17/11/2016

Aleksander Dugin - O que acontece com a Europa?

por Aleksander Dugin



Para entendermos corretamente a natureza da crise atual precisamos fazer uma breve análise da situação. Sugiro três níveis: 

- Ideologicamente,

- Economicamente,

- Geopoliticamente.

A ideologia liberal é a fonte do problema

Ideologicamente o problema é o liberalismo como única ideologia imposta à Europa e ao resto da humanidade pelo mundo anglo-saxão. O liberalismo afirma somente a identidade individual e proíbe qualquer tipo de identidade coletiva ou orgânica. Então, passo a passo, o liberalismo nega a religião, a nação e a associação de gênero a fim de estabelecer um indivíduo completamente livre de qualquer tipo de holismo. O gênero é o núcleo do problema político porque os liberais insistem no caráter facultativo do gênero, um gênero como eleição individual (antes a luta estava próxima da religião como opção individual ou da nação como escolha individual). O outro ponto importante é a imigração. O liberalismo nega-se a reconhecer identidades religiosas ou culturais, assim como as de gênero: assim, um imigrante não é considerado como portador de uma identidade diferente, mas um indivíduo numérico e atomizado. O liberalismo destrói qualquer identidade coletiva. Logicamente o liberalismo destrói a identidade europeia (com a chamada tolerância e as teorias dos direitos humanos). Junto com a destruição intensiva da identidade sexual acelera o fim da sociedade como tal. O fim da Europa está garantido pelo próprio fato da aceitação do liberalismo como ideologia dominante.

O último passo no desenvolvimento do liberalismo será negar a identidade humana coletiva. Assim sendo bem vindos ao trans-humanismo. Essa é a agenda liberal para o amanhã.

O liberalismo é uma ideologia niilista. Ele insiste na liberdade de qualquer tipo de identidade, mas nunca sugere algo positivo. Na última competição com as ideologias totalitárias – o comunismo e o fascismo – o liberalismo era concreto e atrativo porque negava o totalitarismo concreto considerado como uma alternativa. De fato, foi uma alternativa. Mas quando os totalitarismos foram superados, a natureza niilista do liberalismo revelou-se. Ele só pode negar. Não pode afirmar nada. Não é a ideologia da liberdade positiva, é a ideologia da liberdade negativa. Antes não era tão explícito, agora é. 

O liberalismo se tornou totalitário. Você não tem liberdade de não ser liberal. Você deve ser liberal. Você pode optar por ser liberal de esquerda, liberal de direita, ou liberal de centro. Pode ser – em casos extremos – liberal de extrema-esquerda ou liberal de extrema-direita. Mas sempre é liberal. Se você é julgado pelos liberais como não liberal, você está acabado – etiquetado como extremista, terrorista e assim sucessivamente. Os liberais podem tolerar, mas só as pessoas tolerantes. Se você não é tolerante (no sentido liberal), você é intolerável. 

O que podemos fazer para opor-se ao liberalismo? No século XX houveram duas opções: o comunismo (socialismo) e o fascismo. Ambos fracassaram historicamente – política, filosófica, militar e economicamente. Agora existem como simulacros. São ou marginais ou manipulados pelo liberalismo: daí o liberal-comunismo do pós-modernismo, anarquistas e trotskistas ou liberal-fascistas que servem aos liberais para promover sua causa exatamente como o fundamentalismo islâmico é utilizado como arma dos EUA. Assim, a minha ideia para opor-se ao liberalismo (primeira teoria política), não é a segunda teoria política (o marxismo), ou a terceira (o fascismo), mas a quarta. Eu desenvolvi essa ideia no livro A Quarta Teoria Política, traduzido em muitos idiomas. Temos que lutar contra o liberalismo, refutando-o e desconstruindo-o totalmente. Ao mesmo tempo, temos que fazer isso não em nome da classe (como no caso do marxismo) ou em nome do Estado-Nação ou da raça (como no fascismo), mas em nome da unidade orgânica do povo, da justiça social e da democracia real. Os liberais interpretam a democracia como o domínio das minorias. Necessitamos restaurar o sentido original do termo: a democracia é o governo da maioria, da maioria orgânica, maioria que partilha uma identidade em comum – que é a laocracia, governo do povo, como a unidade histórica e cultural.

O capitalismo financeiro é uma catástrofe 

Economicamente, o problema está no capitalismo financeiro que finge superar o setor real da indústria em favor da tecnologia dos mercados financeiros virtuais. Tal capitalismo é monopolista e cria bolhas no lugar de desenvolver a infraestrutura econômica. Essa economia se baseia nas especulações financeiras (do tipo de George Soros) e alimenta a ilusão do crescimento infinito. Isso contradiz a realidade. A classe média não está crescendo mais. O crescimento dos mercados financeiros não corresponde com o crescimento do setor real. Por toda a atenção nas instituições financeiras que promovem a deslocalização do setor real até os países do Terceiro Mundo no curso da globalização é o caminho até o abismo. 

As primeiras ondas da crise já passaram, mas novas ondas virão em breve. O colapso econômico dos países do sul da Europa como a Grécia, e num futuro próximo Itália e Espanha, é só o pico visível da imensa catástrofe. A unidade europeia se baseia na aceitação total da logística do capitalismo financeiro. Só a luta da Alemanha agora, a fim de manter a economia em contato com as realidades industriais, se recusa a embarcar no trem que vai para o nada. Essa é a razão da histeria anti-alemã na Europa e nos EUA. A economia alemã pode ser a última economia real, o resto são economias virtuais.

Portanto, temos que reconstruir a Europa sobre bases econômicas alternativas. 

O crescimento infinito não é mais que uma ilusão liberal. A caída da classe média é a severa realidade. A maneira de sair disto é a revisão completa dos mitos do capitalismo financeiro.

O Atlantismo é um mal 

Geopoliticamente a Europa é hoje uma entidade atlantista. A teoria geopolítica criada pelo inglês Sir H. Mackinder declara que há dois tipos de civilizações – a civilização do Mar (Seapower) e a civilização da Terra (Landpower). Ambas estão constituídas sobre sistemas de valores opostos. O Seapower é puramente mercantil, modernista e materialista. O Landpower é tradicionalista, espiritual e heroico. Esse dualismo corresponde ao par conceitual de Werner Sombart: Händlres e Helden. A sociedade europeia moderna está plenamente integrada na civilização do mar. Isso se manifesta na hegemonia estratégica norte-americana e na OTAN. 

Essa situação impede que a Europa se converta numa entidade geopolítica independente. Mais profundamente, perverte a natureza geopolítica da Europa como entidade continental – Landpower. 

Portanto, há uma necessidade de mudar a situação e restabelecer a estratégia do Landpower baseada na verdadeira soberania europeia. Em vez do atlantismo, a Europa necessita converter-se numa potência estratégica continental.

Europa e Rússia 

Se nós resumirmos os pontos podemos logicamente deduzir onde estamos nas relações entre a Europa e Rússia. 

No presente a Rússia é: 

- Relativamente hostil ao liberalismo (mais inclinada ao tradicionalismo e ao conservadorismo). 

- Economicamente, está tratando de liberar-se da ditadura do Banco Mundial e do FMI. 

- Geopoliticamente, continental e anti-atlantista. 

Essa é a razão pela qual a Rússia está sendo atacada – em Ucrânia, em Moscou, em todas as partes. 

O recente assassinato do liberal Boris Nemtsov foi uma provocação que serve para demonizar a Rússia cada vez mais aos olhos do Ocidente. Os liberais, a oligarquia financeira mundial e atlantista (os EUA e a elite financeira), tratam de provocar hostilidade entre a Rússia e a Europa, assim como tratam de salvar seu trêmulo império promovendo conflitos étnicos. A guerra na Ucrânia é o primeiro passo na série de conflitos étnicos em solo europeu. A elite liberal mundial planeia a guerra étnica não só na Ucrânia ou Rússia, mas na Alemanha, França, no leste da Europa e em outros lugares. O império liberal trata de salvar sua hegemonia, que se desmorona, nos dividindo. 

Temos que resistir a fim de construir uma Europa melhor, a Europa verdadeiramente europeia. E em tal situação a Rússia é o amigo e os EUA é o inimigo. Temos que trabalhar numa aliança russo-europeia, não porque os europeus gostam da Rússia ou os russos gostam dos europeus. A razão é diferente: temos que estar juntos para salvar a cada um de nós do perigo que nos ameaça.