidade não bastam.

Da mesma forma, tampouco basta inclusive agora que também parece uma necessidade que os que participam na política tenham uma conduta ética e moral irrepreensível. Evidentemente se requere que seja assim, mas tampouco isso será suficiente. Em outras palavras, não basta ser um homem honrado e não basta ser um homem interessado na política para poder se envolver no âmbito político, porque antes disso se requere fundamentalmente o ter um conhecimento político.

Se qualquer se nós sair à rua e começar a perguntar às pessoas, por exemplo sobre sua opinião sobre o novo gabinete ministral, encontrará uma senhora saindo do mercado e nos dirá que “esse senhor tem cara de boa gente” ou “esta pessoa já tem experiência na política”, etc. Quê significa isto? Essas pessoas que alguém entrevista na rua estão dando opiniões políticas, e opiniões políticas podem elas ter quaisquer seja de nós. O vendedor da esquina, o chofer de taxi, o padre da paróquia, o empresário, ou seja, qualquer. Isso sim, sem embargo, não é suficiente, e de feito pode ser inclusive até perigoso. Creio que é fundamental, para iniciarmos neste âmbito político, fazer uma distinção entre o que significa Conhecimento Político do que significa Opinião Pública. A opinião política é algo que tem uma caráter geral e que apela a um grande universo enquanto que o conhecimento político não pode cair nesse terreno tão vago e ao mesmo tempo tão expandido em termos quantitativos.

Creio que a melhor maneira de visualizar a distinção entre conhecimento e opinião é mediante um gráfico. Se traçarmos uma circunferência, podemos ver que a opinião política corresponde a uma parte desta, que muito bem poderia ser um segmento que corresponde ao traçado de uma reta que vá do centro à periferia da circunferência, se dizermos que nossa circunferência corresponde a uma roda de bicicleta, então a opinião pública correponderá aos raios de uma bicicleta. Se perguntarmos às pessoas qual é sua opinião sobre um tema x, quiçá o ambulante ou taxista poderá ter uma opinião a respeito, mas terá uma opinião parcial, já que vai estar localizada em uma pequena parte da circunferência, ou seja, essa pessoa poderá ter acesso à televisão, talvez a algum diário, não a todos os diários (presumamos um econômico), e nesse sentido, a informação que vai obter sobre o mundo vai ser uma opinião reduzida do total. Agora bem, podemos seguir comparando e assinalemos por exemplo que a governanta se pode encontrar também em outra parte da circunferência, ela certamente conhece o âmbito doméstico, o que ocorre no seu bairro, etc, poderá ter certas idéias, mas não necessariamente poderá ter uma visão ampla e concreta da situação política. Se eu sou empresário, talvez possa ter uma conhecimento da bolsa, o que ocorre fora do Perú, como sobem as ações, etc, se sou um pequeno empresário conhecerei o que ocorre em meu âmbito esfera, mas olho, somente vou poder dar uma opinião política desde meu âmbito desde o segmento da circunferência na qual eu me encontro. Agora bem, se sou um advogado, vou poder ter muito conhecimento das leis que o Estado Peruano emite, posso também conhecer o que dizem os meus clientes, ou temas específicos, mas não necessariamente vou ter todo o conhecimento que se requer para atuar na política.

Em resumo, opinião política representará uma visão parcial da política desde nosso próprio âmbito de ação, desde nossa própria forma de vida. Sem embargo, quando nós estamos expressando a necessidade de contar com um conhecimento político, o que temos que pensar (voltando ao nosso exemplo) é que este se localiza no centro da circunferência. Esse centro permite ter uma visão completa da realidade, quiçá podemos dizer que isso é o Estado oou a cidade e portanto quem tem que atuar desde a política necessariamente deverá estar também no centro da circunferência, e essa localização permitirá ter acesso a todas as partes da mesma. Conhecimento político é conhecimento do todo.

Para isso, deve ficar muito claro que quem entra na política teria que conhecer todos os âmbitos de tarefa social, e isso significa muitos anos de estudos e de reflexão tanto de temas práticos como também fundamentalmente de temas teóricos. Essa é então a primeira idéia que queria implantar. O primeiro que temos que fazer, se queremos envolvermos a sério no âmbito político é fazer essa distinção entre Opinião e Conhecimento.

Alguns poderão dizer que a anterior é uma idéia pouco democrática, porque não está considerando todos como iguais, mas efetivamente quando nasce a política, sempre teve essa um caráter diferenciado e de feito a hierarquia corresponde à estrutura orgânica e funcional típica de toda cidade antiga. Obviamente, o feito que existem hierarquias não significa que se trate de uma sociedade injusta ou uma sociedade totalitária. Em realidade, se nós vamos ao conceito da política, esse provém em concreto do término Polis, que significa cidade, uma cidade é uma unidade, mas eu diria ainda mais, é um órgão vivente, claro que em termos p´raticos é um conjunto de pessoas que habitam um espaço e que graças a que habitam em uma espaço delimitado, fechado, podem manter relações físicas que vão servir para criar e manter relações de amizade. Por certo, ao existir essa unidade podemos afirmar que todos somos cidadãos, todos somos habitantes dessa polis. Agora bem, nas origens da Polis, os habitantes eram filhos de pessoas que haviam nascido nessa Polis, e que por sua vez vinham de um antepassado comum ou um herói fundador. É interessante tomar em conta esses antecedentes, porque a idéia de um antepassado comum ou um herói fundador significa que gera a sangue que depois vai estendendo a medida que nascem novas pessoas que incorporam à cidade. Há aí uma relação importante que permite manter a unidade, mas deve aclarar-se que nessa época o sangue não teria um significado biológico, porque evidentemente o herói fundador não é um herói de tipo físico, senão transcendental, que se encontra mais além do espaço e do tempo, e isso faz com que a idéia de sangue tenha outras características e não necessariamente materiais. Mas o que resulta relevante é que há uma identificação comum com um princípio de origem com um princípio fundador.

O fato de que eu possa ser descendente desse herói fundador implica que os demais indivíduos que habitam esse espaço comum (a Polis) também compartilham essa identificação, portanto, eu posso chamar outro cidadão da Polis de irmão, e gerar uma relação de confiança que significa fé ao próximo. E essa fé implica que eu creio em tudo o que o outro me diga, porque se está demonstrando tal como é e não está se cobrindo com nenhuma roupagem nem está tratando de dizer ou parecer algo que não é. Claro está que dentro de uma cidade podem dar-se muitas atividade e por isso é importante saber diferenciar nossas atitudes e talentos, não todos podem fazer tudo, de aí que a cidade antiga opera também em função ao reconhecimento de linhagens e tradições e esta é precisamente uma das razões pelas quais a Polis respondia ao modelo orgânico corporativo.

Certamente, a confiança somente se estabelece em uma cidade onde habitam essas pessoas que estão integrados por esses laços que acabo de dizer. Sem embargo, e para fazer um pouco de história, no momento do qual se manifestavam estas relações de confiança e de amizade já haviam começado a plantar-se também dúvidas, por exemplo, à respeito à existência desse herói fundador e de repente à veracidade de toda esta narração mítica, que dava explicação e sentido à Polis ou à sua justificação no espaço e no tempo.

Por exemplo, recordando seguramente suas aulas de filosofia, tiveram ouvido falar dos sofistas, os sofistas eram personagens que estavam orientados à política ou melhor dizendo ao espaço público, mas com claras intenções pessoais e talvez até crematísticas. Nesse sentido, eles se converteram em grandes mestres da arte da retórica, mas ligada não ao convencimento (que implica o concurso da razão) senão à persuasão, a fim de que aquelas pessoas que normalmente procediam de famílias endinheiradas pudessem aprender a arte da persuasão e dessa maneira pudessem ocupar um cargo relevante de governo, claro está, que para os sofistas e a políticas começava a parecer-se com uma técnica de governo e manipulação e não tinha que ver com a felicidade da coletividade em sua totalidade.

Assim pois, os sofistas tendiam a relativizar qualquer concepção de verdade, diziam também que se baseavam mais em realidades empíricas, quer dizer, dar características de verdade somente a feitos visíveis, a coisas reais, e claro toda essa idéia de herói fundador entrava no plano da religião e da filosofia, e não podia ser contestado de maneira empírica. Em resumo, para mim esses sofistas, ao começarem a criticar esse fundamento religioso, ao começar a duvidar desse princípio fundador, o que vão fazer é começar a fragmentar a cidade, por que se nós duvidamos do princípio fundador, então não se pode reconhecer o outro como irmão já que não compartilhamos mais o “sangue”. O outro poderá começar a ter idéias distintas e a se sentir diferente com respeito aos demais, inclusive poderia ver seu antigo irmão como inimigo ao que não deve nenhuma lealdade. Isso é basicamente o que vai começar a se reproduzir, e é nesse momento precisamente que vai nascer a filosofia política, que dá uma nova interpretação ao término política e que vai ser, por sua vez, relevante para nós e que ademais recorda o que já havíamos assinalado anteriormente.

Os sofistas, ao duvidarem de um princípio, geram uma relativização de valores, e como consequência disso, vamos ter já uma forma de pensamento mais individualista, em que cada qual vá começar a pensar por si próprio, e já não vou ver o outro como parte de minha família senão simplesmente como alguém diferente. Nessas circunstâncias é que a cidade começa a sofrer um processo de fragmentação e fractura devido exclusivamente ao fato de que já se está diluindo esse princípio transcendental que nos dava unidade e significado. Em outras palavras, estávamos ante a transformação de um corpo orgânico em um modelo mecânico na qual as partes individuais não se entendem como órgãos integrantes senão como agregados artificiais e que são autônomos e independentes. De aí, que a tarefa assinada à filosofia política clássica seja a de recuperar a unidade e o modelo orgânico – corporativo.

É nesse contexto e relação a que acabamos de estreitar que se pode trazer a colação outra interpretação do significado da política, já que também a política pode se apreciar na seguinte equação: Política-Polis-Polemos. Polemos é outro término grego, que se entende como conflito, luta, ou contradição que precisamente vá a ocorrer quando se expande esse pensamento de sentido individualista. Essa Polemos nos conduz necessariamente à seguinte pergunta, “luta para quê?”, a luta que vai eprender-se é a luta para recuperar a unidade que se está perdendo ou que já está perdida, e esse é o outro significado importante que devemos entender com respeito à política ou ao conceito de Polis ligado à política.

Resumindo, temos por um lado a política ligada inicialmente à unidade, a uma grande corporação, e por outro lado a política é vinculada à luta pela unidade, ante a presença de correntes que tendem a dissolução da unidade, que se dirigem à fragmentação da Polis, e que como consequência dessa polarização ou fragmentação não somente se vai perder a noção de unidade senão que também a medida que passa o tempo se vai dando mais conflitos que serão anônimos, quer dizer que cada sujeito vai tratar de ter sua própria verdade ou seu próprio princípio e que vai ser evidentemente diferente ao de outro, e também diferente ao de outro, e assim sucessivamente, por isso o que antes era um espaço de unidade se transforma agora em um cenário no qual existem sujeitos (indivíduos) que lutam para defender suas idéias ou princípios e a cidade praticamente desaparece.

Essa, no fundo, é a história que finalmente forma parte do nascimento da filosofia política moderna, vai se repetindo a medida que o tempo passa, po exemplo vocês têm princípios dos séculos XVI e XVII, uma série de guerras civis onde já uma unidade religiosa se dilui totalmente como era a católica e então temos um conjunto de facções que estão em pugna e em luta, e claro esta luta tem que acabar em algum momento porque a fragmentação não é boa para nada, não somente porque põe em risco a cida de cada um de nós senão porque também torna a vida infeliz. Essa luta nesse contexto dos séculos XVI e XVII se termina com a aparição do Estado Moderno, o mesmo que evidentemente é quem vai fazer prevenir todo o sistema religioso da esfera pública, a esfera estatal, e portanto aparentemente vai evitar assim os conflitos.

Agora que temos uma primeira impressão com respeito ao tema de origem do conceito do político, vamos estudar ligeiramente isso que eu denominei de conceito antigo da política, e que é quem vai produzir finalmente a primeira comcepção do político e quiçá a concepção política que por ser tão próxima às origens da tradição deve ser mantida e de pronto perceberemos que todavia de mantém.

Sendo uma realidade a presença dos sofistas e produzida também essa instabilidade que está manifestando-se na Polis pela tendência individualista, se se quer pragmática, de privilegiar somente o âmbito da opinião – recordem novamente os sofistas, falam, falam muito bem, mas o fazem tentando persuadir – se começa a assegurar uma dinâmica nova no plano político. Se busca no princípio contar com a simpatia do grupo, que nos apoia e que se adere ao nosso discurso e conclusões, etc. Como dizemos, a tarefa de persuasão implica basicamente trabalhar a níveis bastante superficiais da natureza humana, quer dizer, o retórico, a pessoa que maneja a retórica, vai tratar de criar imagens, levantar exemplos, etc, e todas essas coisas que podem comover um auditório que está escutando, isso é algo típico do plano da opinião, porque a opinião sempre vai ser epidérmica, simples e muito relativa. Lamentavelmente, essa característica dos sofistas de enxerga em nossa vida cotidiana quando vemos como flutuam as encostas políticas segundo o estado de ânimo das pessoas. A opinião é algo que não vai ser fixo nem constante senão que vai ser absolutamente relativa, e essa é uma diferença que a destacamos desde o início do debate. Nós não podemos construir uma cidade com idéias relativas ou volúveis porque assim não se poderá ter estabilidade.

Bem, estava mencionando essa atividade dos sofistas que criaram uma série de problemas e isso vai levar por exemplo a que surja a Filosofia Política. A filosofia política de todo governo tem uma única virtude e é a de resolver essa pergunta: “Qual pode ser o melhor regime político?” Aqui há duas coisas que temos que considerar: o fato de que eu me preocupo pela busca do melhor regime político significa em primeiro lugar que estou consciente, que sei, que existe algo que se chama bom regime político, já estou partindo de uma verdade objetiva, que existe o melhor regime político.

Sem embargo, e em segundo lugar, eu também estou partindo do fato de que ainda não se pôde manifestar – e talvez nunca se poderá – tal regime no mundo, por isso é que o busco. Isso é importante porque corresponde, por exemplo, à necessidade de contar com um espaço de liberdade e de discussão para aproximarmo-nos a esse melhor regime político. Justamente a visão científica e inclusive a visão legal não vão ter necessariamente essa característica de abertura porque sempre se vai mover em função de conceitos fechados ou regras fixas e que não permitem sua discussão, sua oposição ou deliberação. De pronto, pareceria ser que para a grande maioria de acadêmicos tal regime perfeito já existe, o Estado Constitucional de Direito.

Enquanto o que significava a busca do melhor regime político, ali haviam diversas opções, seria inclusive ocioso mencionar as classificações aristotélicas, mas talvez o que poderíamos ter em conta seria resolver a questão do que seria um bom regime político. A resposta depende da realidade? Quero dizer que o regime se acomoda ao contexto, deve ter as características de um regime misto? Quê significa um regime misto? Em realidade, se bem é certo que o contexto é importante devemos ter em conta que as formas de governo transcendem o espaço e tempo e nesse sentido o essencial é a proximidade ao regime misto que significa simplesmente compartilhar o melhor de cada uma das formas de governo que existem: o governo de um, o governo de alguns, o governo de muitos (que se deve entender finalmente como o governo de todos). Teríamos que fazer então uma combinação prudente entre todos porque por exemplo o ideal seria que o melhor regime político seria o governo de todos, mas isso seria esquecer o que já temos mencionado anteriormente, quero dizer, a distinção entre opinião e conhecimento. Não todos têm conhecimento político, portanto, promover um regime no qual o governo é de todos seria totalmente catastrófico, porque teríamos que incorporar esse grande espaço de opinião. Isso seria igual no caso do regime de muitos.

Normalmente, nesse contexto antigo, quando de falava de “um ou de alguns”, se entendia que esse “um ou alguns” se referia a aquelas pessoas que estariam mais próximas ao pensamento e a ação política. Sem embargo, o governo misto não procuraria um governo somente de um ou de alguns, porque olho, não devemos esquecer que dita classificação teria que localizar-se dentro de uma comunidade orgânica funcional, daí segue que sempre seria necessária a presença e o trabalho de muitos também.

Efetivamente, a idéia da constituição ou de regime misto teria que considerar a incorporação de cada um desses setores dentro da representação, mas claro que assumindo sempre que teria que se ter certa hierarquia, por tal idéia que os poucos estariam mais próximos ao conhecimento e os muitos mais próximos à opinião[1].

Isso não significa que se trata de um regime injusto ou arbitrário, como fomos insistindo, porque finalmente a tarefa da Filosofia Política, a tarefa que teriam encomendada os pensadores que estava nesse plano, era a de educar aos que se encontravam mais longe do conhecimento a fim de que pudessem incorporar-se paulatinamente a esse nível, porque isso no fundo era um processo em direção ao estrato superior, isso se chamava educação ou Paideia, e isso é o que finalmente buscavam tanto Sócrates como Platão e Aristóteles, é dizer, transformar opiniões em conhecimento, e como estamos falando do político, transformar opinião política em conhecimento político, esse é então o objetivo que temos que considerar, que devemos tomar em conta.

Temos indicado também a presença do princípio de identidade que também permita a geração de confiança. Sem confiança não é possível ter uma estabilidade na cidade. E a confiança somente se vai manifestar quando possa ter um princípio que unifique a todos os membros da cidade. No contexto antigo, nós teríamos que a religião era o princípio unificador, tanto no mundo pré-cristão como no mundo cristão. Sem embargo, vamos advertir também que o contexto moderno, o que veremos em um momento mais, se vai caracterizar pela morte dos princípios. Sem embargo, é preciso assinalar que existiu um espaço intermediário entre o mundo da religião e o do ceticismo, e onde poderiam aparecer certos princípios ainda finalmente débeis, nos referimos às ideologias que tentaram preencher o vazio deixado pela religião. Certamente, a ideologia permitia uma identificação e facilitava ademais uma relação de confiança entre as pessoas que compartilham dita ideologia.

Fazendo uma parêntesis, recordemos como nesses anos se tem mencionado e escrito tanto sobre a crise dos partidos políticos sem encontrar aparentemente uma explicação, a resposta a essa crise é muito simples: não pode haver partido político sem ideologia. Tampouco pode haver partidos políticos sem intelectuais que manejem a ideologia, que possam transmití-la às hierarquias mais baixas do partido. Porque todo partido político tem que ser hierárquico. Ademais, um partido político representa também o que chamamos de aprendizagem. Eu posso ingressar como membro de base, mas graças a que vou estudando e participando na vida corporativa vou ascendendo, mas isso significa que vou ir aprendendo nesse processo de ascensão, também, tem que ver com chegar a certo nível no qual se encontrariam quem está a cargo do conhecimento da ideologia e que podem por sua vez ir transmitindo-a a cada um dos militantes e estamentos. Mas, para isso, necessariamente temos que tomar em conta que é fundamental a ideologia, e a ideologia por certo tem que ser complexa, porque se fosse simples qualquer um poderia ter acesso a ela, com o qual não se necessitariam mestres nem líderes, nem instrutores, nem tampouco poderíamos falar de distintas instâncias com a qual não haveria partido político.

Voltando agora ao tema e fechando o parêntesis, a identidade permite cooperação e coordenação, sem este elemento a Polis poderia sucumbir ou poderia finalmente desaparecer. Nesse sentido, se torna relevante o absolver a pergunta sobre o conceito do político nesse contexto antigo. Sabemos perfeitamente que a um nível interno a política é filosofia política e aponta à busca do melhor regime político, mas que passa com a política para fora, no plano externo. Basicamente vamos a partir do mundo grego e ali advertimos a presença de uma pluralidade de identidades, quer dizer, um conjunto de Polis, por exemplo: Esparta, Creta, Atenas, Tebas, etc. Cada uma delas representa uma identidade política. O mundo desde a caída, sempre tem sido pluriverso e não um universo, sempre tem estado constituído por distintas coletividades, distintas corporações que se vão diferenciando por história, tradições, etnias, etc.

Desde que se produz essa caída (e estou assumindo como caída uma idéia metafísica que implica uma fragmentação da unidade primitiva), o uno torna-se pluralidade e se gera uma tensão. Essa situação que aparece narrada no discurso teológico como a perdida do paraíso por parte de nossos pais Adão e Eva, mas que pode ser recordado pelo mito ou pelo imaginário coletivo através de múltiplos relatos como o despedaçamento do cadáver de Osiris, ou inclusive com o do corpo de Tupac Amaru, tem gerado então que o plano real se manifeste sempre em termos de pluralismo e diferença, quero dizer, configurado por muitas corporações políticas, e que sem embargo vão distinguir-se umas de outras.

Essa análise real nos faculta a chegar a outra definição do Político: a distinção entre amigo e inimigo, que é a categoria que devemos empregar no âmbito político externo. Por exemplo: Esparta poderá gerar uma aliança com Creta por certas circunstâncias, quer dizer, podem unir-se porque sabem que Tebas é uma Polis muito grande, forte, e que deseja tomar seu território. Quando Tebas decide se opor coletivamente a Esparta e Creta, desde esse momento Tebas se converte em um Inimigo Político, porque está pondo em perigo a existência da coletividade. A relação política vai ser então uma relação entre amigo e inimigo, é a distinção que devemos empregar e que não implica necessariamente algo negativo ou que incorpora um julgamento de valores, nesses termos o inimigo político é um inimigo público e a definição de um inimigo público é a de uma corporação, um corpo que abertamente se enfrenta a mim ou que pelo menos potencialmente vai gerar um perigo para minha coletividade.

O termo inimigo público devemos entender em sua real medida, porque o inimigo deve-se identifica-lo como é e ir a combate-lo como, mas não assumir que o inimigo pode ser objeto de ódio, preconceitos ou desprezo, talvez agora o inimigo seja objeto destes sentimentos, mas em tempos antigos isso não funcionava assim. Não posso sentir ódio por meu inimigo, porque ele me faria pensar inclusive no aniquilamento do meu inimigo, coisa que não seria adequado, em princípio porque não vai com a natureza humana, e em segundo lugar, porque o inimigo é em princípio uma Polis, que por uma cicunstância se converteu em inimiga. O que vou fazer é simplesmente neutralizar o inimigo, o inimigo se neutraliza, mas não se aniquila, pelo menos essa era uma regra clássica que deveria se manter.

Agora vamos fazer uma excursão em torno do sentido da política moderna. No contexto moderno vamos ter em princípio certos fatos, certos acontecimentos que vão mudar completamente esse mundo anterior, esse mundo clássico ou antigo. O primeiro que vai ocorrer no mundo moderno é a aparição dessa distinção entre espaço público e espaço privado, ou espaço político e espaço moral. A raíz dessa dicotomia ou separação tem que ver com a aparição de um conceito muito caro também para a modernidade como o que é o conceito de autonomia. A Autonomia (eu escolho meus fins) implicará então em uma viragem profunda no sentido da Polis clássica. Imaginem o que significará a presença desse conceito, que é entendido como uma forma de liberdade absoluta ou de poder absoluta do indivíduo, com respeito ao cenário da cidade. Se todos os sujeitos que vivem na cidade se reconhecem como sujeitos autônomos, como sujeitos que têm sua própria lei, então vai ser muito difícil que possam aceitar a presença de um princípio universal, um princípio geral ou objetivo. Não estarão então com capacidade de integrar-se como coletividade, porque cada um pretenderá ser autônomo e isso significará ademais que muitos planos de vida poderão ser divergentes e antagônicos. Mas, ao mesmo tempo, haverão planos de vida que serão importantes para a coletividade como por exemplo o converter-se em mestre ou médico enquanto que outros até poderão ser prejudiciais para a coletividade como o dedicarmos ao narcotráfico por exemplo, mas o grane em tudo isso é que basicamente se terão que respeitar todos os planos de vida por igual, pois fazer discriminações entre planos de vida seria tomar como deficientes ou não tomar em sério a quem tem optado por planos que seriam considerados por outros como prejudiciais ou negativos.

Isso definitivamente poderia pôr em perigo o que o contexto antigo tornava muito em conta, isso é, as atitudes, talentos, e capacidade, de cada um para poder realizar certas atividades. Quantos de vocês gostariam ser cantores, mas não possuem boa voz para ele?. De igual maneira de poderia falar de qualquer outra atividade ou profissão, mas para isso se necessitarão capacidades ou dons que contribuam para realizar da melhor maneira essa atividade ou profissão, e precisamente ali está a sabedoria do indivíduo com conhecimento político, quer dizer, de saber localizar cada pessoa em sua função, porque cada pessoa tem certas aptidões para certas atividades. O erro nasceria ao se colocar alguém que não tem aptidões para determinado trabalho em um rol que não lhe corresponde, em dito caso, o prejuízo seria então para todos.

Logo que a autonomia começa a decantar, surge imediatamente o mundo da legalidade, o mundo do direito, que vai derrubar o espaço público ao serviço do espaço privado, assim pois, teremos agora um Estado que oriente sua atividade à proteção da segurança e da vida dos sujeitos autônomos. Isso é em realidade o nascimento do Estado absolutista. A primeira forma de Estado que existe no Ocidente. Uma vez que aparentemente se logra manejar esse elemento da segurança, a gente sente que há demasiada concentração de poder. Por isso, uma vez que passa esse estado de caos, a gente vai começar a exigir outras coisas, já não é suficiente a segurança, é nesse momento no qual começa a ser absolutamente relevtante o tema da liberdade individual, e mais especificamente ainda, o tema da propriedade privada, e teremos agora a continuação o nascimento de uma forma de Estado que podemos chamar de Estado Liberal, destinado à proteção da vida dos indivíduos, da liberdade individual e da propriedade. Se trata de uma defesa radical do âmbito doméstico já que finalmente será nesse lugar onde existirá o sujeito autônomo e onde seus interesses ou suas expectativas sempre vão estar lugados a um mundo estreito e reduzido. Por exemplo, minha família, meus amigos, meu trabalho, minha universidade, e a medida que passa o tempo esse mundo privado se vai fazendo muito mais importante e relevante e a mim já não me vai interessar o espaço público (espaço coletivo) que mal ou bem todavia poderia nos recordar do sentido da política antiga. Finalmente, o espaço público somente interessa em função à utilidade que possa oferecer a meu mundo doméstico.

O contexto atual representa então – como já espiram muitos críticos da políticas moderna – um estreitamente do ambiente público que se torna subsumido pelo espaço privado, em realidade, se trata de uma privatização do público que opera nitidamente quando o econômico se translada ao político e inclusive o subordina. Isso acontece porque por que a política expressa agora uma perspectiva individualista e doméstica, eliminando assim toda conexão com o coletivo. Por isso, o que aparentemente parecia ser início da modernidade e do nascimento do Estado moderno uma dicotomia entre o espaço público ou privado, ambos em permanente equilíbrio, vai a converter-se agora na hegemonia e domínio absoluto do privado.

Portanto, quando digo que estou interessado na política, ou quero esse cargo porque sou político, ou necessitamos ministros políticos, todos – e inclusive o mesmo interessado - , interpretam isso como algo negativo porque ao dizer político ou atividade política significaria simplesmente que estou tratando de satisfazer meus interesses privados e portanto todos vão querer ser chamados de técnicos ao invés de políticos, já que na atualidade o técnico implica imparcialidade, neutralidade, e até alguém poderia entender também proveito geral ou bem-estar coletivo. Nesse sentido, me parece muito importante reativar novamente o significado dos conceitos. Então, teríamos que entender que esse espaço deveria ir crescendo, mas aqui há trabalho para os teóricos, porque um conceito moderno como o de autonomia, por exemplo, estaria demasiado enraizado como para poder dispor e sem embargo sabemos que a ampliação do espaço público pode ser difícil contando com o conceito de autonomia de um lado, como poder manejar o âmbito privado, o da autonomia, com o âmbito político, o da totalidade? Em todo caso, caberia, sem embargo, digamos, entender a autonomia não como uma mera eleição individual senão como auto-realização, por exemplo.

Também seria desejável impulsionar o espaço público através de uma nova compreensão dos direitos individuais, digamos se nos perguntamos: como podem ser defendidos de melhor maneira os direitos e as liberdades? Por acaso a resposta não teria que ser através de uma cidade. Uma república é o lugar idóneo para o florescimento das liberdades, mas sabemos que para que exista uma cidade ou uma república antes devem haver cidadãos e os cidadãos sabemos também que antepõem suas obrigações e direitos.

Evidentemente, se requere da presença de uma “cidade” que proteja esses direitos e liberdades, senão teremos uma cidade integrada, então nada vai ter garantia de seus direitos ou liberdades. Agora bem: como de mantém a unidade da cidade? Fundamentalmente, em base a obrigações cívicas, portanto, a obrigação é mais importante que o direito, e o fazemos simplesmente pelo fato de defender as liberdades, com esse argumento, quer dizer, com a proteção da liberdade através da cidade, o que vou a ter que reivindicar é: cumpre primeiro tua obrigação com respeito aos demais e depois tua exigência, tua liberdade, teu poder. Lamentavelmente, essa visão tem sido pouco considerada devido à influência do discurso legal, do discurso político, do discurso do Direito, porque o discurso lehal ou jurídico sempre é baseada na proteção das liberdades e nos direitos, sobre todas as coisas.

Quero concluir então reclamando o lugar natural e próprio da política, e esse lugar não pode ser outro que o da cidade, mas a cidade em concreto e não em abstração. Quando o discurso de globalização nos fala da aldeia global ou dos políticos – técnicos nos apresentam a nova realidade do mundo unificado, não estão se referindo à verdadeira cidade senão a uma abstração que está constituída por direitos abstratos, espaços privados e quiçá o único real sejam os milhões de desempregados e marginais por fome e miséria do sistema imperante. A verdadeira cidade, a que aspira buscar o melhor regime político para dito bem-estar de sua população tem que ser o espaço ideal para o desenvolvimento de uma vida política saudável e com sentido. Espero então que esta palavras possam despertar em suas mentes e corações a necessidade de buscar com paciência e entusiasmo o verdadeiro significado da política e do político.

[1] Sobre isso se pode revisar o texto de Leo Strauss, “Quê é a educação liberal?” em Liberalismo antigo e moderno, Buenos Aires, Katz, 2007.