27/08/2016

Jay Dyer - Dialética Gerenciada e o Imperium Liberal

por Jay Dyer



A "guerra racial" engendrada e publicizada que o sistema atual dos EUA deseja é uma estratégia de tensão de longo prazo com inúmeros precedentes históricos. Dizer que essa tensão é exacerbada e atiçada pela elite liberal hegemônica não é dizer que a diferença não é real. Ao contrário, culturas e civilizações produzem diferentes sociedades como resultado natural da alma daquele povo, e isso é bom. Na verdade, a "diversidade" é um bem natural, assim como a existência digna de diferentes ethnoi, uma noção ortodoxa clássica. Em nossa época, porém, com a ascensão do individualismo atomista pós-iluminista, "diversidade" se tornou um dogma fundamental do duplipensar no qual o objetivo subversivo da "diversidade" é a obliteração das distinções e diferenças reais.

É por meio dessa contradição crucial e duplipensar orwelliano que duas noções completamente opostas são sustentadas simultaneamente nas mentes do mundo ocidental liberal. Por um lado, os EUA e o Ocidente liberal pretendem representar a "democracia", a "liberdade" e o igualitarismo, ao mesmo tempo que travam guerras de agressão estrangeira para o estabelecimento da "Pax Americana", enquanto extorquem os recursos naturais e invertem e destroem as heranças culturais de nações culpadas do crime abominável de serem diferentes do imperium liberal dos EUA. Nesse sentido, diversidade enquanto ideologia é uma dialética gerenciada que existe nas mentes de muitos ocidentais, ainda (apesar de haver muitos sinais de que essa farsa começa a enfraquecer).

A lógica interna sombria desse imperium é precisamente autodestrutiva para a população doméstica, bem como para as nações nas quais ela espalha sua agressão, seja por meio do poder suave de ONGs, think-tanks e toxicidade cultural, ou através da guerra direita ou ataques proxy. A "sociedade aberta" só está aberta para a dominação do coletivo anti-humano, uma identidade coletivista unida apenas em sua premissa fundamental de liberdade negativa a qual, na filosofia política, denota um ponto de partida filosófica de negação de obrigações coletivas e realidades ontológicas. É neste sentido que a América agora representa o Admirável Mundo Novo, realizando a profecia alquímica de Bacon, como o motor de potências atlantistas, uma grande máquina por meio da qual projetar o pleno espectro da subversão sobre o globo, sob o disfarce risível dos "direitos humanos".

Ideias iluministas de liberdade como liberdade em relação a quaisquer limitações externas incorporadas no Estado devem logicamente se estender ao que, na filosofia, às vezes é chamado de autoconsciência epistêmica. Isso significa que uma cosmovisão ou sistema de crenças vai, ao longo do tempo, se tornar mais consistente com suas premissas fundacionais. Se essas crenças forem contraditórias, como muitas das opiniões dos empiristas do iluminismo eram, os seus descendentes sentirão estes efeitos, com o geist orientador movendo essas sociedades rumo a uma maior consistência interna. Essa consistência pode ter um lado sombrio, como mencionado, no qual o falso pode se tornar mais falso e mais corrupto. Este é o caso da América enquanto experimento iluminista, tendo escolhido como seu destino o satânico, para se desenvolver como o Imperium anti-imperial. Enquanto tal, é agora inerente dentro da lógica antilógica da América elevar o pior, exaltar o pior e buscar subverter globalmente.

Visto dessa maneira, a América enquanto força global e ideologia, se tornou um tipo de casca, um simulacro de nação, um imperium antimetafísico em guerra contra tudo que é tradicional, natural e orgânico. Energizado com toda a força da fúria demoníaca que caracteriza os aneis do Inferno de Dante, o pesadelo da LSDisneilândia deve ser estendido globalmente para trazer o imperium pós-humano de uma monocultura fanática cuja contra contra distinções e contra a diversidade real devora seu próprio "humanismo" como um ouroboros autodevorador. Neste sentido, o ouroboros é um símbolo dialético perfeito do mito clássico da América como, simultaneamente, o Admirável Mundo Novo e Atlântida. É uma Atlântida necromante onde o caldeirão alquímico de homens brancos e negros deve ser combinado em uma reação química violenta para dissolver e destruir ambos os ethnoi (tal como todos os outros), fazendo emergir a elite dominante que busca se tornar pós-humana. 

26/08/2016

Onésimo Redondo - O Nacionalismo Não Deve Ser Confessional

por Onésimo Redondo



Dizer que um movimento político é "confessional" significa que este se determina, de modo direto e específico, a hastear a religião como um de seus lemas, a sua defesa como um dos fins característicos do partido.

Neste sentido é que afirmamos que o nacionalismo, concretamente o nacionalismo espanhol, não deve ser confessional. Essa afirmação, se não conflita, de forma alguma, com a doutrina e as normas gerais ou concretas da Igreja, conflita de fato com o parecer de um sem número de católicos aos quais podemos chamar "militantes" ou católicos entusiastas.

Pelo que segue, o nacionalismo espanhol deve ou pode ser anticatólico? A Espanha nacional, a verdadeira, a da história gloriosa, pode ser separada da religião católica?

Já os que assim perguntam pretendem colocar o pensamento nacionalista em uma estreita disjuntiva: se respondemos de forma desfavorável à intenção das perguntas, nos replicarão: "Pois isto não é nacionalismo espanhol!". E se respondemos, como sem dúvida é mais preciso, em conformidade com o sentido das perguntas, arguirá seguidamente o católico receoso: logo, o nacionalismo espanhol deve ser nacionalismo católico, ou seja, confessional.

E eis o erro. Porque podemos reconhecer que a grandeza da Espanha está entrelaçada a sua catolicidade, aceitar que o nacionalismo não pode ser anticatólico, e sustentar, ainda assim, como é nossa tese: "O NACIONALISMO ESPANHOL NÃO DEVE SER CONFESSIONAL, não deve ser nacionalismo católico".

RAZÕES? São inúmeras: impossíveis de situar completamente em um artigo e ademais de tão grande importância e conveniência, a mesma coisa desde o ponto de vista religioso e desde o ponto de vista nacional, que só se explica a discrepância de muitos temperamentos de direita por uma dessas formações impulsivas e rotineiras tão acreditadas e estendidas nos modos políticos do catolicismo espanhol militante.

1 - O nacionalismo, por princípio, e sob pena de extinção, é um movimento nacional totalitário, isto é, encaminhado a dominar na nação por inteiro.

2 - O nacionalismo há de ser, em essência, desde o primeiro instante, popular: com maiores aptidões de popularidade que qualquer partido político.

3 - O povo espanhol, em sua generalidade, compreendendo todas as regiões de nosso território, não possui catolicismo militante. Isso não quer dizer que a maioria da Espanha seja anticatólica.

4 - O nacionalismo disputará ampla e rapidamente a hegemonia das massas operárias com as organizações marxistas: e os operários, em sua maior parte, não são confessionais, não são católicos militantes.

5 - O nacionalismo é um movimento de luta; deve chegar inclusive às atuações guerreiras, de violência, em serviço da Espanha contra os traidores internos. Não é possível, nem conveniente, exercer essas violências políticas com a religião como bandeira.

6 - Como movimento essencial espiritualista, quer dizer, inspirado e baseado em virtudes cívicas, o culto à Pátria, a veneração da própria História, o respeito à hierarquia, a abengação em benefício do povo, a defesa da família cristã, o nacionalismo respeita eficazmente a Religião Católica.

7 - Dizer que não é confessional não significa que o nacionalismo seja neutro. É, precisamente, inimigo declarado das forças que se chamam neutras: liberalismo, maçonaria.

Como há matéria para mais de um artigo, não pretendemos ter esgotado as razões ou proposições que fortalecem nossa tese; deixamos para números sucessivos o desenvolvimento dessas razões. Há muitos jovens que sonham com o fervor nacionalista, que desejam ver feito carne um grande movimento de independência com esse nome, e que formados no seio do catolicismo prático e entusiasta, se encontram preocupados pela tenaz oposição ao nacionalismo, tal como aqui o entendemos e deve entender-se, que é desprovido de uma especial proteção de fé católica.

A muitos deles aconselhamos ler ou reler a conhecida pastoral coletiva dos bispos espanhois, na qual podem aprender tranquilidade e tolerância.

Que recordem concretamente as palavras de Jesus, lembradas nessa carta: "Aquele que não está contra vós, está por vós", e que não afirmem com intransigência mesquinha que está retirado de Cristo o homem ou o partido que não esteja com Ele, mas que tampouco esteja contra os princípios imutáveis de justiça, de honestidade e fraternidade cristãs, regidos pela Igreja.

23/08/2016

Aleksandr Bovdunov - O Grande Manipulador: Magia e Sociedade Moderna

A vida e morte de Ion Culiano



No dia 21 de Maio de 1991, na Universidade de Chicago, um professor de religião comparada apresenta sua palestra final acerca do gnosticismo. Ele era um especialista do mais alto nível ao lidar com esse tema; um dos principais eruditos em gnosticismo, platonismo e neoplatonismo, hermetismo e na história religiosa secreta e pública do Ocidente. Depois de trocar algumas palavras com um estudante acerca de sua tese, o cientista partiu. Foi a última vez que os discípulos o viram com vida. Algumas horas depois o corpo do professor foi encontrado no banheiro masculino do campus da Universidade. Ele havia sido assassinado com um tiro na cabeça em plena luz do dia em uma das maiores universidades dos Estados Unidos. Até hoje o assassino não foi encontrado. O cientista, cujo corpo jazia esparramado de forma repulsiva na latrina, era Ion Culianu. 

Ele era o pupilo mais famoso e compatriota de Mircea Eliade, quem, depois de ter sido confiado como o seu executor literário, merece uma atenção especial. Tendo emigrado da Romênia nos anos 70, ele finalmente decidiu estabelecer-se na Universidade de Chicago, onde trabalhou com o grande Eliade. Culianu dedicou muita atenção à tradição ocidental. Seguindo essa direção, é provável que ele tenha tentado acompanhar o seu professor, trabalhando principalmente com a Ásia e os povos “primitivos”. Eram temas de prioridade para Culianu os experimentos de êxtase e exílio em outros mundos, gnosticismo, dualismo religioso, a dimensão espiritual do problema do poder, algumas filosofias religiosas ocidentais, o lado oculto e obscuro da tradição ocidental, e a gênese do fenômeno social e filosófico que mais tarde recebeu o nome de Modernidade.

Culianu era bem recebido em várias organizações ocultistas do ocidente, como está escrito em “Eros, Magia e o Assassinato do Professor Culianu”, pelo pesquisador de seu trabalho, Ted Anthony.  Ele conduzia, juntamente com estudantes, várias sessões mágicas, aconselhando-os a rejeitar as descrenças em relação aos fenômenos de magia e religião estudados. Ele sinceramente acreditava na sabedoria dos antigos, e buscava utilizar o aparato científico para penetrar no coração do fenômeno religioso e da consciência religiosa. No entanto, aproximar-se ao umbral dos mistérios sempre foi algo perigoso.  

O público liberal apressou-se em colocar a culpa da morte do cientista na extrema direita romena e no serviço de segurança romeno, A Securitate (já inexistente há dois anos), a quem Culianu tratava de maneira bastante descortês. Gradualmente, essa versão mais do que duvidosa e repleta de motivações se tornou a narrativa principal. De fato, no que tange às criticas por serem comunistas e terem sido substituídos no regime de Iliescu, Culianu não se destaca em meio a outros dissidentes romenos. O mesmo pode ser dito acerca de sua postura rigorosamente oposta à “Guarda de Ferro” e em relação às preferências nacionalistas de seu professor, Mircea Eliade. Porque era necessário assassiná-lo? E por acaso os serviços secretos dos países da Europa Ocidental, organizações realmente perigosas, foram assoladas pela pobreza, corrupção, caos e conflitos internos? Poderia ter sido obra de uma organização (Guarda de Ferro) que em 1991 contava apenas com um grupo de idosos morando pacificamente na Espanha e Argentina? 

Culianu pode ter sido morto por motivos políticos, mas de uma política muito diferente. Para entender a quem nós temos interesse relacionar a morte de Culianu precisamos recordar outro evento, essa vez associado com seu professor. Foi no momento em que Mircea Eliade escrevia a sua densa obra “A história das ideias religiosas”, descrevendo o aparecimento do desenvolvimento religioso e da modernidade na Civilização Ocidental do século XVI até os dias atuais. Em 1984, na sua casa em Chicago houve um incêndio que destruiu uma grande parte de fontes e documentos raros desse período. Sem nunca ter se recuperado da perda, Eliade morreu dois anos depois, sem a possibilidade de acabar a última tarefa de sua vida. Depois de cinco anos, a vida de Culianu foi abreviada, quando o estudante estava engajado exatamente nesses problemas. 

Culianu dedicou a sua vida à história secreta das religiões do Ocidente. Não há duvidas de que ele sabia muito, e ao que parece ele sabia demais. Portanto, aqueles que não concordam com a versão liberal dos eventos do assassinato de Culianu buscam recorrer ao seu legado científico. É improvável que venhamos a descobrir logo qual é a resposta mais provável. O cientista simplesmente não é autorizado a dizer isso, mas nós podemos perceber a região perigosa da qual o pesquisador se aproximou. Um exemplo disso é um estudo do seguinte tema:

O Grande Manipulador: Poder e Magia

“De vinculis in genere”

Culianu, em seu livro “Eros e Magia na Renascença”, referindo-se ao trabalho de Giordano Bruno, o famoso cientista e mágico do século XV, revela um dos segredos da formação do tipo de sociedade que o fundador da Internacional Situacionista, um dos ideólogos da primavera de 1968, o inconformista de esquerda Guy Debord, chamou de a “sociedade do espetáculo”. Esse é o conceito do “Grande Manipulador”.

O historiador das religiões examina o livro “De vinculis in genere”. Culianu aponta que o valor desse livro obscuro supera muitos trabalhos de teoria social e política bem conhecidos. De acordo com seu cinismo e candura, só pode ser comparado com “O Príncipe” de Maquiavel. Porém, se a figura do “príncipe”, um aventureiro político, soberano, como nota Culianu, no mundo moderno esta à beira da extinção, a figura do mágico colocada no centro da concepção de Bruno é o protótipo dos meios impessoais de comunicação de massa enquanto sistemas e mecanismos de lavagem cerebral, que levam à frente o controle obscuro (oculto) sobre as massas no mundo ocidental. 

O nome do livro de Bruno “De vinculis in genere” é traduzido como “sobre os vínculos em geral”, e se refere à manipulação mágica de indivíduos e das massas, para o estabelecimento do controle a distância de pessoas, independente de estruturas hierárquicas de coerção ou punição advindas de poderes diretos.

O conceito de vínculos “vinculis” não é escolhido por Bruno ao acaso. Culianu destaca que Giordano Bruno é em muitos pontos o sucessor de outro neoplatonista da renascença, Marsílio Ficino, e chega a uma conclusão lógica, porém inesperada, da analogia de Eros e Magia realizada pelo fundador da academia platônica de Florença. Para Ficino, assim como para Bruno, toda magia é baseada no Eros, inclusive o que pode ser chamado de a magia social ou política. E ainda, entre magia e atração erótica há uma similaridade instrumental; o mágico, como um amante, percebe o autor, constrói uma rede ou armadilha em torno do objeto de seu interesse. A arte do amor ou sedução é estruturalmente similar à tarefa do mágico. Ficino usa frequentemente o termo “rete” com respeito à magia e à atividade sexual – rede, da mesma forma que palavras como illex, illecebra, esca, significam armadilha, cilada, ardil. 

A tarefa do mágico é construir uma rede, conectar, para realizar os seus efeitos indiretos. Bruno propõem um modelo que consiste em indivíduos e massas manipulados, e o mágico ou o Grande Manipulador usa ativamente redes, armadilhas e outras ferramentas de “ligação”. O pré-requisito mais importante para a existência de tal sistema é o conhecimento dos desejos humanos. Bruno percebe que a operação de tal plano requer sutileza, já que a tarefa do manipulador não é entorpecer diretamente ou fazer propaganda, mas criar a ilusão da satisfação das necessidades e desejos humanos. Por esta razão, ele precisa saber e antecipar as necessidades, desejos, e expectativas da sociedade. Caso contrário, nenhuma “ligação” pode ser estabelecida entre o indivíduo e o manipulador.  

Petru Culianu afirma que o sistema de magia erótica de Bruno tem como objetivo disponibilizar as ferramentas para o controle de indivíduos isolados e das massas. “O seu pressuposto fundamental é que existe uma grande ferramenta para a manipulação - Eros no sentido amplo do termo: aquilo que amamos.” Giordano Bruno resume todas as paixões humanas, todos os sentimentos, tanto os inferiores quanto os sublimes, ao amor, porque vaidade é o amor pela honra, ganância é o amor pela riqueza, inveja é o amor pelo ego, que não tolera a igualdade e até a superioridade de outro. Ódio, que Bruno particularmente descreve como uma ferramenta de monitoramento, também é amor, mas com um sinal negativo. A manipulação mais bem sucedida, afirma Bruno, é exequível se for capaz de inflamar o amor próprio manipulado, philautia, o egoísmo. No estudo nós encontramos a descrição de amor como “é o relacionamento mais exaltado, o mais comum e o mais importante”. Nas fórmulas mágicas utilizadas no livro de Bruno, o amor é chamado de “o grande daemon” (Daemon Magnus).

Os efeitos mágicos em operação na sociedade, utilizando as paixões humanas, resultando em amor, são realizados através de contato indireto (virtualem seu potentialem), especificamente através de imagens visuais e sons (ferramentas universais ocultas), para estabelecer controle sobre o visível e o audível. Através desses portões secundários, o manipulador pode chegar ao se objetivo primário, chamado porta et praecipuus aditus, o “portão principal”, e vinculum vinculorum, o “vínculo de vínculos” - uma fantasia. É preciso ter em mente que a imaginação da Idade Média era entendida de acordo com os ensinamentos de Aristóteles. A imaginação era pensada como um dispositivo que desempenha a função de um mediador entre o corpo e a alma, os sentidos e o intelecto. Sob o nome de fantasia ou sentido interno, ela transforma o testemunho dos cinco sentidos nos fantasmas, em imagens que só podem ser entendidas pela alma. O dispositivo da imaginação é um intérprete traduzindo a linguagem dos sentidos para a linguagem dos fantasmas e vice-versa. 

As fantasias e a imaginação possuem a vantagem de pertencerem ao mundo dos fenômenos e sentimentos visíveis da mesma forma que a alma possui vantagem sobre o corpo. Curiosamente, Gilbert Durand, o sociólogo francês do século 20, chegou à mesma conclusão. Ele elaborou uma teoria sociológica substancial, na qual afirma que tipos e modos específicos da imaginação, as suas estruturas simbólicas e arquétipos, pré-definem todos os elementos importantes da esfera social.

Partindo do entendimento de que há uma conexão entre o pneuma universal, a matéria particular que forma o aparato imaginativo, e o uso local do poder de Eros, que é uma força conectando essa substância, é possível controlar a consciência individual através de uma reação particular frente a imagens e fantasmas até o ponto em que na maioria dos casos, não é o homem que governa sua imaginação, mas sua imaginação que o governa.

A conclusão do tratado de Giordano Bruno é de que tudo é manipulável, e que o amor, como a força que permeia o mundo, é a única ferramenta de manipulação mágica possível, enquanto a imaginação, e em realidade o controle sobre a imaginação através de imagens audiovisuais, é uma forma de poder. O manipulador cria redes de conexões baseadas no efeito entre ele e outras pessoas, e desse modo faz com que elas ajam de acordo com sua vontade. Assim, ele é como uma aranha no centro de uma rede de conexões e interações. É particularmente importante que, de acordo com Bruno, o manipulador deve ser absolutamente indiferente a qualquer influência externa, e, portanto a qualquer forma de amor, incluindo amor pela bondade, verdade e até pelo mal. 

O Grande Manipulador e a Modernidade

O esquema platônico tradicional e clássico de organização do estado e da sociedade, característico dos estados antigos e medievais, assemelha-se a uma pirâmide. O poder é organizado de acordo com os méritos do ponto extremo da hierarquia, de cima para baixo, e é realizado em um estilo “comandar-obedecer”. Foi contra essa ditadura autoritária de ideias que a Modernidade se rebelou em nome dos ideais da liberdade, igualdade, e fraternidade. 

Construído ao redor do Grande Manipulador, o mundo social é diferente uma vez que é organizado de acordo com o princípio das redes de conexões cercando o mágico anônimo que exerce não um controle direto, mas indireto, e o faz subordinando a imaginação. Ele não sustenta uma simples propaganda, mas em realidade ao criar a ilusão de encontrar os sentimentos e expectativas humanas, exerce um controle hábil sobre os subordinados ao dominar a zona da fantasia. Para que o Grande Manipulador exerça o seu poder, é crucial que as pessoas permaneçam suscetíveis às suas paixões e que a sociedade seja constituída por pessoas não envolvidas em uma causa comum, mas dissolvidas em grupos e panelinhas centrados em si mesmos, de maneira desordenada e egoísta. Ao invés de hierarquia, não há nada além de uma rede; ao invés de submissão direta, há controle; e ao invés de uma causa comum, há egoísmo e ausência da busca pelo divino, substituída por sensualidade nua ou indiferença. 

Será o mundo moderno realmente secular? Se compararmos o conceito de Culianu do estado organizado pelo mágico com o modelo do Grande Manipulador de Bruno e a sociedade em nossa volta, nós podemos ver semelhanças gritantes. O poder é exercido através do controle da imaginação, e a sociedade é meramente uma rede. Não é um acidente que na atualidade o conceito da sociedade conectada tenha surgido e se tornado quase de uso comum não apenas na comunidade científica específica, mas ainda, surpreendentemente, que a sociologia moderna utilize a mesma linguagem do tratado mágico de Bruno.  

No mundo moderno, o controle sobre a imaginação é exercido através da mídia audiovisual, televisão, cinema, internet e jogos de computadores de realidade virtual, propagandas sedutoras e onipresentes, e o emprego de milhões de imagens. A sociedade moderna é uma sociedade na qual o culto do egoísmo e da gratificação sensual reinam. E, é claro, a energia sexual é estimulada, sublimada e manipulada dessa maneira na sociedade que é permeada por sensualidade e sexualidade, uma sociedade que grita sobre si mesma e estabelece o egoísmo como norma social. Essa é uma sociedade de frenesi inexplicável, o triunfo da corrupção do espírito e da carne – a completa mudança de foco para o mero lado carnal da vida que é racionalizado e logicamente explicado na conceituação de Giordano Bruno. 

Portanto, por boas razões a sociedade moderna pode ser chamada de sociedade mágica, ou a sociedade do Grande Manipulador, se nós conectarmos a posição e as conclusões de Giordano Bruno, os dados da sociologia moderna, e uma simples observação da realidade social à nossa volta. Isso é uma coincidência? Talvez haja uma ligação direta entre a situação atual e o trabalho de Giordano Bruno. Talvez o trabalho de Bruno seja um sintoma claro da trajetória geral que percorre o espírito ocidental. Permanece o fato de que essa figura, como filósofo e mágico, tem tradicionalmente atraído a atenção de todas as organizações ocultistas do Ocidente, que, por sua vez, reivindicando o mais alto conhecimento, também reivindicam poder. 

19/08/2016

Expondo os Crimes contra a Humanidade de Hillary Clinton na América Latina

por Katehon



A carta latino-americana é um dos trunfos de Clinton na campanha presidencial. Como candidata, ela desfruta do apoio exclusivo de imigrantes latino-americanos vivendo nos EUA. Ela promete suavizar condições para imigrantes e não busca construir um muro na fronteira com o México, diferente das promessas de campanha feitas por Donald Trump. Mas ela realmente merece o apoio hispânico? Para responder a essa questão, é necessário olhar para as ações prévias da sra. Clinton na América Latina.

Pelo menos como Secretária de Estado dos EUA, ela pode ter melhorado relações com a América Latina, mas uma verificação mostra o contrário: Hillary Clinton foi uma firme apoiadora do imperialismo americano mais radical. Golpes bem sucedidos e falhos, esquadrões de extermínio, guerras de traficantes e desestabilização de países inteiros, colaboração com políticos corruptos, e guerra de informação contra o povo latino-americano, são os legados de Clinton na região.

Apoio a esquadrões de extermínio na Colômbia

A família Clinton tem uma longa história de apoio a regimes pró-americanos na Colômbia. Um dos últimos passos da administração Bill Clinton foi dar uma ajuda de 1.3 bilhão de dólares principalmente para as forças armadas colombianas. "A interpretação permitia à administração se esquivar inteiramente de qualquer garantia de condições humanitárias em relação à ajuda", como os jornalistas americanos Alexander Cockburn and Jeffrey St. Clair escreveram sobre o tema. Assim, segundo eles, fundos americanos foram diretamente para as mãos de infames esquadrões de extermínio, engajados em operações contra inimigos políticos de regimes pró-americanos.

Hillary Clinton se posicionou contra o Acordo de Livre Comércio com a Colômbia, quando ela tentou ser indicada pela primeira vez à candidatura presidencial pelo Partido Democrata em 2008, mas pouco depois de ela se tornar Secretária de Estado, ela reverteu sua posição e passou a apoiá-lo. Essa mudança coincidiu com um enorme fluxo financeiro para o fundo da família Clinton vindo de interesses empresariais colombianos e americanos. Para colombianos, a assinatura desse acordo significou a ampliação da exploração dos cidadãos por capitalistas estrangeiros que descobriram o mercado americano. Nos primeiros 10 meses da administração Santos na Colômbia, a qual foi recompensada por Clinton com o Acordo de Livre Comércio, 104 sindicalistas e ativistas de direitos humanos foram assassinados no país. Mais de 50 militantes de sindicatos foram assassinados por esquadrões de extermínio. Algumas fontes locais culparam corporações multinacionais dos EUA e Canadá por usarem gangues contra os trabalhadores (incluindo a Dole, Coca-Cola, Drummond Coal e Chiquita, anteriormente conhecida como United Fruit Company). Tudo isso ocorreu enquanto Hillary Clinton era a Secretária de Estado dos EUA, e a intensificação da repressão política e da exploração foi um resultado deliberado de sua política na Colômbia.

Apoio ao golpe hondurenho

Durante o período de Hillary Clinton em seu cargo ela apoiou o resultado do golpe militar em Honduras em 2009. Nesse levante militar, o presidente legítimo José Manuel Zelaya, que tentou aproximar seu país da Venezuela e para fora da esfera de influência dos EUA, foi derrubado. Tom Shannon, Secretário Assistente para Assuntos do Hemisfério Ocidenal do Departamento de Estado de Clinton esteve em Honduras uma semana antes do golpe, em reunião com grupos militares e civis depois envolvidos nele.

Nem o presidente Obama apoiou oficialmente o golpe hondurenho, mas Clinton o fez. O abuso sistemático de direitos humanos, a violência e a repressão a opositores foi o resultado óbvio do levante militar. Porém, Clinton saudou a eleição ilegítima de Porfirio Lobo, que havia endossado o golpe e recompensou golpistas com ministérios importantes, como um passo na direção da "democracia".

Como o jornal Nation aponta, a transição democrática em Honduras terminou com um resultado bastante previsível.

Há um mês, em 3 de março, a renomada ativista ambiental Berta Cáceres foi assassinada em sua casa por um pistoleiro desconhecido. Duas semanas depois, Nelson Garcia, membro do Conselho Cívico de Organizações Indígenas e Populares de Honduras (CCOIP), cofundado por Cáceres, foi executado por tiros. Desde então, milhares de hondurenhos tem protestado contra o que o programa Democracy Now tem descrito como uma "cultura de repressão e impunidade ligada ao apoio do governo hondurenho a interesses corporativos".

Os assassinatos puseram os programas governamentais americanos em Honduras sob um escrutínio cada vez maior e atraíram críticas por conta do apoio de Clinton ao golpe de 2009 enquanto ela era Secretária de Estado.

Guerras de traficantes no México

Quando Clinton era Secretária de Estado, os EUA ampliaram as vendas de armas ao governo mexicano para combater carteis do tráfico. Na verdade, a guerra contra o tráfico financiada pelos EUA se transformou em uma sangrenta guerra entre traficantes, que levou a uma drástica deterioração da situação no país. O México era um exemplo de como os EUA tentavam resolver seus problemas às custas de seus vizinhos, sem levar em consideração possíveis perdas que poderiam resultar de suas decisões. A venda de armas beneficiou empresas americanas. Clinton e Obama disseram aos americanos que eles estavam liderando uma guerra contra os carteis, mas como resultado a situação no México piorou. As tais guerras do tráfico já mataram mais de 100 mil pessoas desde 2006.

As autoridades mexicanas tem estado envolvidas em violações sistemáticas aos direitos humanos e Clinton sabia disso (como provado pelo WikiLeaks), mas apesar de as leis americanas proibirem vendas de armas para esse tipo de regime, ela aprovou essas vendas de armas e se gabou da cooperação militar.

Desestabilização da Venezuela

Sob Hillary Clinton como Secretária de Estado, os EUA continuaram sua política de sabotagem e guerra de informação contra a Venezuela. Enquanto ela saudava publicamente a melhora de relações entre os dois países, na verdade ela contribuiu para a desestabilização da república sul-americana. Ela insistia em deslegitimar a política do presidente Hugo Chávez. Documentos comprovam que Clinton estava interessada em "como botar um arreio em Chávez" e endossou a amplificação das atividades da BBG - Broadcasting Board of Governors (as estações Marti, Voice of America, Radio Free Europe, Radio Liberty, Radio Free Asia e a Middle East Boradcasting Networks) para combater os "inimigos americanos", entre os quais a Venezuela foi mencionada.

Documentos recentes da WikiLeaks revelam que Debbie Wasserman Schultz, congressista da Flórida e ex-presidente do Comitê Democrático Nacional, que fraudou as primárias democratas em favor de Hillary Clinton, patrocinou sanções contra a Venezuela, apesar da situação econômica difícil no país.

Tentativa de golpe na Bolívia

Clinton conseguiu piorar as relações com a Bolívia, apesar de elas já estarem ruins sob a administração republicana anterior. Em 2009, quando ela se tornou Secretária de Estado, o presidente Morales expulsou o embaixador americano do país por apoiar uma conspiração liderada pela oposição contra ele. Durante essa época, Hillary Clinton acusou Morales de "propagar medo". Mais tarde, em 2010, Chelsea Manning revelou que a conspiração do governo americano para assassinar o presidente boliviano Evo Morales e orquestrar um golpe realmente existiu. Essa informação foi publicada no livro "The WikiLeak Files: The World According to US Empire".

Tentativa de golpe no Equador

Em 2010 um golpe de Estado foi tentado no Equador. Unidades da Polícia Nacional tentaram derrubar o presidente Rafael Correa. Um ano antes as autoridades equatorianas protestaram contra a influência potencial dos EUA sobre indicações dos principais cargos policiais do Equador. A advogada americana Eva Golinger afirmou que a tentativa de golpe foi planejada pelos EUA. Ela revelou que apesar das palavras de apoio, os EUA sob Obama e Clinton continuaram a política de desestabilizar os países da ALBA, liderada pela Venezuela. Seu propósito era destruir qualquer alternativa à hegemonia americana no Hemisfério Ocidental.

Mudança de regime no Paraguai

No Paraguai, o presidente Fernando Lugo foi derrubado por um impeachment em 2012 através do que ele e outros líderes latino-americanos chamaram de um "golpe parlamentar", no qual os EUA reconheceram a mudança ilegítima de presidente por meios extraconstitucionais. O Departamento de Estado de Clinton foi exposto pelo WikiLeaks como estando, no mínimo, informados sobre os preparativos para uma tentativa de golpe. O reformista Lugo sempre foi percebido pelos EUA com suspeitas.

Influências sobre Brasil e Argentina

Ao mesmo tempo que apoiava ou orquestrava diretamente mudanças de regime em países latino-americanos pequenos ou médios, Clinton explorou uma atitude mais delicada em relação a dois gigantes, Brasil e Argentina. Ela tentou engajar o Brasil em projetos comuns e estabelecer relações pessoais com a presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, ela tentou afastar Brasil e Venezuela, afirmando o quanto ela gostaria que a Venezuela "olhasse mais para o seu sul, para o Brasil, para o Chile e outros modelos de países de sucesso". Em relação à presidente argentina Cristina Elisabet Fernández de Kirchner, Clinton defendeu a reaproximação entre os países, confessando em privado, porém, que ela a considerava deficiente mental, e perguntando como ela poderia ser emocionalmente influenciada.

Imperialismo Básico

A política de Hillary Clinton em relação a América Latina sempre foi agressiva e imperialista, e esteve marcada por números sem precedentes de tentativas de golpes e outras atividades subversivas. Não há evidência de que ela esteja disposta a mudar de opinião ou atitude. Ela tratou a região como "quintal" dos EUA, onde a única potência dominante deve ser os EUA. Durante seu período no cargo, Hillary Clinton foi uma das apoiadores mais entusiásticas do Acordo de Associação Transpacífico. A essência do acordo já assinado por três países latino-americanos, Chile, Peru e México, é a criação de uma estrutura megacorporativa supranacional, que subordinaria as nações individuais ao controle de corporações transnacionais. Hoje, ela afirma se opôr a ele, mas sabendo como Hillary tratou suas promessas anteriores, nós podemos assumir como ela tratará um acordo benéfico a grandes empresas. Assim, a escravidão econômica se tornará mais uma característica das atitudes de Clinton perante a América Latina. Presidentes pró-americanos da Argentina e do Brasil, Macri e Temer, já estão prontos para abraçar essa agenda, e após estes gigantes econômicos serem tomados, outras economias não terão escapatória. Donald Trump pode estar falando coisas confusas sobre os mexicanos, mas pelo menos ele sempre se opôs a esses planos e declara abertamente sua oposição ao globalismo e ao TPP.

11/08/2016

Alain de Benoist - Sete Teses sobre o Terceiro Mundo

por Alain de Benoist



Primeira - O Terceiro Mundo é uma expressão equívoca que deve ser usada com precaução. Designa uma realidade fundamentalmente heterogênea. A definição que se tem dado mais frequentemente dela é de ordem econômica: o Terceiro Mundo estaria formado pelo conjunto dos países pobres, por oposição ao mundo desenvolvido. Mas pode-se também dar uma definição política do Terceiro Mundo. Este reagruparia o conjunto de países potencialmente não-alinhados com as superpotências. Neste sentido, a Europa também formaria parte do Terceiro Mundo.

Segunda - Frente ao Terceiro Mundo (no sentido clássico), a Europa não é culpável de forma particular. Economicamente, a colonização não foi um "bom negócio". Ela tampouco explica o desenvolvimento dos países ocidentais, assim como tampouco explica o subdesenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. A responsabilidade da "aculturação" produzida pela colonização não corresponde à Europa, mas a uma ideologia universalista que o Ocidente adotou em um momento específico de sua história e que foi a primeira em sofrer. A colonização é uma página definitivamente liquidada de nossa história. Não há razão para ter, em relação a ela, rancor, culpabilidade ou nostalgia.

Terceira - A aproximação puramente economicista dos problemas do Terceiro Mundo é errônea. Reduz excessivamente o problema: vinculada com a ideologia do "progresso", ela mascara em realidade uma nova forma de colonialismo. Propor aos países do Terceiro Mundo, para compensar seu "atraso", que adotem o modelo ocidental de desenvolvimento, equivale a tomar deles sua identidade, a transformá-los em ocidentais de segunda categoria e, finalmente, a condená-los a um subdesenvolvimento real permanente. A ajuda ao Terceiro Mundo não tem sentido mais que tender a criar in situ condições de desenvolvimento, respeitando as especificidades coletivas e as culturas diferenciadas. O Terceiro Mundo deve ser ajudado a se ajudar, principalmente pela criação de grandes zonas de desenvolvimento "autocentrado". A realização desse objetivo implica o abandono dos esquemas marxistas e liberais dominantes, e a revisão da dogmática do livre-comércio internacional. A produção dos países do Terceiro Mundo deve se orientar prioritariamente, não para exportações destinadas a satisfazer a demanda do "mercado mundial", mas à satisfação da demanda interior.

Quarta - A pobreza dos países do Terceiro Mundo, apresentada atualmente como uma situação de exceção, tem sido até uma época recente o estado normal de todos os países ocidentais. Essa pobreza, apesar de constituir a desdita do Terceiro Mundo, constitui também a oportunidade de não incidir nos mesmos erros que a Europa cometeu, e continua cometendo, sob a influência das ideologias universalistas ocidentais. Os países do Terceiro Mundo tem a sorte de possuir, em geral, sociedades orgânicas ainda vivas. Sem continuar necessariamente com formas tradicionais de existência, devem ser incitados a inventar formas próprias de acesso à modernidade. O Terceiro Mundo deve rechaçar o ideal de desenvolvimento à maneira ocidental e tentar por em marcha modelos originais de crescimento e modernização.

Quinta - A descolonização esta ainda por ser feita. Às formas antigas de domínio se sucederam outras formas novas de colonialismo. A dependência econômica e energética, principalmente, aliena a soberania política dos países do Terceiro Mundo, cujas estruturas sociais se encontram igualmente ameaçadas pela universalização do modo de vida ocidental. A Europa, a este respeito, não está em uma situação muito diferente. Os equilíbrios que a sociedade mercantilista destruiu no Terceiro Mundo, ela começou primeiramente quebrando no próprio seio da cultura europeia, onde se constituiu "sobre" e "mediante" a destruição dos modos de vida orgânicos enraizados. A descolonização, está ainda por se fazer em todas as partes do mundo, tanto no Terceiro Mundo como na Europa.

Sexta - O Terceiro Mundo é atualmente o único lugar onde se pode elaborar, realizar e provar novas formas políticas, quer dizer, formas de terceira via. Thomas Molnar constata com bastante razão: "Não consideramos até agora o Terceiro Mundo pelo que é e será, quer dizer, outro mundo, que não é nem será o Ocidente liberal democrático, nem o Oriente comunista". Unicamente o Terceiro Mundo deu, desde 1945, o exemplo de fórmulas políticas, econômicas e sociais diferentes. Sua debilidade econômica contrasta, nesse sentido, com seu poder político potencial. O Terceiro Mundo deve ser incitado a rechaçar tanto o socialismo marxista quanto o liberalismo ocidental. Frantz Fanon não estava equivocado ao dizer que "o Terceiro Mundo aparece atualmente, frente a Europa, como uma massa colossal cujo projeto deve ser tentar resolver os problemas aos quais a Europa não soube dar solução". O Terceiro Mundo representa uma oportunidade capital de sair do dilema leste-oeste, Oriente-Ocidente, e de preservar assim o futuro da diversidade coletiva humana.

Sétima - Unicamente a Europa tem interesse político no desenvolvimento do Terceiro Mundo. Nas condições geopolíticas presentes, todo país "não-alinhado" do Terceiro Mundo é um aliado potencial da Europa, cuja vocação frente às superpotências não pode ser outra que a de constituir uma "terceira via" e oferecer uma alternativa às ideologias dominantes. O "terceiromundismo" deve receber uma nova definição e um novo impulso. Muito mais que um dever moral ou um imperativo econômico, é para a Europa uma necessidade política vital. A ajuda europeia ao Terceiro Mundo deve ir prioritariamente para os países que rechaçam o alinhamento com os "grandes". Europa e Terceiro Mundo constituem, conjuntamente, potencialmente, uma terceira força. À ajuda econômica da Europa ao Terceiro Mundo deve corresponder uma ajuda política do Terceiro Mundo para a Europa. Os intelectuais de esquerda se voltavam ontem para o Terceiro Mundo para acelerar a decadência da cultura europeia. Nós nos voltamos hoje para ele para que nos ajude a salvá-la.




09/08/2016

Joseph Pearce - A Voz de um Profeta: Solzhenitsyn sobre a Crise Ucraniana

por Joseph Pearce



Aleksandr Solzhenitsyn foi muitas coisas. Um corajoso defensor da liberdade em uma era de totalitarismo. Um corajoso crítico do comunismo. Um corajoso crítico do Ocidente hedonista moderno. Um grande historiador. Um grande romancista. Ganhador do Prêmio Nobel. Um profeta.

Em relação a esta última característica, Solzhenitsyn profetizou, no auge do poder soviético, que ele viveria mais que a URSS e retornaria a sua nativa Rússia após o fim da União Soviética. Como costuma ocorrer com profetas, ele não foi levado a sério. Era assumido por todos os "especialistas" que o Império Soviético estava aqui para ficar e seria parte da paisagem geopolítica global pelo futuro próximo. Como a história demonstrou, o profeta estava certo e os especialistas errados.

Claramente vale a pena levar Solzhenitsyn a sério. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente do que em sua notável presciência em relação a atual crise na Ucrânia.

Tão cedo quanto 1968, durante a escrita do que posteriormente seria publicado como O Arquipélago Gulag, ele escreveu sobre seus medos de um futuro conflito entre Rússia e Ucrânia: "Me doi escrever isso porque Ucrânia e Rússia estão misturadas em meu sangue, em meu coração, e em meus pensamentos. Mas a larga experiência de contatos amistosos com ucranianos nos campos me mostrou o quão dolorosamente eles se ressentem. Nossa geração não escapará de pagar pelos erros de nossos pais".

Prevendo a ascenção do nacionalismo e suas reivindicações territoriais, Solzhenitsyn lamentava ser muito mais fácil "bater o pé e berrar Isto é meu!" do que buscar reconciliação e coexistência:

"Mesmo que seja surpreendente, a previsão doutrinária marxista de que o nacionalismo estava desaparecendo não se concretizou. Ao contrário, em uma era de pesquisa nuclear e cibernética, ele por alguma razão floresceu. E está chegando o momento, queiremos ou não, de pagar as notas promissórias da autodeterminação e da independência; façamos isso nós mesmos ao invés de esperar para sermos queimados na fogueira, afogados em um rio ou decapiados. Devemos provar se somos uma grande nação não com a vastidão de nosso território ou pelo número de povos, mas pela grandiosidade de nossos feitos".


A Rússia deveria se satisfazer com "lavrar o que permanecerá depois que as terras que não quiserem mais permanecer conosco se separarem". No caso da Ucrânia, Solzhenitsyn previu que "as coisas serão bastante dolorosas". Era necessário, porém, que os russos "entendessem o grau de tensão" que os ucranianos sentem.


Com sua constumeira compreensão da história, ele lamentava que havia se provado impossível ao longo dos séculos resolver as diferenças entre o povo russo e o ucraniano, tornando necessário para os russos "demonstrar bom senso": "Devemos conceder o poder de decisão a eles: federalistas ou separatistas, não importa quem vença. Não concedê-lo seria insano e cruel. Quanto mais lenientes, pacientes e coerentes sejamos agora, mais esperança haverá de restaurar a unidade no futuro".

A maior dificuldade surgia da própria mistura étnica na Ucrânia onde, em diferentes regiões do país, havia diferentes proporções daqueles que se consideravam ucranianos, daqueles que se consideravam russos e daqueles que não se consideravam uma coisa ou outra. "Talvez será necessário organizar um referendo em cada região e garantir tratamento preferencial e delicado daqueles que queiram sair". Para que isso ocorra, a Ucrânia precisará mostrar o mesmo bom senso em relação às regiões em que russos predominem quanto a Rússia precisava mostrar à Ucrânia como um todo. Isso era especialmente necessário por causa da natureza arbitrária da área designada como pertencendo à Ucrânia: "Não é toda a Ucrânia em suas fronteiras formais soviéticas que é de fato Ucrânia. Algumas regiões tendem claramente em direção a Rússia. Quanto a Crimeia, a decisão de Kruschev de entregá-la à Ucrânia foi totalmente arbitrária". A maneira com que os ucranianos étnicos tratassem os russos étnicos dentro dessas fronteiras majoritariamente arbitrárias "serviria como teste": "enquanto demandam justiça para si mesmos, quão justos os ucranianos serão para com os russos dos Cárpatos?"

Alguns anos depois, em abril de 1981, Solzhenitsyn escreveu uma carta para a conferência de Toronto sobre relações russo-ucranianas na qual ele escreveu que "o problema russo-ucraniano é uma das maiores questões e, certamente, de importância crucial para nossos povos". O problema era, porém, exacerbado pela "paixão incendiária e pelas temperaturas escaldantes resultantes" que eram "perniciosas": "Eu tenho repetidamente afirmado e estou reiterando aqui e agora que ninguém pode ser retido pela força, nenhum dos antagonistas deve recorrer à coerção em relação ao outro lado ou em relação ao próprio lado, ao povo como um todo ou a qualquer minoria que ele abarque, pois cada minoria contém, por sua vez, sua própria minoria".

Seguindo os princípios da subsidiariedade que sempre animou seu pensamento político, Solzhenitsyn insistia nos direitos das localidades determinarem seus próprios destinos, livres da força coercitiva de governos centrais alienígenas e alienadores, fosse este governo Moscou ou Kiev: "Em todos os casos a opinião local deve ser identificada e implementada. Portanto, todas as questões podem ser verdadeiramente resolvidas apenas pela população local..." Enquanto isso, a "dura intolerância" que animava extremistas dos dois lados da linha étnica seria fatal para ambas as nações e só seria benéfica para seus inimigos".

Em 1990, em sua revolucionária obra, Reconstruindo a Rússia, Solzhenitsyn profetizou o perigo inerente na composição étnica da Ucrânia:

"Separar a Ucrânia hoje significa cortar através de milhões de famílias e pessoas: simplesmente considere quão misturada é a população; há regiões inteiras com uma população predominantemente russa; quantas pessoas haverá que consideram difícil escolher a qual das duas nacionalidades eles pertencem; quantas pessoas são de origem mista; quantos casamentos mistos há (aliás, ninguém pensou até agora neles como mistos".


Apesar de Solzhenitsyn temer as consequências de uma Ucrânia independente, ele respeitava o direito do povo ucraniano se separar, um direito que eles exerceram conforme a antiga URSS se desmontou. Reiterando seus princípios subsidiaristas ele insistia sempre que "somente a população local pode decidir o destino de sua localidade, de sua região, enquanto cada minoria étnica recém-formada naquele localidade deve ser tratada com a mesma não-violência".


Hoje, quase seis anos após sua morte, a posição de Solzhenitsyn ainda é a únida solução sã e segura para a crise ucraniana. Aquelas regiões da Ucrânia oriental que quiserem se separar do oeste do país devem poder fazê-lo. Já há duas nações de facto. Faz sentido, então, que essa realidade de facto deva ser honrada com status de jure. Qualquer outra solução sugerida não só é injusta como levará a ainda maiores injustiças sob a forma de guerra, terrorismo e ódio. Nisto, como em muitas outras coisas, a voz do profeta deve ser ouvida. 


07/08/2016

Mogens Gallardo - Ecologia Profunda

por Mogens Gallardo



Os movimentos ambientais modernos incluem uma diversidade de filosofias fundamentais. Algumas tem, atualmente, influência maior, enquanto outras estão em suas infâncias:

* Os conservacionistas, uma das filosofias antigas dos movimentos ambientais. O ambiente e a natureza devem ser usados e protegidos ao mesmo tempo. Por isso, se baseia em uma visão antropocêntrica e a natureza não tem direitos para além de servir aos interesses dos seres humanos.

* Os preservacionistas, do século XIX. A natureza existe para ser desfrutada e deve, portanto, ser preservada e protegida para nosso agrado futuro. Novamente, se baseia em premissas antropocêntricas, sua utilidade é somente como benefício para o ser humano, ainda que com fins mais benignos.

* Ecologia social e ecofeminismo, ambos só recentemente definidos e até agora não resultaram em instituições sem fins de lucro. Ao contrário, passaram a formar parte de outros movimentos ambientais. Depositam grande valor no ser humano e sua existência, mas reconhecem a característica única da natureza. Solucionariam os conflitos ambientais conciliando os conflitos nas relações humanas.

* Ecologia superficial ou reformista, a luta a contaminação e a diminuição ou desaparecimento de recursos, pois se tem como objetivo central proteger a saúde e as condições de vida dos habitantes dos países desenvolvidos.

A Ecologia Profunda

Estabelecida por Arne Naess, como termo e sem intenções de que se transformasse em uma ideologia de alcance tão longo. Não propôs algo realmente novo, mas sim algo que gera uma visão integrada de vários conceitos. Se estabelecem fundamentações basais, segundo Naess:

1 - O rechaço de que o ser humano seja apenas um organismo no ambiente, ao contrário estabelecendo a imagem de relação total integrada.

2 - A igualdade biocêntrica, todas as coisas naturais, os ecossistemas, a vida, as paisagens, os solos, montanhas, etc., todos tem um direito intrínseco a existir. A presença desse valor é independente de qualquer consciência, interesse ou apreciação de um ser consciente.

3 - A autorrealização e a diversidade de formas, sejam organismos, comunidades, ecossistemas, paisagens, etc., ou no âmbito humano: os direitos humanos, formas de vida, culturas, igualdade dos sexos, luta contra invasão e dominações de tipo cultural, econômicas e militares, etc.

Segundo Bill Devall, existem duas grandes linhas de ambientalismo na atualidade:

* Os ambientalistas reformistas, que buscam controlar o pior da contaminação aérea, aquática e os usos ineficientes de solos nos países industrializados e salvar alguns pedaços que ficam de natureza como "áreas designadas como reservas naturais".

* Os "ecologistas profundos", apoiam algumas das mesmas metas que os reformistas, mas são revolucionários no sentido de que buscam uma nova cosmovisão.

Se denominam também ecopsicologia, ecologia fundacional, ecologia radical ou ecologia revolucionária, mas pelas associações que alguns termos trazem, se prefere "ecologia profunda".

Ambas são reações aos êxitos e fracassos do paradigma social dominante.

Um paradigma é uma breve descrição de uma cosmovisão, uma coleção de valores, crenças, hábitos e normas que formam o marco de referência da generalidade das pessoas que compartilham um país, uma religião ou uma classe social.

"Um paradigma social dominante é uma imagem mental da realidade social que guia as expectativas em uma sociedade".

Nos EUA e consequentemente no Chile o paradigma dominante inclui a crença no "crescimento econômico", medida pelo "Produto Nacional Bruto", como medidor de progresso. A crença de que a meta principal do governo das nações, depois da defesa, é criar as condições que aumentarão a produção de comodidades e que assim atenderá aos desejos materiais dos cidadãos, junto com a crença de que a "tecnologia solucionará os problemas". A Natureza neste paradigma é só um armazém de recursos que deveria ser "desenvolvido" para satisfazer as necessidades crescentes de um número crescente de habitantes. O novo tem precedência sobre o velho. A meta das pessoas é a satisfação pessoal de necessidades e um padrão de vida mais alto mensurado através da posse de comodidades (carros, casas, etc.)

Para alguns autores, este paradigma deriva de origens judaico-cristãs, do homem vs a natureza, do homem em guerra com a natureza. Para outros se deve à estrutura do capitalismo ou derivado de Locke, em cuja visão a propriedade deve ser "melhorada" para torná-la mais valiosa para o "dono" e a sociedade.

Para outros é o derivado do "cientificismo" do Ocidente moderno, fazendo referência à técnica de dominação.

A Ecologia Profunda tem como premissa uma integração total da pessoa-em-natureza. Não está nem por cima, nem fora da natureza. É uma parte íntegra da criação em movimento. Uma pessoa respeita, cuida e mostra reverência pela natureza, respeito pela natureza não-humana, deixa que a natureza não-humana siga destinos evolutivos separados. Por isso, a diferença dos reformistas, não é um movimento pragmático, mas questiona e apresenta alternativas às formas convencionais de pensamento ocidental moderno. Entende que algumas das "soluções" dos reformistas são contraproducentes e busca, por isso, a transformação de valores e organização social.

O maior influxo veio das culturas orientais, do espiritualismo oriental, através de Alan Watts, Daisetz Suzuki. Estas lhe transmitiram uma visão radicalmente distinta do homem/natureza. Influente foi, também, o ecofilósofo Gary Snyder.

Começou-se a realizar comparações e paralelos entre tradições filosóficas relacionadas com a ciência, tecnologia e relações homem/natureza:

* Tao da Física, Fritjof Capra, fazendo um paralelo entre as filosofias orientais e a ciência física moderna.

* Joseph Needham, Ciência e Tecnologia na China, que pôs em evidência o alto nível de ciência, tecnologia e civilização alcançada pelo Oriente por milênios, dando um enfoque alternativo à ciência e aos valores humanos.

* Trabalhos de Huston Smith e outros ressaltaram a crise ambiental e a relacionaram com os valores dominantes no paradigma ocidental, e por isso olharam para as filosofias orientais como guias religioso-espirituais.

Segundo influxo:

A reavaliação das culturas nativas, de índios americanos, não como "nobres selvagens", mas objetivamente sob uma lupa comparativa, analítica e crítica. Como eles agiam perante mudanças ambientais e inovações tecnológicas. As realidades "separadas" eram o que aos olhos dos nativos? Carlos Castañeda e sua experiência demonstram que intelectuais ocidentais estão quase completamente despreparados para compreender tradições esotéricas. A visão de nativos americanos contrasta de forma notável com o paradigma ocidental, como exemplo, uma citação de Luther Urso Parado, um sioux oglala: "Nós não pensávamos que as grandes planícies, nem que as amplas colinas, nem que os sinuosos esteiros emaranhados com crescimento eram "selvagens". Só para o homem branco a natureza era 'selvagem', só para ele a terra estava 'infestada' de animais e pessoas 'selvagens'. Para nós, ela era domesticada. A Terra era frutífera e estávamos rodeados pelas bênçãos do Grande Mistério. Não foi até que o homem peludo chegou do leste, que com sua loucura gerou injustiças sobre nós e nossas famílias, que ela se tornou 'selvagem'. Quando até os animais dos bosques começaram a fugir diante dele, foi aí que começou o 'Oeste Selvagem'."

Terceiro influxo:

A "Tradição Minorista" de setores religiosos e filosóficos ocidentais, como Spinoza, Leopold, Muir, Teofrasto, São Francisco de Assis, etc., que defendiam um entrelaçamento indissolúvel entre Deus-Natureza-Homem. Alguns autores influentes veem o filósofo Spinoza como o criador de uma ética de igualdade biosférica.

Quarto influxo:

A ecologia, mas mais como perspectiva, e não como ciência. Portanto, não tem funções de remediadores, postura que é muito próxima a de um engenheiro ambiental, função rechaçada pelos ecologistas profundos, mas como subversivos em suas perspectivas, líderes intelectuais como Aldo Leopold desafiam as maiores premissas do paradigma social dominante.

Último influxo:

Artistas que se contrapuseram à arte pop, ao minimalismo e às artes conceituais, como Ansel Adams, Morris Graves e Larry Gray. Mostram uma clareza e objetividade em suas visões da natureza.

Portanto, a Ecologia Profunda propugna por:

1 - Uma nova metafísica cósmica/ecológica que ponha ênfase na identidade dos humanos com a natureza não-humana como única maneira viável de estabelecer uma ecofilosofia. A igualdade biológica. Se demanda uma aproximação objetiva da natureza.

2 - Uma nova psicologia que possa integrar a metafísica na mente da sociedade pós-industrial.

3 - Que haja uma base objetiva para o ambientalismo, mas não baseada na estreita concepção analítica do método científico dominante na atualidade. Baseando-se na sabedoria antiga e na perspectiva antiga da ciência como contempladora do cosmo e ampliadora do conhecimento de si mesmo e da criação.

4 - Que há uma sabedoria intrínseca nos processos naturais não perturbados por ações humanas.

5 - Que nem a qualidade, nem o bem-estar humanos devem ser mensurados com base na quantidade de produtos. A tecnologia deveria passar a ser um meio adequado ao bem-estar humano, não como fim em si mesmo.

6 - Que se deve determinar o nível óptimo de carga do planeta, da biosfera, de setores específicos, etc. Uma redução drástica do crescimento demográfico deveria ser realizado através de métodos humanos de controle de natalidade.

7 - Que a economia deve estar subordinada a critérios ético-ecológicos. A economia deve passar a ser uma subárea da ecologia.

8 - Que a sociedade industrial não é algo que toda sociedade deva necessariamente tratar de alcançar e imitar.

9 - Que a diversidade é desejável culturalmente e como fundamento de saúde e estabilidade nos ecossistemas.

10 - Que é necessária uma tendência rápida rumo a métodos "suaves" de geração de energia e de utilização de tecnologias "adequadas". Portanto, uma redução drástica do consumo energético em países desenvolvidos e incrementar energia "adequada" em países subdesenvolvidos.

11 - Que a educação deve fomentar como objetivo principal o desenvolvimento espiritual e da personalidade dos membros de uma comunidade.

12 - Que deve haver mais ócio sob a forma de contemplação das artes plásticas, das danças, da música e das destrezas físicas como ponto de partida para o desenvolvimento pleno dos indivíduos e das realizações culturais.

13 - Que deve haver autonomia local e descentralização.

14 - Que setores da biosfera e do meio ambiente devem ser declarados fora de limites para a exploração industrial e para o assentamento humano em grande escala, até que se atinja uma economia estável e padrões sociais modificados.

Tabela de Resumo

PARADIGMA
DOMINANTE
ECOLOGIA
PROFUNDA
Dominação sobre a natureza
Em harmonia com a natureza
Ambiente natural como um recurso para os humanos
Toda a natureza tem valor intrínseco
Crescimiento material e econômico para uma população cresciente de humanos
Necessidades elegantemente simples
Crença em recursos e reservas amplas, ilimitadas
Reservas terrestres limitadas
Progresso e soluções de alta tecnologia
Tecnologia apropiada, ciência no-dominante
Consumismo
Viver con o que é suficiente/reciclagem/eficiência
Comunidade
centralizada/nações
Tradições minoritárias/biorregiões

02/08/2016

Franco Ferraresi - A Doutrina do Guerreiro

por Franco Ferraresi



O panorama de grupos que, de 1976 a 1981-82, se originaram na Itália, e especialmente Roma, de negra reputação, com inúmeros episódios de violência, greves, ataques, homicídios, assaltos, e até provavelmente massacres, não pode ser traçado aqui. Só é possível tentar indicar o impacto das doutrinas dos mentores intelectuais e as formulações dos grupos militantes. Uma tarefa extremamente complexa, já que esses grupos militantes geralmente se formavam espontaneamente, e eles espacam de todo enquadramento ideológico exato, pelo que é difícil marcar suas ações, a fronteira entre o ato político e o ato puramente criminoso (muito comumente, por exemplo, assaltos, no início organizados para financiar o movimento e ajudar camaradas em dificuldade, então se tornaram um instrumento de enriquecimento para os perpetradores). Sem mencionar a extrema fragmentação e dispersão de raros materiais documentais, ainda longe de serem conhecidos de maneira sistemática.

Por exemplo, e sem a pretensão de ser exaustivo, podemos indicar aqui as posições da Quex, o boletim informativo dos prisioneitos políticos de direita, publicado entre 1978 e 1981. Todos os seus editores, do momento em que escreveram, estavam encarcerados, alguns com penas bem graves, como é o caso do líder do grupo, sr. Tuti, condenado à perpétua pelo assassinato de dois policiais durante uma briga causada por sua prisão. A publicação expressa de maneira relativamente sistemática e continua os pontos de vista de uma corrente, a do "espontaneísmo armado", recusando por natureza desenvolver suas próprias ideias com uma plenitude que ultrapasse a de um panfleto ou documento interno.

Quex se situa explicitamente na corrente Evola-Freda, a partir da qual ela reconhece o mérito fundamental de ter determinado uma posição teórica capaz de levar à ação militante, os "objetivos da pequena guerra santa". O ponto de partida de sua teorização, a partir de então adquirida pela direita radical, é a recusa de todos os laços estruturais. Para o homem diferenciado, para aquele que quer ser capaz de "cavalgar o tigre", a única possibilidade é a de "se misturar na sociedade, mas reagindo quando sua honra e dignidade o demandam, ou seja...sempre. Ações desse tipo são perfeitamente possíveis mesmo que sejam conduzidas por militantes isolados ou 'grupúsculos informais' de 2 ou 3 camaradas; eles podem, por um fenômeno espontâneo, se expandir continuamente". É precisamente a carência nos planos materiais e organizacionais que constitui a premissa da luta espontânea: "Espontaneidade! Essa é a palavra de ordem sendo lançada pela vanguarda aos seus camaradas".

A ação exemplar é o resultado natural da espontaneidade; ela se distingue tanto do terrorismo (já que ela é aberta e concentra a atenção de todos sobre o grupo que a realizou) quanto do gesto do anarquista (porque "ela não é feita para satisfazer as demandas libertinas da parte do militante, que não devem existir"): isso para não mencionar a estratégia leninista e gramscista cuja essência é o "trabalho da formiga" (fazendo referência à fábula). A escolha da ação exemplar deriva dos cânones de natureza existencial antes da política: "Não é ao poder que aspiramos, nem, necessariamente, à criação de uma nova ordem... É a luta que nos interessa, é a ação em si, o combate diário pela afirmação de nossa própria natureza".

Este é o ponto decisivo: a ação desprovida de referências precisas a um objetivo específico corresponde a um topos clássico da ética guerreira que os militantes revolucionários permanentemente reivindicavam. Uma vez mais, a referência fundamental vem da obra de Evola, cujos ensinamentos na matéria foram destilados e condensados em um texto de 1940 que, reimpresso por Freda em 1970 e 1977, constitui um tipo de breviário místico-ascético do soldado político. Esse escrito começa com a afirmação de que o contraste entre ação e contemplação, típico da civilização ocidental, era desconhecido para os antigos arianos, para quem a ação poderia ser o instrumento de realização espiritual, ou seja capaz de empurrar o homem para além de seu condicionamento individual e envolvê-lo em uma realidade sobrenatural. Guerra, é claro, na categoria de ação, corresponde a um conflito eterno de forças metafísicas: por um lado, o princípio olímpico da luz, a realidade solar e urânica, pelo outro, a violência em seu estado cru, o elemento titânico-telúrico, bárbaro no sentido clássico, feminino, demoníaco. Este é o pensamento de Evola. Seus discípulos o ecoam: "Para nós, ser legionário significa ser soldado das forças luminosas contra tudo que é telurismo e caos. Assim, a luta para o legionário não é uma ação exclusivamente material, mas essencialmente espiritual". Na tradição antiga, a guerra e o caminho do divino se fundiam em uma única entidade. Isso se aplica ao mundo nórdico-germânico, onde o Valhalla é o assento da imortalidade eminente reservada aos herois cáidos no campo de batalha. "Sacrifício algum agrada Odin-Wotan, senhor de Valhalla, tanto quanto o oferecido pelo homem que morre em combate". Neste ponto, ousso tema: "O legionário claramente percebe seu próprio ser na Morte Heroica... Ele sempre teve em seu coração o pensamento da morte, de modo a estar pronto a qualquer instante para embarcar serenamente com ele na viagem triunfal para o Valhalla... o Reino dos Herois". Estes conceitos, segundo Evola, também constitui o núcleo de tradição islâmica na teoria da guerra dupla: a "menor", material, travada contra o inimigo ou infiel (neste caso, chamada "pequena guerra santa"), e a "grande guerra santa", de ordem interna ou espiritual, a luta do elemento sobre-humano do homem contra tudo que é instintivo, fervoroso, sujeito às forças da natureza. A essência dessa concepção, segundo Evola, está na visão da "pequena" guerra como meio de realizar, em perfeita simultaneidade, a grande: é por isso que "guerra santa" e "o caminho divino", jihad, são muitas vezes usados como sinônimos. O eco dessa ideia no Quex é literal: "A essência da ação legionária deve remeter ao par pequena guerra santa/grande guerra santa... Assim, isso estabelecerá que tipo de ação se adequa de maneira funcional e contemporânea à pequena e grande guerra santa".

Finalmente, a tradição indo-ariana do Bhagavad-Gita, onde o deus Krishna condena como covardia os escrúpulos humanitários que impedem o guerreiro Arjuna de descer ao campo de tabalha: o dever de lutar tem suas origens no juízo divino, que ignora toda necessidade terrena, da mesma maneira, a ação heroica deve ser realizada por si própria, para além de motivações contingentes, de toda paixão, de toda utilidade vulgar. "Na medida em que o guerreiro é capaz de aginr em pureza e absolutismo... ele rompe as correntes da humanidade, ele evoca o divino como força metafísica". Do Bhagavad-Gita, passando por Evola, ao Quex, "a ação é feita por si mesma e pela pureza que aquele que a realiza possui, ignorando sua utilidade ou inutilidade para os fins da estratégia global".

Exercícios inofensivos dos adeptos do esoterismo? Devemos duvidar disso se considerarmos a totalidade de condenações acumuladas pelos editores do Quex. O problema se parece a qualquer outro: verificar que estes mitos e conceitos, reproduzidos por um pequeno número de indivíduos possuindo uma inclinação particular à reflexão doutrinária (estando separados da ação por conta de força maior...) constituem um legado real para militantes ativos na base. Infelizmente, o ainda pequeno grau de nosso conhecimento sobre essas figuras não nos permite dar uma resposta satisfatória a esta questão neste momento.


01/08/2016

Ernst Niekisch - Por uma Política Revolucionária

por Ernst Niekisch

(1926)



"Mas isto tendo sido dito: Se assinarmos esta paz, nós estaremos sob a coação da força. Em nosso coração dos corações, discordamos dessa paz". - Vorwärts, 8 de maio de 1919

A política alemã é tal que não se pode ter outos objetivos que a reconquista da independência nacional, a ruptura dos grilhões impostos, a reconstituição de uma influência global relevante. Desdea perspectiva alemã, naturalmente nossa, não há nada mais importante que esses objetivos. Toda nossa política doméstica, social, econômica e cultural deve receber este impulso, sua linha geral e o espírito que a domina. O sentimento dessa necessidade está perto de se tornar onipresente!

Quantas vezes, ao deixarmos as preocupações da política doméstica dominar, nossa política externa foi deixada fora de nosso campo de visão. Há "grandes" jornais alemães que quase nunca falam em política externa, como se isso a tornasse parte das banalidades de nossa existência nacional. Em contraste, cada atraso na modificação da tabuleta do Tesouro Público, que continua no estilo monarquista, os preocupa em outra medida. Sem uma palavra a dizer, nem um pouco incomodados, não tendo a consciência silenciosa, eles se despojam do jogo da política global, por conta de nossa fraqueza, impondo a nós incontáveis humilhações, injustiças e investidas perigosas contra o futuro do Reich. Assim, grandes seções de nosso povo buscam pela causa de seu infortúnio exclusivamente dentro da situação doméstica. Eles esperam que será suficiente substituir algum alto funcionário, dissolver uma organização secreta, modificar uma tarifa de importação diferente, reduzir taxas alfandegárias, convocar ou dissolver o Reichstag, organizar novas eleições, que tudo vai mudar no interior do país. Eles ignoram o conteúdo do Tratado de Paz. Eles não sabem que o comissário a cargo das reparações é o homem mais poderoso na Alemanha, que nossas ferrovias e dinheiro estão em suas mãos. Eles não tem a ideia de expor o peso que nos esmaga e eles não entendem que o Plano Dawes, finalmente, é uma questão que afeta os salários dos alemães. O padrão de vida do trabalhador alemão é reduzido na medida em que pagamos as obrigações do Plano Dawes. O custo de vida para o trabalhador, de uma parte, e a Convenção Dawes além do Tratado de Versalhes, de outra parte, são incompatíveis. Rasgar esses tratados, revogar as obrigações que eles impõem, romper com os compromissos seria a única política alemã que salvaria o trabalhador de uma subjugação irremediável. Neste ponto, as necessidades do trabalhador e os interesses da nação coincidem: se ela ousar lutar por seu espaço vital e sua liberdade, ela liderará, ao mesmo tempo, a batlaha pela libertação de toda a nação. A missão nacional confiada a nós e a forma pela qual ela será realizada dependerá de seu futuro social e posição política.

Ninguém, nem mesmo em caso de loucura, pode, neste momento, visualizar a luta aberta. Isso demandaria táticas razoáveis das quais não dispomos. Mas nós poderíamos também lucrar com as vantagens de conjunturas globais, que nos são proibidas. É conveniente ter paciência. Não obstante, nós não devemos cair em uma paciência inativa, uma paciência de relaxamento e desmoralização. Nós devemos nos preparar para as grandes tarefas: morais, organizacionais e outras. A questão é saber se temos fôlego suficiente, se persistiremos, aguentaremos, se não nos acomodaremos preguiçosamente a nosso destino, se nós não aceitaremos frouxamente os fatos. Somos fortes, perseverantes, convictos na defesa de nossa causa, nossa fé, nosso futuro contra um mundo hostil e poderoso em excesso, mesmo que pareça absurdo, impossível e desvantajoso assumir essa missão? Vamos nos opôr com vontade inflexível, um espírito de resistência inabalável ao ataque de potências estrangeiras, despóticas, pretensiosas, violentas e intolerantes, se gabando de vitórias adquiridas sem combate? Se nós conservarmos infalivelmente essa vontade e este espírito, nós só permaneceremos em nossa situação impotente atual por um período que superaremos, que não vai nos derrubar e o abandonaremos com coragem.

É verdade que a força e duração da resistência é determinada pelo fato de que se apreende na consciência, instintivamente ou com conhecimento de causa, as fontes profundas e vívidas que alimentam os poderes contra os quais essa resistência deve ser dirigida. É hora de compreender que uma das origens de nosso infortúnio é a espiritualidade ocidental, essa espiritualidade que, com seus traços "liberais" e alegres melodias "progressistas" foi até capaz de conquistar os trabalhadores. Fielmente, ela reproduz a imagem de mundo dos capitães industriais ingleses e dos financistas franceses, como se ela pudesse realmente ser a expressão e objetivo da existência, do milieu proletário e seus desejos. Ser ocidental significa: usar a palavra liberdade, para fazer fraudes; se declarar partidário da humanidade, para preparar o caminho para crimes; destruir povos por meio de apelos à paz. A Grã-Bretanha, a "livre" Inglaterra, estrangulou indianos e egípcios. A França, generosa e humana, envenenou marroquinos e sírios. Essas grandes nações nadam no sangue de povos escravizados por virtude da missão "civilizatória" que é a deles. A paz "justa" que a eminência ocidental Wilson prometeu, essa foi a paz ditada para nós em Versalhes.

Nós contribuímos para os objetivos dos Estados vitoriosos se continuarmos a dar refúgio e tolerar seu espírito. Nós carecemos de confiança em nós mesmos, a garantia soberania, de nos prepararmos para dar um golpe, se instalarmos em nossa terra os princípios deles. Nessas condições, as explicações carecem de paixões, grandeza histórica e profundidade simbólica. O debate não vai mais lidar com qualquer coisa essencial, significativa ou tocar questões profundas. A Rússia compreende isso bem, quando sua independência foi ameaçada pela sobrepujante supremacia ocidental: naquele mmento, ela rompeu com tudo que não era de origem russa, com a cultura, a economia, as regras políticas e sociais do Ocidente, com o seu pathos e força invisível. Na Alemanha, porém, a situação é muito diferente. Em nosso país, não só indivíduos mas partidos políticos inteiros são fascinados pelo espírito ocidental. Por um longo tempo, certos milieus capitalistas, particularmente os da grande burguesia, tem se entregado, de corpo e alma, ao Ocidente. outros pensam ser útil, por razões econômicas, ganhar sua confiança. Há não muito tempo, o professor Bonn disse: "O monopólio nacional não pode mais se garantir de rendas e investimentos de capital habituais. É então que eles fraternalmente oferecem sua mão direita através das fronteiras, onde havia estado o inimigo, eles gritam: 'esqueçam o passado!'. Para salvaguardar seu monopólio, eles se tornaram cosmopolitas. 'Nas salas de reunião e na projeção de propaganda já se percebe o cheiro da confraternização de povos'." Para preservar seus lucros, eles se alinharam contra seu próprio país e bajulam franceses, ingleses e americanas na caça por saques. Eles vendem o futuro da nação para obter uma "cota mais alta no mercado de ações". Os defensores de um acordo com o Ocidente, cujo objetivo é fazer da situação criada por Versalhes permanente, são, no interior de nosso país, os agentes e advogados de interesses inimigos. Alguém que queira feri-los não está fazendo política doméstica, mas externa. É necessário que consideremos e tratemos como corruptores da nação todos aqueles que, para terem sucesso nos negócios, favorecem o enfraquecimento do espírito de oposição ao Ocidente. Isso se aplica igualmente àqueles "alemães" que apoiam ativamente a execução do tratado, que teriam suas próprias razões (sobre as quais eles não falam), na mesma ocasião embolsando milhares de marcos. Eles estão longe de nós, eles são estrangeiros e inimigos como todos aqueles que, invocando Versalhes, ganham a vida. A revolta e resistência sem trégua contra eles e contra tudo que é ocidental, dentro e fora de nossas fronteiras, deve se tornar nossa atitude natural.

Certamente, isto é revolucionário. Mas não se deve deixar dúvidas: isto quer dizer, ou somos um povo revolucionário, ou atolaremos na lama, e deixaremos de ser um povo livre para sempre.