28/05/2016

José Ignacio Moreno Gómez - O Princípio Solidarista de José Antonio Primo de Rivera e de Leon Duguit

por José Ignacio Moreno Gómez



Não se destacou suficientemente a enorme influência da nova Sociologia do Direito, especialmente a do Sindicalismo Solidarista de Durkheim e, acima de tudo, de Léon Duguit, na formação do pensamento do fundador da Falange. Retirando a pretensão antimetafísica do pensador francês, que põe em risco o ser mal interpretada sua negação dos direitos subjetivos, e em contraste com a fundamentação teológica que o líder falangista faz da liberdade e da dignidade da pessoa humana, o paralelismo entre as propostas de um e outro são evidentes, tal e como pretendo expor à continuação.

Direito e Política


Há que insistir, para entender em profundidade José Antonio Primo de Rivera e seu pensamento, que a vocação primigênia do chefe falangista não foi a política, mas o Direito. É por meio do estudo de juristas e filósofos, que se inicia em sua etapa de estudante e continua posteriormente, como chega o fundador da Falange a construir o andaime de estrutura firme e constante a partir do qual realizará sua construção política. José Antonio estuda as reflexões de juristas como Stammler, Ihering, Kelsen, Jellinek, Hariou, Durkheim ou Duguit sobre a regulação dos direitos reais como objeto da ciência jurídica, e se propõe, seguindo filósofos e teólogos como Santo Agostinho, Santo Tomás, Platão, Kant, Hegel ou o positivista Comte, se existe alguma relação desses direitos com aqueles outros princípios metajurídicos que encarnam um ideal de Justiça e que, por isso, não são objeto do Direito, mas da Política. José Antonio se aparta do positivismo quando nos adverte em sua conferência sobre Direito e Política, pronunciada na inauguração do curso do Sindicato Espanhol Universitário de 1935, que todo jurista tem a necessidade de ser político, pois não é honesto, nos diz, incitar à fraude dizendo professar, como único critério organizador da sociedade, a juridicidade. Mas, ao mesmo tempo, uma vez abraçado um ideal (político) de Justiça, terá que cuidar de procurar uma "técnica limpa e exata, pois no Direito toda construção confusa leva escondida uma injustiça". Pode-se afirmar que a aproximação à política do falangista foi, antes de tudo, uma exigência de foco jurídico. José Antonio admitiu, seguindo Stammler, que os fenômenos jurídicos haviam de ser referidos à ordenação de certos meios para conseguir fins pretendidos, a velha ordinatio rationis de Santo Tomás, acrescentando a distinção kantiana entre conteúdo e forma, e defendeu, metajuridicamente, a capacidade dos fatos revolucionários de produzirem uma legitimidade jurídica de origem; princípio que aplicaria à defesa da Ditadura de seu pai, assim como à aceitação do fato revolucionário do 14 de abril como legitimador da 2ª República espanhola, que nasceu rompendo o ordenamento constitucional anterior.


Fascismo ou Solidarismo?


Quando, mais tarde, José Antonio publica em El Fascio seu artigo "Orientações para um novo Estado", não nos fala um seguidor daqueles que, a partir de coordenadas hegelianas, propugnavam um Estado totalitário de soberania plena. Sua proposição tem um enfoque, jurídico e político, que em nada recorda à posição mussoliniana que identificava o povo com o corpo do Estado e o Estado com o espírito do povo, e que reservava todo poder, sem divisões ou restrições, para o Estado, atitude próxima, por paradoxal que possa parecer, à dos defensores do mito da soberania popular. A crítica de Primo de Rivera a essa ideia de soberania, que logo repetirá em A Comédia e em inúmeros escritos posteriores, é a mesma que expõe Léon Duguit em suas lições sobre Soberania e Liberdade. Em José Antonio não existe essa submissão da razão à vontade tão característica do fascismo e dos adictos à soberania nacional. O discurso de José Antonio não é fascista. Seria solidarista?


A Soberania e o Princípio de Solidariedade


O princípio sobre o qual se vertebrarão os sistemas jurídicos dos Estados futuros, segundo a nova sociologia francesa do Direito, terá de ser um princípio de solidariedade. Duguit proclamava que estava em caminho de se iluminar uma nova sociedade baseada no rechaço do direito subjetivo como noção básica do sistema político. Seria o direito objetivo a regra fundamental da sociedade nova. Para Duguit, o fundamento da norma permanente do Estado se encontrava no conceito solidário de liberdade e na divisão do trabalho; quer dizer, nas distintas funções a realizar em uma sociedade unida por laços de solidariedade e cooperação. A liberdade é concebida como um dever, não como uma espécie de soberania individual, mas com mais exatidão, como uma função. Para Duguit, a doutrina da soberania é, na teoria e na prática, uma doutrina absoluta. Rousseau sacralizava o sofisma da ditadura da maioria, de um sufrágio universal que impunha tiranias em nome da democracia parlamentar. O sistema jurídico-político ao qual Duguit aspirava não podia se fundar sobre o conceito de soberania, mas sobre a dependência recíproca que une os indivíduos; quer dizer, sobre a solidariedade e a interdependência.


Liberdade e Serviço


A autonomia individual é um serviço; a atividade dos governantes é o serviço público, afirma Duguit. José Antonio, na conferência que pronuncia em 1935 sobre Estado, Indivíduo e Liberdade, avisa que se o Estado se encastela em sua soberania e o indivíduo na sua, o pleito não tem solução. A única saída, justa e fecunda, para o líder falangista, é que não se proponha o problema da relação entre o indivíduo e o Estado como uma competição de poderes e direitos, mas como um cumprimento de fins e de destinos: "Aceita esta definição do ser-portador de uma missão...floresce a nobre, grande e robusta concepção do serviço... Se alcança a personalidade, a unidade e a liberdade próprias servindo na harmonia total". Primo de Rivera está formulando os mesmos princípios solidaristas de Léon Duguit, amarrando-os com a doutrina de Santo Tomás e da escola de Salamanca.


O Estado Sindicalista Descentralizado

No terreno político, o Estado não justifica sua conduta, como não a justifica um indivíduo, nem uma classe, senão na medida em que não se adapta em cada instante a uma norma permanente, explica o falangista a quem acusam de divinizar o Estado. Assim é como o homem pode fundar todo o sistema político-social sobre o postulado de uma regra de conduta que se impõe a todos. Existe uma "lei orgânica da sociedade", objetiva e positiva, por cima da vontade dos indivíduos e da coletividade, nos diz Duguit. Sobre essa regra se realiza a transformação do Estado, através de uma organização social que deve se basear na descentralização ou federalismo sindical. O sindicato se converte, pois, na corporação elementar da estrutura jurídica ideada pelo jurista francês, e passa de ser um "movimento classista" a desempenhar funções concretas capazes de limitar a ação do governo central.

Léon Duguit em La représentation sindicale au Parlament (1911) concretizou, finalmente, essa ideia de um novo regime político erigido sobre a representação funcional do sindicalismo que, após a revolução russa, se convertia no único meio de assegurar as liberdades próprias da civilização ocidental (Souveraineté et Liberté, 1922). José Antonio é já um sindicalista, neste mesmo sentido, antes de conhecer Ledesma, e é essa a ideia de sindicalismo que permanece em seu pensamento, também após ter se fundido com o grupo das JONS, ainda que se aprofunde mais nela e a radicalize após ler Sorel.

Economia Solidária

Algo similar à transmutação solidarista do contrato social, ocorre com a propriedade privada. No terreno da economia, Duguit rechaçava tanto a luta de classes quanto o direito absoluto à propriedade: ninguém tem "direitos subjetivos" para impôr sua vontade de maneira absoluta. A propriedade é o produto do trabalho e ninguém tem direito a deixá-la improdutiva. A propriedade sobre o capital não é um direito, mas uma função, dirá o francês, para quem a propriedade privada adquire uma função social ao se transmutar de propriedade-direito em propriedade-função. Para José Antonio, a propriedade é um atributo humano distinto ao capital, que é um mero instrumento.

O Estado de Bem-Estar

Sob a inspiração do princípio solidarista, se passa de uma concepção negativa da ordem pública, como a que se tinha no Estado liberal-individualista, à necessidade de ajustar a ideia do contrato social ao postulado do bem comum (ad bonum commune), e a entender que as liberdades individuais vem limitadas pelo princípio solidário da função social. Quando Duguit anuncia a superação do Estado liberla, que desapareceria naquele dia em que a evolução social elvasse os governados a pedirem a seus governantes algo mais que os serviços de defesa, polícia e administração de justiça, está estabelecendo os fundamentos do Estado do Bem-Estar, que viria após a Segunda Guerra Mundial e que hoje encontramos quase desaparecendo. José Antonio vai mais além, pois a finalidade do Estado que ele defende não se limita a procurar um bem-estar puramente materialista, mas que tem como objetivo supremo assegurar condições que permitam aos povos voltar à supremacia do espiritual.

Rumo a um Novo Estado

Duguit foi acusado de anti-estatismo e de anarquizante. Desde o realismo político, Carl Schmitt o situou entre os precursores do "pluralismo desagregador". José Antonio, defendendo ideias parecidas, tem sido qualificado de fascista, totalitário e defensor do pan-estatismo.

Mas assistimos hoje à crise dos Estados nacionais e das organizações internacionais, cada vez com menor margem de manobra para garantir o bem-estar dos cidadãos; presenciamos o auge de um neoliberalismo (principalmente na economia), que estende sua sombra escura de desconfiança à capacidade do Estado de ordenar a sociedade, e que pretende recortar cada vez mais as funções desse; tentam nos inculcar uma fé renovada na quimérica e fracassada mão invisível de Adam Smith, que nos é proposta novamente como panaceia mágica para alcançar o bem de todos mediante o equilíbrio mecânico de egoísmos contrapostos; comprovamos o poder enorme dos grandes trustes multinacionais e transnacionais, e dos grupos de pressão, com uma liberdade de ação cada vez menos limitada nos mercados globalizados.

A ausência de uma armação verdadeiramente fraterna e humana na vertebração das sociedades nos convida também a considerar que o princípio solidarista de Duguit e, acima de tudo, o de José Antonio Primo de Rivera necessita, com prontidão, ser repensado e postos de novo para calibrar, para que essa solidariedade orgânica que eles consideravam como a regra fundamental, seja situada como pedra angular em um novo conceito de Estado e como pilar de uma nova sociedade.