01/01/2013

Alberto Buela - A Filosofia ao Fim do Milênio

por Alberto Buela

Em realidade, o título desse artigo nos está indicando que o peso do mesmo está posto na noção de "fim do milênio" mais do que na ideia de "filosofia".

E algo disso há, pois hoje em dia quase todas as conferências ou palestras sobre ideias giram ao redor do fim do milênio ou do começo do novo.

Nós vamos tratar de fazer um esforço e equilibrar o peso da exposição pondo a ênfase sobre a filosofia e deixando que a exigência de nosso tempo de fins do milênio se decante naturalmente, por aquilo que dizia Hegel: "ninguém pode saltar sobre seu tempo".

Em nossa opinião, mais além da filosofia acadêmica e universitária, sempre necessária para dar de comer ao filósofo, por aquilo do primum vivere deinde philosophare, o milênio nos despede em meio a três polêmicas filosóficas. Estas são: 1) Comunitaristas vs. Liberais, disputa que envolve acima de tudo o mundo anglo-saxão; 2) Latinoamericanistas vs. Analíticos, conflito que se dá, fundamentalmente, na ecúmene iberoamericana e 3) Modernidade vs. Pós-Modernidade que possui uma extensão planetária.

Polêmica Anglo-Saxã

Ao início dos anos oitenta apareceu nos EUA, Canadá e Grã-Bretanha uma corrente de pensamento filosófico, político e moral denominada comunitarismo. Este movimento intelectual não constitui um conjunto unificado senão, mais exatamente, um conglomerado de versões livres em aberta polêmica com os pensadores liberais norte-americanos sobre dois temas centrais: a) a primazia do bem ou não, sobre o dever e b) a concepção de sujeito.

O estudioso alemão Alex Honneth em seu livro Kommunitarismus sustenta que é possível distinguir duas etapas importantes no debate. Uma inicial em que as posições contrapostas teriam aparecido em toda sua radicalidade. E uma segunda, metateórica, na qual os autores teriam reconhecido um terreno comum de discussão. Este terreno comum é a tradição democrático-liberal das sociedades modernas.

Na etapa inicial, a mais virulenta e definida, se situam do lado comunitarista Michael Sand (As Esferas da Justiça; A República Procedimental); o escocês Alasdair MacIntayre (Depois da Virtude; Que Justiça, Qual Racionalidade?), polemizando com dois autores chaves do liberalismo contemporâneo: John Rawls (Teoria da Justiça;Política Liberal) e Robert Nozick (Anarquia, Estado e Utopia).

Na segunda etapa se destacam do costado comunitarista o canadense Charles Taylor (A Origem do Eu. A Construção da Identidade Moderna); Michel Walzer (A Crítica Comunitarista ao Liberalismo) e do lado liberal: Charles Lamore (O Liberalismo Político); Ronald Dworkin (O Império do Direito) e Bruce Ackerman (Justiça Social no Estado Liberal).

A primeira etapa se inaugura com a crítica ao liberalismo levada a cabo por MacIntayre desde a ótica clássica da filosofia escolástica. Sua crítica se dirige à anarquia moral como consequência do relativismo axiológico que produziu o modelo liberal nas sociedades pós-industriais. À primazia que Rawls outorga ao justo (right) sobre o bem, MacIntayre, apoiando-se em Aristóteles e São Tomás de Aquino, lhe responde que o bem (good) tem razão de causa final, daí que o agente moral deva sempre obrar em vista a fins e que para alcançá-los se encontre obrigado ao exercício da virtude, posto que o fim = bem não justifica os meios. A exigência de proporcionalidade entre fins e meios na ética de bens exige pois, o exercício da virtude.

Quanto à concepção do sujeito sustentaram que "o eu liberal é um egoísta racional interessado somente na proteção de sua propriedade... é um ser desvinculado e desenraizado". A proposta do comunitarismo em geral, daí sua denominação, tem sido recorrer à ideia de comunidade como conformadora de sentido e identidade. A comunidade é o espaço onde aprender a prática da virtude e onde o sujeito se inicia em uma determinada tradição. "Uma tradição viva, afirma MacIntayre é uma discussão historicamente desenvolvida e socialmente encarnada". É impossível ao sujeito situar-se fora de uma tradição.

No caso de Michel Sandel sua crítica vai dirigida diretamente ao trabalho de John Rawls, Teoria da Justiça (1971), texto clássico do liberalismo atual.

Contra a concepção liberal do eu que supõe um universo vazio de sentido (o sujeito transcendental de Kant), ele opõe sua teoria do eu (self), segundo a qual o sujeito humano está intrinsecamente exigido de construir ou dar significações a esse universo vazio de todo sentido ou telos. O eu não é anterior aos fins que não são senão parte do objeto de suas escolhas. O eu se constitui segundo Sandel, sempre em um contexto do qual não pode se abstrair. Ele está encarnado. Essa "contextualidade da autocompreensão" apresenta a comunidade não como um meio - como o é a sociedade para o indivíduo liberal - senão como o fundamento de suas escolhas, que inclusive, contribui para fundar sua identidade. Estranho périplo intelectual o de Sandel, já que aceita com gosto "o sujeito transcendental igual ao de Kant" como feixe de possibilidades, porém busca contextualizá-lo.

Na segunda etapa se destaca também Michel Walzer com sua crítica ao conceito iluminista de universalidade, segundo o qual algo para ser valioso deve ter valor universal. A respeito observa muito bem, o jovem politólogo peruano Eduardo Hernando Nieto: "Michel Walzer em Esferas da Justiça assinalará que o que verdadeiramente existe não é uma moral universal e um método de distribuição geral da justiça senão que o que se dá são princípios de justiça plurais. As diferenças derivam das diferentes formas de entender os bens sociais mesmos: o inevitável produto do particularismo histórico e cultural".

Walzer assinala quatro fenômenos típicos de mobilização de uma sociedade pós-industrial: mobilização geográfica, social, familiar e política. Assim os homens das sociedades modernas estão mais isolados e solitários que antes por terem perdido os laços regionais, de vizinhança, por viverem a experiência da desintegração da vida familiar e o afrouxamento das relações sociais e políticas.

Porém ao mesmo tempo, chama a atenção sobre a ambivalência da crítica comunitarista ao liberalismo dizendo que "pode vir a corrigir as novas desigualdades devidas ao mercado, como a reforçar as velhas desigualdades".

Por último nos encontramos com o canadense Charles Taylor, que produz uma substancial aproximação às posições liberais. Este autor, apoiando-se no "princípio de reconhecimento" enunciado já por Hegel - segundo o qual algo ou alguém existe quando há outro que o reconhece enquanto tal - sustenta que os indivíduos devem ser reconhecidos como agentes morais autônomos em um contexto sociocultural dado.

Em sua crítica à sociedade contemporânea, ainda quando a caracteriza seguindo Bloon, Bell, Lasch, Lipovetsky et alia, propõe como solução recuperar o ideal de autenticidade que se apoia, sempre segundo Taylor, "no liberalismo da neutralidade e um de seus pilares básicos é que uma sociedade liberal deve ser neutra em questões que dizem respeito à boa vida". Vemos pois, como relega as discussões sobre a "boa vida" - o eu zen de Aristóteles - fora do discurso político. E aceita o princípio moderno da sociedade secular e liberal segundo o qual não existe nenhuma informação superior e autorizada sobre a vida boa, pois o único que conta como conhecimento científico é o conhecimento a posteriori. Isto é, logo de passar pela experiência.

A fonte da "autenticidade" a encontra seguindo Rousseau em "a voz interior que nos diz o que é o correto na hora de agir". Logo, se pergunta "Como se chega ou se recupera a autenticidade?" E afirma que resgatando a noção de dignidade em contraposição à de honra que é um conceito pré-moderno, "porque a dignidade todo o mundo compartilha. É o único compatível com uma sociedade democrática".

Já dissemos alguma vez, comentando algum de seus livros: "Pobre Taylor, ele se dá conta de que estamos mal e vamos a pior, compartilha a crítica à modernidade dos autores mencionados, porém pretende superar as enfermidades da modernidade injetando-lhes mais modernidade".

Em definitiva, o comunitarismo anglo-saxão, salvo o caso de Alasdair MacIntayre que está apoiado em uma metafísica pré-moderna como o é a escolástica católica, o resto em seu reclamo de autonomias e diferenças dá como dados, não questiona, os fundamentos da sociedade demo-liberal-capitalista que padecemos, isso quando não os aceita. Isso nos está indicando que a projeção político-prática do comunitarismo anglo-saxão é nula.

Não há que confundir a exortação que um filósofo pode fazer a um político - a que fez Sandel a Dukakis em 1988 - com a funcionalidade da ideia sugerida. Do dito ao feito há um longo caminho, e acima de tudo nas sociedades opulentas que facilmente incorporam a seu sistema as ideias que o contradizem. Para os comunitaristas estão os campus universitários e eles satisfeitos.

Latinoamericanistas vs. Universalistas

Nos despede o século com o enfrentamento de duas concepções do que deve ser filosofia autêntica em Nossa América.

A tradição filosófica dirigida à explicitação do "americano" nasce, em nossa opinião, como reação às consequências da guerra hispano-norteamericana de 1898. Tomamos consciência de golpe, e massivamente, que somos "Coisa diversa tanto de Espanha, o que equivale a Europa, como dos EUA".

Para nós os hispanoamericanos o século XX começa dois anos antes, porque ao dizer do politólogo Horacio Cigni, 1898 marca o começo da globalização.

Assim este pensamento sobre a natureza de "nós mesmos" teve sua primeira expressão na geração do centenário onde pensadores, sem ser especificamente filósofos, como José Rodó, Leopoldo Lugones, Ricardo Rojas, Rubén Darió, Francisco García Calderón, Frank Tamayo e outros, meditam sobre o tema de nossa identidade.

Logo, a partir dos anos vinte dão a conhecer suas meditações os denominados "filósofos fundadores", alguns dos quais, como Alejandro Korn, José Vasconcelos, Alfonso Reyes, Antonio Caso, entre outros, se vão ocupar profissionalmente da filosofia americana.

Porém é recém há meados dos anos quarenta que se produz o enfrentamento das duas correntes que se prolonga por três gerações. Em um princípio se produziu a disputa entre, naquela época denominados americanistas, e os universalistas, os quais estritamente falando eram espiritualistas laicos, seguidores da filosofia centro-europeia da escola de Marburg, dos Dilthey, Simmel e Bergson. Assim, por um lado, estavam os Leopoldo Zea, Wagner de Reyna, de Anquín, Fernando Salmerón, Mayz Vallenilla para os quais o genius loci (clima, solo e paisagem) eram requisitos sine qua non para fazer autêntica filosofia. Enquanto que por outro lado, os Eugenio Pucciarelli, Virasoro, Enrique Molina, Vaz Ferreira, Miguel Reale, caracterizavam à filosofia como um saber sem pressupostos onde o terreno, o sangue, a herança, definitivamente, a identidade, careciam de consideração filosófica.

A partir dos anos cinquenta fazem sua aparição "os analíticos", enquanto os espiritualistas laicos se transformam em existencialistas ou fenomenólogos.

Os analíticos com Mario Bunge, Gregorio Klimoswki e Newton da Costa desprezam absolutamente os americanistas, os quais chamam "os políticos", que por influência do marxismo começam a se denominar "latinoamericanistas". Carlos Astrada publica El Mito Gaucho indicando o caminho que vai do existencialismo ao marxismo.

A ideologização das apresentações filosóficas dos agora latinoamericanistas, chega a seu ápice com a filosofia da liberação nos anos setenta onde se destacam, entre outros, Enrique Dussel, Arturo Roig, Horacio Cerutti, Arturo Ardao, Darcy Ribeiro, Ricaurte Soler, Augusto Salazar Bondy.

A queda do Muro de Berlim, tomada emblematicamente, manda para o espaço a filosofia da liberação, arrastada em sua queda pelo debacle de sua irmã "a teologia da liberação" que não liberou ninguém, e somou em Nossa América milhares de mortos em seu haver.

Assim, nestes últimos vãos do milênio temos uma filosofia universalista em sua variante racioespiritualista que que ao ser filha putativa da filosofia centroeuropeia que já não produz filósofo; ficou reduzida a comentários de textos. E uma variante analítica, que mais além dos copistas vernáculos da filosofia inglesa como os Rabossi, Klimoswki e os Bunge, somente produziu o brasileiro Newton da Costa e sua "lógica paraconsistente" com a qual demonstrou que o teorema de Godel é aplicável também à física teórica.

Quanto à filosofia acerca do "americano", arquivada a exposição ideológica do marxismo com água benta, como o foram a teologia e filosofia da libertação, vai retomando a via ontológica que inauguraram os trabalhos de Nimio de Anquín e seu Ser Visto Desde a América, e de Wagner de Reyna e seu Iberoamérica a fins dos quarenta, que se continuaram com os de Rudolfo Kusch e suas meditações sobre ser alguém e estar aqui nos setenta e os de Heinrich Beck nos oitenta.

Nós, por nossa parte, propomos hoje pensar a América desde a ontologia como o hóspito e o tempo americano como um amadurecer com as coisas. Na imbricação dessas duas categorias está nossa hermenêutica.

Modernidade vs. Pós-Modernidade

A polêmica modernidade/pós-modernidade é a última das transferências intelectuais do centro à periferia. É tão falsa para nós, como o foi "la querelle philosophie-philosophie chretienne" dos anos 30, inaugurada pela polêmica entre Etienne Gilson e Emile Bréhier.

O termo pós-modernidade nasce no domínio da arte e é introduzido no campo filosófico faz já duas décadas por Jean François Lyotard em seu trabalho A Condição Pós-Moderna.

A noção se difundiu amplamente porém em geral seu uso indiscriminado conduz à confusão. Em um esforço didático podemos enumerar os pontos em que todos coincidem em sua crítica à modernidade:

1 - O poder da mídia de massa como dadora de sentido
2 - A obsessão pelo novo
3 - O domínio da publicidade
4 - A exaltação do jovem
5 - A quebra das grandes narrativas universais
6 - As contradições da sociedade opulenta e a geração de múltiplas alienações que provocam, não há a morte de Deus, senão também a morte do homem

Em realidade se podem distinguir três correntes de pensamento pós-modernas.

A primeira, é a daqueles que vão à retaguarda da escola neomarxista de Frankfurt: os Habermas, os Apel, os Eco, os Levy et alia, que criticam à modernidade naquilo que lhe faltou levar a cabo como projeto moderno dos filósofos do Iluminismo. Em uma palavra, sua crítica à modernidade radica em que não acabou seu projeto. E assim podem afirmar como Derrida "fiéis aos ideais da Ilustração para trabalhar as Luzes de hoje".

A segunda é a daqueles representantes do pensamento débil, os Lyotard, os Scarpetta, Vattimo, Lipovetsky, Argullol, Rojas et alia que defendem um pós-modernismo inscrito na modernidade. Quer dizer, são autores que em sua crítica à modernidade propõem uma desesperançada resignação, porém sem abandonar sua confiança na razão entendida ao modo moderno. Assim poderá afirmar solto de corpo: Gilles Lipovetsky: "Não gastemos a criança com a água de banho: as perversões da razão prometeica não condenam sua essência. Se a razão moral amarra o cabo, somente a razão instruída pode nos aproximar ao porto".

Seu mérito estriba na aguda descrição de uma realidade alienante que cerca o homem de hoje, como o é o poder quase omnímodo da mídia de massa com sua capacidade de "dar sentido" às coisas e notícias que valoradas e analisadas em si mesmas "carecem de sentido". A obsessão pelo novo, que os torna equivalentes ao verdadeiro, novus et verum convertuntur. O domínio da publicidade, que ao por o ser à venda confunde a existência com "existência de mercadoria", com estoque. A manipulação da natureza pela técnica, considerada falsamente como um instrumento com "neutralidade ética".

Essas duas atitudes se caracterizam mais como uma crítica à modernidade do que como uma proposta positiva de superação da mesma. Muito similar ao que sucede com os pensadores de Le Monde Diplomatique hoje em dia, agudos e desencantados em sua crítica descritiva ao que está sucedendo, porém sem propostas porque sua família de ideias do mundo social-democrática já não tem nada que dizer. Se esgotou.

Em nossa Argentina atual que fazemos extensivo a Iberoamérica, onde a imitação tilinta por todas as partes, os que trabalham como filósofos midiáticos - os Grondona, Sebrelli, Abraham, Kovaldoff, Sarlo, etc - se balançam alegremente entre essas duas correntes sem entender nada de nada (podem se confrontar os suplementos culturais dos grandes diários como La Nación, Clarín, El Mercurio, etc.)

Por último, temos em terceiro lugar os herdeiros, mutatis mutandi, dos "pensadores da decadência" como Spengler, Drumont, Evola, Guénon, Jünger, Schmitt, Heidegger e em menor medida Ortega. Alguns desses pensadores são Gonzalo Fernández de la Mora, Eugenio Trías, Paul Ricoeur, Claude Polin, Augusto del Noce, Ernst Nolte, Massimo Cacciari, Claude Rousseau que submetem a crítica a modernidade com um rechaço quase total da mesma. Não sucede neste caso como ocorreu com o denominado pensamento débil, que é filho desencantado da modernidade, senão que aqui a oposição é frontal e ademais se oferecem variadas propostas de superação.

Este pós-modernismo que poderíamos chamar de forte apresenta também algumas variantes nietzscheanas e neopagãs como no caso da Nouvelle Droite ou Nova Direita com Olivier Mathieu, Guillaume Faye, Javier Esparza, Louis Rougier ou Alain de Benoist, corrente de pensamento que se caracteriza por uma busca e defesa insubornável da identidade dos homens e dos povos. Assim como uma crítica substancial ao mundialismo, ao igualitarismo e ao projeto político do atlantismo.

Conclusão

O crescente desencanto com o projeto da modernidade pelo fracasso estrondoso de seus sacrossantos princípios como a ideia de progresso indefinido, o poder omnímodo da razão, a democracia como forma de vida, o primado da consciência, a liberdade como capricho subjetivo, faz com que a consciência pós-moderna se descreva como consciência desiludida da modernidade. E aqui está o interessante, o quid da questão. Este é, se quer, nosso pequeníssimo aporte ao gigantesco tema modernidade/pós-modernidade: a pós-modernidade ao ser consciência desiludida mantém hoje em dia enfoque particular próprio da modernidade. De modo tal que, a única crítica válida, total e eficaz à modernidade é a crítica pré-moderna.

E é desde as ecúmenes pré-modernas como a eslava, a iberoamericana ou a chinesa desde onde se pode levar a cabo mais genuinamente essa crítica porque ainda tem termo de comparação. Foram as menos informadas pela modernidade.

A função moral do dissenso consiste, desde aqui, em expressar a opinião dos menos, dos diferentes perante o discurso homogeneizador da ética discursiva ou comunicativa dos Habermas e dos Apel, que só outorga valor moral ao consenso.

É que a ética comunicativa vem, em definitiva, a fundamentar a mensagem globalizante e homogeneizadora das partes em conflito. Essa ética discursiva e ilustrada vem, enquanto discursiva, como um novo nominalismo a resolver as diferenças com palavras e não através da preferência ou postergação de valores. E enquanto ilustrada, só permite a crítica daquelas situações sociais que não encarnem os ideais ilustrados de igualdade e pós-ilustrados de democracia.

A ética da comunicação é assim herdeira direta das sociedades de ideias da Revolução Francesa e essas sociedades - coração do jacobinismo - por definição não pensavam senão que falavam. A ideologia não se pensa porque pode correr o risco de ser criticada, senão que ela fala através de seus intérpretes como verdade socializada através do assembleísmo e se expressa na religião do consenso.

Hoje o deus monoteísta do livre-mercado chegou a privatizar a opinião pública. Hoje só existe a opinião publicada pelos Robin Hood midiáticos à maneira de novos Saint Just.

Eles ficaram hoje em dia com a representação exclusiva do "povo". É a pátria locutora e escritora que vem substituindo os políticos, os quais perante essa fúria privatizadora dos ativos fixos estatais ficaram sem os aparatos do Estado para poder exercer poder e cederam sua iniciativa política ao jornalismo e aos tecnocratas.

Assim como a imagem (TV, cinema, etc) substituiu o conceito (livros, conferências, etc.), da mesma maneira as mídias de massa deslocaram os partidos políticos no manejo do poder. Não é já o Estado quem tem o monopólio da força, como gostava de dizer Max Weber, senão que o poder deslizou sua centralidade para um ciberespaço esquivo e sempre mutante como é o mundo das redes informáticas que são as que determinam que países, como o caso da Malásia, México, Coréia ou Brasil, entram da noite pro dia em grandes crises financeiras por operadores anônimos que especulam desde terminais a milhares de quilômetros de distância.

Se não criamos morremos, disse Simón Rodriguez a seu aluno Bolívar. Assim, uns poucos políticos e escassísimos pensadores se dão conta de que esse rio não segue mais. Nós devemos inventar uma nova representação política. A democracia pós-moderna já não propõe valores a tentar senão que ficou reduzida simplesmente a democracia procedimental.

Nós devemos construir um novo grande espaço autocentrado e confederado econômica e políticamente nessa região do cone sul da América indoibérica. Tudo isso para poder dizer não, tanto ao totalitarismo democrático dos donos da opinião publicada, como ao supermercado mundial do ALCA que vem sobre nós em 2005, e assim poder mostrar que a vida e o mundo podem ser vividos desde nosso genius loci de maneira diferente ao resto do Ocidente.