28/03/2017

Jacek Bartyzel - As Duas Américas: América Românica e América Fenícia

por Jacek Bartyzel



Importantes metapolíticos sul-americanos (Carlos A. Disandro, Alberto Buela e Primo Siena), que reorientaram a reflexão geopolítica para as sendas humanista e transcendental, tem por um longo tempo chamado atenção para a oposição fundamental das Duas Américas, que foram criadas e desenvolvidas em contextos bastante diferentes da vida política, cultural e religiosa. Nessa curta nota nós resumiremos as ideias essenciais de um desses autores, um filólogo clássico, filósofo, teólogo e poeta argentino, Carlos Alberto Disandro (1919-1984).

O ponto de partida dessa reflexão é a tese de que a América enquanto continente é um equivalente cosmográfico, geográfico e geológico do Hemisfério Oriental, de que ela é um espaço geo-político que é aberto à sacralização que ocorreu em nossa parte do mundo, mas até sua descoberta por Colombo e outros Conquistadores permanecia "virgem" e de certa forma adormecida.

A descoberta da América mudou essa situação, daquele ponto em diante geografia e história se encontram e se combinam nela. A América se torna um espaço geopolítico incorporando a herança do Império Romano e sua sucessão medieval com o religioso (Cristandade) na vanguarda. Ao mesmo tempo, porém, a divisão do mundo no Hemisfério Ocidental tem lugar, remetendo aos antigos tempos (pós) romanos dividindo-a em duas partes; o centro ("espaço interior") e a periferia do império. Essa reconstrução assume o caráter de polarização da "América Espanhola Romanizada" e a periférica América Britânica, que está "separada da maior parte do mundo", como o poeta antigo Virgílio uma vez escreveu sobre a Britânia.

Aqui uma importante distinção terminológica. A parte da América na qual o "espaço interior" do império romano-medieval foi restaurado foi chamada e deve permanecer hoje, América Hispânica (a romana Hispania é tanto a moderna España, bem como Portugal e a Lusitanidade que é, neste caso, primariamente o Brasil), América Ibérica e América Românica, mas não América Latina. O conceito dessa, tão difundido hoje, era desconhecido até o século XIX. Ele foi inventado por um maçom, progressista e liberal chileno Francisco Bilbao em 1856, e imediatamente adotado pela propaganda do "imperador francês" Napoleão III; especialmente propagada pelo principal ideólogo do "pan-latinismo" Michel Chevalier, e pelos autores do periódico "Revue de Races Latines". Mudar o nome não era meramente uma "inocente" correção, já que um interesse específico coincidia com isso; por um lado o dos franceses (buscar construir seu próprio império nacional por meio da negação e obliteração do estigma espanhol do continente, os franceses são culturalmente, afinal, uma "raça latina"), por outro lado o dos liberais americanos (creoles), rebeldes contra a autoridade legitima do rei da Espanha sobre os vice-reinados americanos, que também queriam se separar não só da herança política e religiosa, mas também cultural de sua Terra Natal Hispano-Romana.

A Vocação da América Hispânica/Ibérica/Românica está contida no conceito de Hispanidad, que é idêntico ao do Império Ecumênico Universal, e é a realização da tarefa dada por Roma (que é, por sua vez, a herdeira da cultura grega e de toda a tradição indo-europeia) a todas as nações católicas românicas. A conquista da América pelos espanhois e portugueses significou a inclusão dela nesse império romano, católico e ecumênico. Isso é confirmado até pelas palavras norte-americanas (só "por nascimento") do poeta Thomas Stearns Eliot "como herdeiros da civilização europeia, nós somos ainda cidadãos do Império Romano". Na realidade, isso significa um antagonismo permanente e irreconciliável entre o "espaço interior" romano da América e o que foi construído (ou, na verdade, o que foi reconstruído) em sua periferia ao norte.

Disandro chama esta esfera de América Fenícia, por causa de suas raízes históricas e antropológicas. A América do Norte foi colonizada principalmente por ingleses puritanos, judaizados e intérpretes fanáticos da lei de Moisés. Considerando a si próprios o "povo eleito" e instilando o espírito dessa crença da mesma maneira que os antigos israelitas, os puritanos praticaram a política de aniquilação radical do povo novo (nativos americanos), os "filisteus", que eles encontravam.

Sobre esta diferença religiosa (e, consequentemente, ética) outra se impõe, a geopolítica. A América anglófona e puritana é do tipo fenício-talassocrático, impulsionada pelo senso de comércio marítimo, que corresponde bem à doutrina religiosa do calvinismo, proclamando que o sucesso econômico é sinal de favor divino. Para os americanos do norte, bem como para os antigos fenícios, navegar equivale a fazer comércio, e ao mesmo tempo estabelecer supremacia e fortalezes ao longo das rotas comerciais. Ao contrário, a natureza da conquista realizada pelos povos ibéricos (espanhois e portugueses) ressalta sua natureza romana: que, como para os romanos, conquistar é tomar posse permanente das terras recém-descobertas e adquiridas, e navegar é tão somente um meio, nunca o objetivo. É uma civilização geocrática. Quanto mais a América do Norte cresceu em força, mais ela começou a se comparar a Roma, mas isso não passa de auto-enganação de sua parte, na verdade ela não é a Nova Roma, mas uma cópia contemporânea da Cartago Fenícia.

A consequência última é a natureza diferente dos impérios construídos pelos herdeiros de Roma, os espanhois, e os herdeiros da Fenícia/Cartago, os norte-americanos. Os Conquistadores ibéricos não só uniram a terra, mas também seus habitantes ao Império Ecumênico, principalmente batizando-os, e assim tornando-os cristãos, católicos da mesma categoria moral vivendo o mesmo código ético e legal baseado nos princípios dispostos na Monarquia de Dante: "liberdade, amor, justiça" (foi a infeliz independência, pautada no liberalismo e jacobinismo europeus, que distorceu essas Três Leis na tríade revolucionária em que "fraternidade" caricaturiza o amor, e "igualdade" a justiça, lançando os países da América Românica no caos oscilando entre anarquia e despotismo militar).

O Império talassocrático da América do Norte amarra a rede global de relações comerciais que escravizam economicamente, e estabelece bases militares em pontos estrategicamente importantes a partir dos quais ele pode intervir a qualquer momento, forçando outros a obedecer assim que a Hegemonia encontra seus interesses comerciais e políticos (que, neste caso, é a mesma coisa) em risco.

A Hegemonia desse Império não está interessada na "ordem da alma" e na salvação de seus membros.