19/02/2013

Perón e a Revolução Cubana

por Javier Iglesias e Juan Carlos Benedetti



Nota Prévia

O presente trabalho estuda um dos aspectos menos conhecidos da história do peronismo: a influência que o pensamento do general Perón teve sobre as forças revolucionárias cubanas das décadas de 40-50 e, em especial, sobre o jovem Fidel Castro e seu nascente movimento insurrecional. Nesse sentido, este escrito é a antecipação de um mais extenso que não só historiará esse influxo peronista sobre o castrismo, senão que, ao mesmo tempo, analisará seu complemento simétrico: a posterior gravitação do castrismo já triunfante (1959) sobre o peronismo da Resistência e o exílio.

Se bem o tema desse trabalho pode parecer histórico, nosso objetivo é, no essencial, político: queremos resgatar em toda sua integridade revolucionária, anti-oligárquica e anti-imperialista a esse verdadeiro gigante libertário que foi o general Juan Domingo Perón, cuja mensagem de Liberação transcendeu e transcende as fronteiras argentinas para alcançar dimensões continentais e terceiro-mundistas. Esse Perón, revolucionário histórico e real, nada tem que ver com o triste leão desdentado que nos pretendem vender os trânsfugas liberal-menemista a serviço desse mesmo imperialismo a que Perón combateu. Porém tampouco é o que fantasiam certos neoperonistas "rosas" e social-democratizantes que, se bem criticam a inegável traição menemista, coincidem finalmente com ela no reacionário intento de construção de um pseudo-peronismo pequeno-burguês, intelectualóide e amaneirado; castrado de todo conteúdo e potencial nacionalista, operário, popular, terceiro-mundista e revolucionário.

Frente a liberais comissionistas, do Império, a reformistas da eunuca centro-esquerda cipaia, ou a falsos "nacionalismos" anti-peronistas e em nada populares, levantamos cada vez mais a firme convicção nos valores revolucionários do terceirismo anticolonial peronista. A bancarrota das ditaduras burocráticas comunistas e a passagem sem dissímulos da ex-URSS ao bloco imperialista encabeçado pelos supercriminosos ianques, reafirma nossas mais claras teses fundacionais: o único anticapitalismo possível é o representado por Movimentos Nacionais e Populares de Terceira Posição. Já caiu o explorador sistema comunista, agora faz falta derrubar o ainda mais explorador sistema capitalista. Tão só a metade do caminho está feita.

Recordar a mensagem revolucionária do general Perón, é, pois, reafirmar sua vigência prática atual, da mesma forma que recordar a influência peronista na primeira etapa da Revolução casuísta cubana nos permite entender que como já escrevemos há mais de um ano atrás:

"O isolamento de Cuba pode levar a seu reencontro com a Pátria Grande Latinoamericana, prescindindo das velhas fórmulas marxistas e aderindo de novo ao nacionalismo revolucionário terceirista do castrismo inicial. O fim do Império comunista antecipa a derrubada do Império capitalista. Cada Povo deve lutar por sua Revolução Nacional ao tempo que se forjam laços de unidade, solidariedade e organização mundial de todas as nações oprimidas, contra os imperialismos, a injustiça e a reação".

Introdução

Em 26 de julho de 1953 o recém-nascido castrismo surge pela primeira vez à luz pública com o intento de tomada do Quartel Moncada; operação guerrilheira cujo fracasso serve de pretexto para que o ditador Batista massacre cerca de uma centena de combatentes revolucionários ou simples opositores. Fato geralmente esquecido: para se resguardar da cruel repressão são vários os guerrilheiros fidelistas que se refugiam na Embaixada da Argentina Peronista. Esse seria o caso, por exemplo, de Raúl Martínez Ararás e Antonio López, responsáveis pelo assalto simultâneo ao Quartel de Bayamo para impedir que sua guarnição - uns 400 soldados - acudisse em defesa dos de Moncada.

Na Embaixada Argentina em La Habana também encontra refúgio alguém sindicado pelo diário oficialista "Alerta" de 27 de julho como um dos responsáveis máximos de dita operação. Nos referimos a José Pardo Liada, dirigente do próprio Partido do Povo Cubano "Ortodoxo" ao qual ainda pertencia Fidel Castro; futuro combatente de Sierra Maestre e, ao mesmo tempo, um dos mais claros simpatizantes do Peronismo na ilha do Caribe, autor inclusive de diversas obras em defesa da Terceira Posição Justicialista.

A evidente atitude solidária do Governo Peronista em relação aos insurgentes anti-batistianos contrasta com as posições de alguns grupos supostamente "anti-ditadoriais", "anti-imperialistas" e "revolucionários". Os comunistas pró-soviéticos cubanos - Partido Socialista Popular - para citar um só caso, em sua "Carta da Comissão Executiva Nacional do P.S.P. a todos os Organismos do Partido" (30 de agosto de 1953) condenavam o castrismo definindo o assalto ao Moncada como uma tentativa "golpista, aventureira, desesperada, característica de uma pequena-burguesia sem princípios e comprometida com o gangsterismo". Recém em julho de 1958, poucos meses antes do triunfo final, os comunistas moscovitas mudaram essa estúpida e reacionária posição subindo ao carro do vencedor.

A vinculação da primeira guerrilha casuísta com a Argentina peronista não será, pelo demais nem esporádica nem assunto meramente anedótico.

O próprio Carlos Franqui - militante do castrismo desde sua fundação, combatente urbano e de Sierra Maestra, secretário de organização do Comitê do Exílio do Movimento 26 de Julho e após a vitória fidelista, diretor do diário oficial "Revolução" - em uma de suas obras recorda que, ao menos até princípios da década de 50, Fidel "simpatizava com um peronista anti-imperialista".

Se trata, como veremos, de uma atitude em nada "platônica" e que chegará a contatos orgânicos que analisaremos em continuação.

O Exemplo Revolucionário Peronista

Se bem não é nosso objetivo analisar em profundidade a natureza da Revolução Peronista em seu período 1945-55, ao mesmo tempo é certo que não pode se entender a influência desse Peronismo no castrismo inicial se não situamos a experiência argentina no contexto latinoamericano da época.

O Peronismo chega ao poder e consolida sua obra no marco fundacional de um enfrentamento total com o imperialismo ianque e a oligarquia local a ele associada. A disjuntiva "Braden ou Perón", com a que nasce o Movimento Nacional Popular liderado pelo então coronel Perón, marca profundamente esse Movimento e demonstra seu verdadeiro caráter anti-imperialista. Que esse anti-imperialismo não é retórico o demonstram algumas simples cifras: o capital estrangeiro que em 1945 era 15,4% do capital total, em 1955 já é só uns 5,1%. As saídas de capitais (lucros imperialistas) que no período 1940-44 supõem uma média anual de 382 milhões de dólares de 1950, no ano 1955 se reduzem a 34 milhões de dólares. A nacionalização dos meios de comunicação e transportes, sistema financeiro, seguros, comércio exterior, etc., são precisamente, os instrumentos que unidos a uma enérgica política industrialista e de substituição de importações, logram o aberto objetivo da Independência Econômica como base imprescindível para o desenvolvimento nacional e a justiça social.

Contradizendo aos que afirmam a necessidade de capitais estrangeiros - ianques principalmente - para os países "subdesenvolvidos" do Terceiro Mundo, a Independência Econômica se caracteriza no exemplo peronista por garantir um processo de crescimento jamais igualado em nosso país. Cifras contam: entre 1946 e 1955 a produção industrial a preços constantes de 1960 passou de 164 mil milhões de pesos a 277 mil milhões, com o que o crescimento supera em mais de 12% ao que se registrou na década de 1935-1945. No mesmo período também, o produto conjunto da indústria manufatureira, a construção e os serviços energéticos, de transporte e comunicações, passaram de 224,1 mil milhões a 324,5 mil milhões, o que significou um incremento superior em mais de 30% ao que se deu nos 10 anos precedentes. Isso explica o que na Argentina peronista, ao contrário que em todos os países capitalistas, se chegasse nesse período ao ideal geralmente inalcançável da plena ocupação laboral.

Independência econômica e desenvolvimento da economia, por outra parte, repercutem sobre tudo no Povo trabalhador, que acessa níveis de vida inéditos para nosso continente. A participação do setor assalariado na Renda Nacional passa de 44,1% em 1943 a 57,4% em 1954 (na atualidade não é muito mais do que 20%). Os salários reais sobem de um índice 100 em 1945 a um índice 164,7 em 1955. E tudo isso sem ter em conta benefícios indiretos porém não menos palpáveis: obras sociais, férias pagas, salário anual extraordinário, colônias de férias, assistência social direta mediante a Fundação Eva Perón, construção de novas escolas e hospitais (em 1946 só havia 15400 leitos nos hospitais públicos; em 1951 existiam já 114.000); educação gratuita, aprendizagem industrial, universidades nacionais operárias, habitação barata, queda do analfabetismo de 15 a 3,9%, etc.



Estado Sindicalista

Tudo isso, ao mesmo tempo, deslumbra mais a numerosos revolucionários e anti-imperialistas latinoamericanos pelo fato de que o próprio Perón insiste uma e mil vezes em que é tão somente "o início" de uma Revolução ainda mais profunda. Em 1 de maio de 1952 é assim como Perón manifesta publicamente que:

"Para o capitalismo a renda nacional é produto do capital e pertence ineludivelmente aos capitalistas. O coletivismo crê que a renda nacional é produto do trabalho comum e pertence ao Estado porque o Estado é proprietário total e absoluto do capital e do trabalho. A Doutrina Peronista sustenta que a renda do país é produto do trabalho e pertence, portanto, aos trabalhadores que a produzem".

E, para se ficasse alguma dúvida, acrescenta:

"Os trabalhadores adquirirão progressivamente a propriedade direta dos bens capitais de produção, do comércio e da indústria, porém o processo evolucionista será lento e paulatino".

Se trata, como escreverá um estudioso do fenômeno peronista, de proposições em certa medida relacionados com os do sindicalismo revolucionário:

"Mais que o socialismo clássico, o Peronismo em gestação adotou idéias fundamentais do anarco-sindicalismo hispano-francês, o qual já tinha uma tradição não desprezível no gremialismo argentino. Se trata aqui de duas exigências: a) o direto protagonismo político do sindicato (não por mediação do partido) sobre tudo através da greve geral como instrumento de ação; e b) o objetivo distante de uma administração dos meios de produção pelos próprios sindicatos. Já o Congresso Sindical de Amiens (1906) havia proclamado 'o sindicato atualmente nada mais que um grupo de resistência, será no futuro o responsável da produção e distribuição, bases da organização social'."

Essa semelhança é palpável quando Perón define o Estado Justicialista futuro como um "Estado Sindicalista" já que: "O que vem demonstrando como adiantamento, diremos assim, da teoria, é que entre o político e o social o mundo se encontra em um estado de transição. Nós estamos em dia com essa evolução, em meu conceito. Temos a metade sobre o corpo social e a outra metade sobre o corpo político. O mundo se desloca do político para o social. Nós não estamos decididamente nem em um campo nem no outro, estamos assistindo ao final da organização política e ao começo da organização social... Eu não posso abandonar o partido político para substituí-lo pelo movimento social. Tampouco posso substituir o movimento social pelo político. Os dois são indispensáveis. Se essa evolução continua, nós continuaremos ajudando à evolução. Quando chegue o momento propício lhe faremos um enterro de primeira, com seis cavalos, ao partido político e chegaremos a outra organização. Porém estamos em marcha ao estado sindicalista, não tenham a menor dúvida".

A importância da organização sindical no Estado e no Movimento Peronista, do qual se define como "coluna vertebral"; a existência de ministros, deputados e governadores operários; o papel dos sindicatos em constituições provinciais como a do Chaco; a sindicalização (entrega da propriedade aos sindicatos de trabalhadores) das cervejarias Bemberg ou do diário "A Imprensa", são sinais claros do que a partir da década de 1960 Perón começará a definir como "socialismo nacional, humanista e cristão"; quer dizer: um socialismo sindicalista autogestionário de liberação nacional e de Terceira Posição.

O Nacionalismo Revolucionário Cubano

Se grande é a influência da Revolução Peronista em toda a América Latina, mais o é ainda em Cuba, tanto que um informe de 1956 editado pela Revolução Libertadora chega a afirmar que: "Cuba tem sido o foco peronista no Caribe". Tal fato é devido à conjunção na ilha caribenha de dois fatores: a presença direta do prepotente imperialismo ianque unida ao caráter abertamente contrarrevolucionário do comunismo pré-castrista.

Em relação à presença ianque devemos recordar que Cuba é o último país latinoamericano em se livrar do domínio espanhol e que quando o faz (1898) é pela presença das tropas ianques, que com o pretexto da voadura de seu navio (Maine) invadem a ilha e derrotam os espanhóis. O caráter colonial dessa Cuba supostamente "independente" fica confirmado na própria Constituição "nacional" com a inclusão em junho de 1901 da chamada "emenda Platt" (pelo nome do senador Orviolle Hitchcock Platt, de Connecticut) que afirmava explicitamente: "Cuba consente em que os EUA possam exercitar o direito de intervir na defesa da independência cubana e na manutenção de um governo adequado para a proteção da vida, da propriedade e da liberdade individual".

Frente a esse expansionismo ianque já denunciado por patriotas como José Martí ("Tenho vivido dentro do monstro e conheço suas vísceras; minha funda é a de Davi"), surge um nacionalismo anti-imperialista cada vez mais intransigente que, como conta o professor Robert F. Smith, do Texas Ludieran College, em sua obra The USA and Cuba, faz com que em junho de 1922 (e não em 1959 ou em 1960) um diário de La Habana apareça com um título sobre oito colunas: "O ódio aos EUA será a religião dos cubanos".

Quando para conter esse pujante anti-imperialismo os EUA promovem a sangrenta ditadura do presidente do Partido Liberal, Gerardo Machado (1924-1933), a oposição patriótica e popular se vê obrigada a adotar como recurso de ação a resistência armada, o terrorismo individual, a sabotagem e a conspiração insurrecional. É nessa experiência de nacionalismo revolucionário armado não comunista onde se pode encontrar a origem histórica do primeiro castrismo.

Nacionalismo Revolucionário Frente a Comunismo

Em setembro de 1933 uma exitosa combinação de mobilização de massas, greve geral e sublevação cívico-militar, derruba a ditadura de Machado e entrega o poder a dois representantes desse nacionalismo revolucionário: Ramón Grau San Martín e, acima de tudo, Antonio Guiteras, partidário este último de uma Revolução Nacional Anti-Imperialista que culminasse em uma forma autóctone de socialismo que, de acordo com seu programa, não era uma "construção caprichosamente imaginada, senão uma dedução nacional baseada nas leis da dinâmica social". Tal governo se vê, sem embargo, atacado não só pelas forças pró-capitalistas e pró-ianques senão também pelo comunismo vernáculo que promove "sovietes" armados em diversos pontos distantes da ilha com a peregrina idéia de derrubar o governo "burguês".

O ultra-esquerdismo "combativo" pró-soviético contra um governo popular e anti-imperialista se entende ainda menos se se conhece o fato de que em plena insurreição anti-machadista (agosto de 1933) os dirigentes comunistas César Vilar e Vicente Álvarez "haviam prometido a Machado suspender a greve se lhes outorgasse o reconhecimento oficial das CONC" (sindicatos cubanos). Presos do esquema de "classe contra classe" que por aquele então propugnava a Internacional Comunista, os stalinistas caribenhos consideravam que tão "burgueses" eram Machado quanto os opositores de modo que preferiram sabotar a luta em troca de benefícios particulares e legalistas. Lastimosamente Fabio Grobart, fundador do PC, várias décadas depois afirmaria que a ordem comunista de romper a greve não teve o mínimo êxito já que "os operários de La Habana - que foram os únicos que se inteiraram dessa atitude - eliminaram, com sua firme ação, qualquer incompreensão sobre o caráter da greve geral, e o Partido e a CONC, retificaram o erro momentâneo, e, com os trabalhadores, adotaram a decisão unânime de não voltar ao trabalho enquanto Machado estivesse no poder". A emenda, não obstante, resultou pior que a conversa fiada já que, como vimos, do economicismo de direita frente a Machado passaram milagrosamente ao ultra-esquerdismo insurrecional contra um governo nacional-popular em uma estranha mistura de brandura com os cipaios e dureza contra os patriotas.



A Ditadura de Batista

Aproveitando a agressão em pinças (desde a direita e a esquerda) contra o governo Grau-Guiteras, o coronel Fulgêncio Batista se apodera do poder que controla, diretamente ou mediante presidências títeres, até, 1939. Isso obriga à oposição, geralmente armada. Assim Grau San Martín funda o Partido Revolucionário Cubano "Autêntico", que no ideológico alguns autores vinculam ao "varguismo, cardenismo, peronismo, aprismo, MNR (Bolívia), Acción Democrática (Venezuela), velasquismo (Equador) e liberacionismo (Costa Rica)"; Guiteras constitui a organização revolucionária político-militar "Jovem Cuba", com características socialistas e nacionalistas. O grupo nacionalista influenciado pelos fascismos europeus ABC (que já havia lutado com as armas contra Machado) segue operando militarmente, os setores insurrecionais do Partido "Autêntico" constituem diversas organizações de combate (União Insurrecional Revolucionária, Organização Autêntica, Movimento Socialista Revolucionário, etc.).

Desse bloco opositor, como era de esperar, não forma parte muito tempo o Partido Comunista que, a partir de 1938, e seguindo a nova linha "antifascista" da Internacional Comunista, considera a Batista como um possível "aliado". O raciocínio é até certo ponto lógico... para qualquer agente moscovita: na medida em que para a URSS o inimigo principal era a Alemanha de Hitler, os ianques eram possíveis aliados e, por conseguinte, os diferentes governos pró-ianques (como o de Batista) apoiáveis para os PC locais. No caso cubano isso se vê patentemente em uma série de fatos:

* No fim de 1938 é legalizado por Batista o PC.
* Em 25 de julho de 1940, o general Batista, apoiado ainda pelos comunistas, triunfa sobre o Partido "Autêntico" aproveitando que a nova constituição democrática não devia ser aplicada até 1943. O triunfo batistiano-comunista se obtém segundo o antigo método de escrutínio restritivo, que só permite votar à metade do eleitorado.
* Em 24 de julho de 1942, Batista fez entrar a dois ministros comunistas, Juan Marinello e Carlos Rafael Rodríguez em seu governo. Eram os primeiros comunistas no poder na América Latina. Rodríguez, paradoxalmente, com posterioridade também desempenharia um importante papel no governo castrista.

As primeiras eleições livres, em 1944, acabam com o cogoverno batistiano-comunista quando o Dr. Grau San Martón obtem uma maioria de votos (65%) sobre Salgarida, o candidato de Batista apoiado pelos comunistas. Isso supõe um evidente retrocesso para os stalinistas cubanos que, privados do apoio estatal, começam a ser deslocados por sindicalistas "autênticos" ou simplesmente anti-batistianos, ao mesmo tempo em que os antigos grupos insurrecionais anti-ditatoriais, com o apoio agora do governo, começam a atingir o alvo de seus atentados não com comunistas senão filobatistianos.

O Jovem Fidel Castro

Em 1945, ano da Revolução Peronista, Fidel Castro ingressa na Universidade de Havana e, mediante ela, na vida política. Sua natureza revolucionária lhe faz se aproximar aos grupos insurrecionais, ainda não desmobilizados, do Partido "Autêntico" que ainda mantinham certa imagem nacionalista revolucionária. É assim como se integra à União Insurrecional Revolucionária, de Emilio Tro, segundo afirmam alguns autores (Yves Guilbert, Pardo Liada) ainda que outros (K.S. Karol) sustentam que se se vincula à UIR é como "independente" e mais que nada para evitar a pressão do Movimento Socialista Revolucionário, grupo também "autêntico" mais inimigo da UIR e sob a condução de Mario Salabarría.

É Mario Salabarría, precisamente, quem em 1947 organiza um autodenominado "Exército de Liberação da América" que, dividido em quatro batalhões (denominados respectivamente: "Antonio Culteras", "Máximo Gómez", "José Martí" e "Augusto César Sandino") tenta a invasão de Santo Domingo de Trapillo para derrubar dita ditadura e, posteriormente, fazer o mesmo com a de Somoza na Nicarágua. Fidel Castro, que junto a Carlos Franque e outros revolucionários forma parte de dita expedição, é um dos poucos que consegue escapar quando após três meses de concentração em Cayo Confite, os revolucionários são detidos pelo exército cubano, temeroso das reais intenções do numeroso grupo armado. A primeira ação que poderíamos definir como "armada" de Fidel Castro, ainda que tão só seja um jovem recruta por aquele então, para alguns historiadores já tem relação com o Peronismo. K.S. Karol, por exemplo, ao falar da expedição assegura: "Esta já havia recebido do presidente argentino Perón um apreciável presente: 350.000 dólares em armas de diversos tipos". Ainda que não acreditemos que esse apoio fosse real - pois não existe nenhum documento ou testemunho argentino da época que o corrobore - a afirmação serve para ver como se considerava o Peronismo na época: um movimento revolucionário, anti-ditatorial e anti-imperialista.



Perón e Fidel Castro

O primeiro contato documentado entre Peronismo e castrismo se dá precisamente a princípios do ano seguinte. O dirigente peronista Antonio Cañero recorda que, nesse ano, depois de criar uma Federação Nacional de Universitários Peronistas:

"Tentei organizar um congresso, já não nacional senão latinoamericano de estudantes nacionalistas. Entrevistei Perón, logrei seu consentimento e acompanhado de um dirigente cubano, Santiago Touriño Velázquez, recorremos Santiago de Chile, Lima, Panamá e Havana. Os referentes políticos eram óbvios: Albizu Campos, Playa de la Torre, Arnulfo Arias. Em março de 1948 chegamos a Havana e a uma das reuniões assistiu Fidel Castro. Me preveniram meus amigos cubanos, em especial Touriño, sobre a atitude radicalizada de Fidel (...) Touriño, atualmente eexilado em Miami o descreveu como uma figura singular. Não tive tratos com ele porém aos poucos dias viajou a Bogotá e participou do bogotaço".

Sobre a participação de Castro nesse congresso latinoamericano de nacionalistas e peronistas, assim como sobre as reuniões prévias, dá também informação o já citado dirigente cubano Pardo Liada:

"A fins de março de 1948, chegou a Havana o senador argentino Diego Luis Molinari, utilizando Luis Priori, delegado operário da Embaixada argentina, estabeleceu contato com os principais dirigentes universitários cubanos, convidando-os a participar em uma conferência anti-colonialista em Buenos Aires, onde reclamariam a devoção das ilhas Malvinas.

O embaixador peronista se entrevistou ao presidente da FEU Enrique Olivares, e o secretário desse organismo, o comunista Alfredo Guevara, que acabava de chegar de Moscou, resposto de dores pulmonares. Ambos viajariam a Bogotá, aproveitando a 9ª Conferência Americana, para lhe fazer propaganda ao congresso anti-colonialista de Buenos Aires, convocado por Perón a princípios de maio.

Inteirado Castro da viagem de Ovares a Bogotá quis se unir à delegação. Ao saber que Molinari facilitava as passagens, me pediu que lhe conseguisse uma entrevista com o argumento, a quem viu no Hotel Nacional. Ao encontro com o embaixador de Perón acudiu Castro acompanhado por Rafael del Pino e o estudante pró-peronista Santiago Touriño. Castro fez a melhor impressão a Molinari. Desde muito jovem Castro tinha carisma de líder. E saiu da entrevista com a promessa do senador de convidá-lo a uma viagem com três escalas:

Panamá, Bogotá e finalmente, Caracas. Com passagens pagas por Perón viajaram a Colômbia Enrique Ovares, Alfredo Guevara, Fidel Castro e Rafael del Pino. Enquanto, outra delegação estudantil cubana, também respaldada pelo senador peronista, com os estudantes Touriño, Tabeada e Esquivel, visitaria vários países da América Central do proselitismo para a Conferência Anti-Imperialista de Buenos Aires".

A Ideologia do Jovem Castro

O Fidel que tem estes contatos e relações com a Argentina peronista não é já um "franco-atirador" dos grupos armados mais ou menos vinculados aos "Autênticos", senão um militante enquadrado no Partido do Povo Cubano "Ortodoxo". A "ortodoxia" surge precisamente como cisão dos "Autênticos" e em oposição à corrupção e abandono dos princípios nacionalistas revolucionários por parte dos governos de Grau San Martón e Pío Socarras, e a gangsterização delitiva de suas armadas colaterais. Com consignas centrais como "independência econômica, liberdade política e justiça social" claramente inspiradas nas Três Bandeiras Justicialistas, é lógico que a "ortodoxia" seja o lugar natural de militância dos filoperonistas cubanos, desde Pardo Liada a Fidel Castro.

Como o nove golpe de Batista, em março de 1952, tem por propósito explícito impedir o triunfo eleitoral desse Partido "Ortodoxo", seus militantes se veem obrigados a passar à luta armada. O grupo encabeçado por Fidel Castro que assalta o quartel Moncada ("Juventude do Centenário" ou "Movimento") tem por fim, como escreveu Fidel ao dirigente ortodoxo de Santiago Luis Conté Agüero: "por a ordem em mãos dos ortodoxos mais fervorosos. Nosso triunfo tivesse significado a subida imediata ao Poder da ortodoxia primeiro, provisoriamente e depois mediante eleições gerais".

Essa identidade ideológica com a ortodoxia continua já fundado o Movimento 26 de Julho. Na carta de Castro ao Congresso do Partido "Ortodoxo", em 16 de agosto de 1955, este afirma: "o Movimento 26 de Julho não constitui uma tendência no interior do Partido; é o aparato revolucionário do "chibasismo" enraizado em sua base da qual surgiu para lutar contra a ditadura quando a ortodoxia demonstrou ser impotente devido a suas mil divisões internas (...) uma ortodoxia sem direção de latifundiários do tipo Fico Fernández Casas; sem açucareiros do estilo de Gerardo Velázquez; sem especuladores da bolsa, sem magnatas da indústria e do comércio, sem os advogados das grandes fortunas, sem potentados provinciais sem politicalhos...". Recém em 19 de março de 1956 o M-26 rompe formalmente com o Partido Ortodoxo ainda que em plena luta insurrecional e até pouco antes de chegar ao poder os militantes e dirigentes da Ortodoxia: "como grupo se haviam convertido praticamente em um satélite da causa castrista, seguindo suas diretivas quase ao pé da letra. Pareciam convencidos de que o Movimento 26 de Julho era um ramo de seu próprio partido, e alguns consideravam Castro como um intrépido redentor que executava um ato heróico para o qual a eles faltava coragem". "Nossa Razão", Manifesto-Programa do Movimento 26 de Julho fechado em novembro de 1956, levanta consignas em grande medida identificáveis às da Ortodoxia (e ao Peronismo) como a luta pela "soberania política, independência econômica e cultura diferenciada" dentro de um "pensamento democrático, nacionalista e de justiça social".



Peronismo e Movimento Operário Cubano

A influência do Peronismo histórico não só se nota nas organizações políticas do nacionalismo revolucionário pré-castrista. Dadas as características nacional-proletárias e sindicalistas da Argentina Peronista é mais lógica que seu influxo maior se produz no Movimento Operário Latinoamericano. Cuba não seria uma exceção e é seu Movimento Operário a melhor prova da convergência entre terceirismo revolucionário pró-peronista e o nacionalismo revolucionário não marxista do castrismo inicial.

Em 20 de novembro de 1952, na cidade de México, representantes de organizações operárias de nosso Continente pertencentes a 19 países, convocados pela CGT argentina decidem constituir a Agrupação de Trabalhadores Latinoamericanos Sindicalistas (ATLAS). Se trata de uma central operária continental e anti-imperialista oposta tanto ao pseudo-sindicalismo amarelo da pró-ianque ORIT, como ao regimentado sindicalismo filo-soviético da CTAL.

Na constituição de ATLAS tem um papel destacável o dirigente sindical cubano do tran´sporte Fernando Pérez Vidal. Este militante, exilado pela ditadura batistiana e futuro dirigente sindical castrista, ocupa desde a fundação de ATLAS a Secretaria de Relações Exteriores, ainda que em 1953 chegaria a ser designado transitoriamente como Secretário Geral de dito organismo continental peronista.

Que a vinculação entre o Movimento Operário Peronista e o Movimento Operário Castrista cubano não é circunstancial e efêmero o prova a longa correspondência entre esses dirigentes operários castristas, já chegados ao poder, e o ainda Secretário Geral de ATLAS, o argentino (e peronista) Juan Garone. Assim, em 16 de fevereiro de 1960 Pérez Vidal solicita a aquele o envio "... do carnê como delegado de ATLAS no Carine ou só em Cuba" ressaltando que: "Hoje, graças à Revolução Libertadora que rege os destinos da nação e que encabeça esse invencível líder e grande estatista Fidel Castro Ruz, nossa pequena pátria, porém digna, tem um posto destacado nas nações livres do mundo. Exatamente o que logrou vossa grande pátria sob as bandeiras gloriosas do Justicialismo que fez possível Independência Econômica, Justiça Social e Soberania Política..." E acrescenta, caso ficasse alguma dúvida: "Muda nada mais que a forma, ou seja, não dizer ATLAS ou Justicialismo é um problema complexo de dirigentes pouco maduros e com muito escasso nível político que vem fantasmas onde só brilha o sol mais claro e melhor".

Em idêntico sentido se manifesta o também dirigente operário cubano José Gayoso em carta ao próprio Garone: "Enquanto aos fins que o governo cubano persegue são puramente nacionalistas (...) Quanto a ATLAS creio que seria conveniente que vocês se dirigissem ao companheiro David Salvador, Secretário-Geral da CTC para chegar a um fim prático na reorganização nessa de ATLAS (...) com homens que sentem os ideais do Justicialismo".

Para uma melhor compreensão do anterior esclarecemos que o citado David Salvador era um ex-dirigente comunista que em 1947 havia rompido com os pró-soviéticos locais para acabar se integrando no castrismo, do qual dirige durante a Revolução seu braço sindical: Seção Operária do M-26 de Julho, posteriormente conhecida por "Frente Operário Nacional Unido" (FONU) após a absorção da Seção Funcional de Trabalhadores da Ortodoxia História e da Seção Operária do Diretório Revolucionário. Salvador dirige numerosas greves durante a resistência anti-batistiana, geralmente combinadas com ações armadas. Após a chegada ao poder do castrismo o Primeiro Congresso Nacional da CTC (já convertida em central operária única) a lista de David Salvador e o M-26 obtém o 90% dos votos frente a só 5% dos "Autênticos" e outro 5% dos comunistas. A pressão do próprio Fidel para uma lista de unidade castrista-comunista é rechaçada, não por um anticomunismo de direita senão porque, como reconhece um marxista estudioso da Revolução Cubana durante a Revolução: "O PSP (pró-soviético) não via com bons olhos à Frente Operária Nacional, fundada pelos castristas e dirigida por David Salvador, antigo comunista; o PSP desconfiava simultaneamente das tendências anti-comunistas de uma certa propaganda do M-26 e de suas exaltações esquerdistas da luta armada. (...) Não se encontra nem uma só pista da participação dos comunistas nessa decisiva batalha da frente urbana" que foi a greve geral de 9 de abril de 1958, dirigida pelo FONU.

Síntese

Como uma Revolução Nacionalista e Terceirista, aparentada diretamente com o Peronismo histórico, pode acabar se convertendo em uma sistema marxista-leninista de partido único? De fato de Revolução castrista, até o 2 de dezembro de 1961, não se define como comunista senão como terceirista. Os carimbos cubanos dirigidos aos EUA dizem: "Nossa Revolução não é capitalista nem comunista, senão humanista". O próprio Fidel no diário "Revolução" de 17 de março de 1959 afirma: "Frente a ideologias que se disputam a hegemonia, surge a Revolução Cubana, com idéias novas e acontecimentos novos. Não vão confundir o Povo chamando-nos de comunistas". Também algo depois o próprio Che Guevara afirmaria em carta a "Bohemia", publicada em 14 de junho de 1959: "se fosse comunista não duvidaria em dizê-lo a vocês".

Essa Revolução Nacional, sem embargo, se vê cercada pelos ianques obrigando ao governo cubano a radicalizar cada vez mais suas posições. Quando a Revolução Cubana, por exemplo, decide importar petróleo russo e as três refinarias ianques em Cuba se negam a processá-lo, Fidel nacionaliza essas propriedades ianques. Os ianques contestam suspendendo a quota de açúcar. Castro contra-ataca rompendo relações com os ianques e obtendo um primeiro crédito soviético. Os ianques auspiciam o desembarque em Baía Cochinoss (abril de 1961), Castro se proclama "marxista-leninista". Se trata de uma radicalização em grande medida forçada pelos ianques como reconhece o Che em uma entrevista a L. Bergquist, "Look", novembro, 1960: "Exceção feita de nossa reforma agrária, que o povo desejava e havia iniciado espontaneamente, todos os procedimentos radicais que adotamos foram uma resposta direta aos atos de agressão por parte dos potentes monopólios dos que vosso país é o máximo expoente. Para saber até onde chegará Cuba, é necessário lhe perguntar ao governo dos EUA até onde ele quer chegar".

A estratégia de se apoiar nos russos para combater aos ianques não é aceita, de todos os modos, pela totalidade do velho castrismo. Franqui distingue nesse sentido pelo menos quatro correntes internas: os pró-ianques que se conformavam com uma "democratização" anti-batistiana, os nacionalistas democráticos, a corrente operária revolucionária socialista porém não pró-soviética (fundamentalmente os sindicatos casuístas) e, finalmente, uma corrente "pequeno-burguesa" autoritária aliada aos comunistas e que é a que acabou triunfando. Os simpatizantes do peronismo em Cuba, nacionalistas democráticos ou socialistas nacionais, acabaram exilados (Pardo Liada, muitos ortodoxos) ou presos (Salvador David, numerosos dirigentes sindicais) e o dilema parece ser, até há pouco, "democracia" pró-ianque ou pró-sovietismo casuísta.

O definitivo trânsito da ex-URSS ao bloco imperialista ocidental; seu abandono de Cuba, agora isolada e contando só com uma eventual ajuda dos Povos latinoamericanos, repropõe a questão e obriga ao castrismo a se basear em suas próprias forças, em um nacionalismo tão distante de ianques como de soviéticos. Poderá voltar o castrismo a um terceirismo revolucionário como o de sua etapa inicial? A História, enquanto criação livro dos Povos o dirá e, sendo assim, Cuba será uma trincheira mais no novo combate emancipador dos Povos da América Latina, com bandeiras nacionais e sociais, tão anti-capitalistas como anti-marxistas.