13/06/2017

Stefano Beccardi - Entrevista com Aleksandr Dugin: "Precisamos fazer explodir o sistema liberal"

Entrevista de Stefano Beccardi para a revista Il Primato Nazionale



Aleksandr Gelyevich Dugin (1962) é um politólogo e filósofo russo, cuja fama está mais difundida fora dos confins nacionais do que dentro deles, onde permanece circunscrita aos círculos políticos e militares. Isso contribuiu para distorcer, para o bem ou para o mal, sua imagem, principalmente por parte dos meios de comunicação ocidentais que o elevaram a "o ideólogo de Putin" ou mesmo a "o Rasputin de Putin", mais além de qualquer influência real nas decisões do presidente russo, entre outras coisas, nunca mencionada pelo interessado direto. Dugin também figura na lista de personalidades russas sancionadas pelo governo americano, considerado como um inimigo público. Estudioso da tradição (entre suas referências se destacam Guénon e Evola, tendo supervisionado a tradução ao russo de vários volumes deles) e da Revolução Conservadora, é o ideólogo do eurasianismo, ou seja, da ideia de uma integração política, econômica e cultural entre os países do espaço pós-soviético, e de uma ordem mundial multipolar que não esteja homologada culturalmente ao liberalismo ocidental, e da Quarta Teoria Política, com a qual propõe a superação dos esquemas políticos clássicos para que se esteja à altura dos desafios impostos pela pós-modernidade, ou seja, pelo totalitarismo do século XIX.

Impulsionados pelo desejo de aprofundar estes temas sem o filtro da inclinação favorável ou desfavorável de outros meios, quisemos debater com Dugin em pessoa, o qual nos acolheu há uns dias em seu escritório moscovita nos saudando em um ótimo italiano.

SB - Prof. Dugin, a QTP enunciada pelo senhor se propõe hoje como um dique contra a pós-modernidade na qual estão empapados o pensamento e práxis políticas ocidentais, em uma época na qual o modelo liberal é imposto a nível mundial sobre os escombros das doutrinas marxistas e fascistas. Neste contexto, como se propõe a QTP como uma alternativa às teorias políticas já experimentadas?

Dugin - A QTP se considera como antiliberalismo porque identifica no liberalismo a essência da modernidade. A modernidade não estava politicamente definida antes da vitória total do liberalismo (primeira teoria política) sobre as outras versões da política moderna. Também o comunismo (segunda teoria política) e o fascismo (terceira teoria política) eram ideologias políticas modernas baseadas no conceito filosófico do "sujeito" cartesiano. Todas as aplicações desse "sujeito" criaram as três formas gerais da filosofia política: o sujeito, como indivíduo, é o centro ideológico do liberalismo; o sujeito, como classe, o do marxismo; finalmente, o sujeito como Estado ou como nação, era a essência do fascismo.

O liberalismo, no final do século passado, se impôs como a ideologia que melhor representa toda a modernidade. O século passado foi totalmente idealista, porque foi o choque entre as três ideologias políticas; assistimos primeiro a duas guerras mundiais para definir qual ideologia política representava a essência política e filosófica da modernidade, e aqui o fascismo, perdendo a guerra, perdeu a oportunidade de sê-lo. Logo veio o contexto da Guerra Fria que foi o choque entre liberalismo e socialismo. Depois de 1991, o liberalismo venceu totalmente e se afirmou como a única possível ideologia política em escala mundial: hoje temos um sistema econômico e político liberal, e um sistema cultural e filosófico baseado no individualismo. Como disse Fukuyama, "a história do mundo acabou", porque o liberalismo venceu, já não há alternativa e ele pode, portanto, mostrar sua natureza totalitária: trata-se da pós-modernidade. O liberalismo se afirma, então, dentro de um "sistema fechado", como a emancipação do indivíduo de todos os vínculos com a identidade e com a coletividade: é um processo que começou com a "liberação" das religiões, continuou com a "liberação" da nação e logo do gênero sexual e, por último, virá a emancipação da humanidade mesma (trans-humanismo pós-moderno). O liberalismo não é apenas ideologia, mas também é a essência dos "objetos", o centro da realidade, a ausência de qualquer transcendência.

Este é o ponto de partida da QTP, que não aceita o liberalismo como destino inevitável, quer negar a individualidade, mas sem voltar às ideologias do passado que eram modernas e, enquanto tais, representantes do estado mais puro do liberalismo. Reconhecemos este resultado da história ideológica da modernidade, reconhecemos que o liberalismo venceu e os motivos. Queremos, então, opôr ao liberalismo vitorioso algo que vá mais além da modernidade, auspiciando o retorno à pré-modernidade, ao mundo tradicional. Não obstante, devemos compreender que este não deve ser um "retorno ao passado", mas aos princípios eternos da Tradição que pertencem a toda época. Quando falamos de "tradição" temos a ideia do passado, do velho, da reação; a Quarta Teoria Política, não obstante, não é conservadorismo, mas sim uma chamada à eternidade, em cujo contexto podemos encontrar a dimensão do homem presente e futuro. Essa eternidade é justamente aquilo que é negado pela modernidade e pelo liberalismo. Neste retorno à pré-modernidade pode ser de ajuda Heidegger, com sua crítica do logos ocidental, moderno e pré-moderno; a pré-modernidade por si só não basta, porque quando ela é concebida apenas formalmente, e a Tradição perde seu sentido eterno, ela está destinada a se fazer superar pela modernidade, como já ocorreu quando perdeu seu caráter existencial, vivente, reduzida a uma pura forma vazia sem conteúdo sagrado. O retorno ao sagrado deve ser concebido, no contexto heideggeriano, como um novo começo, a ser construído em torno ao conceito do Dasein: isto é, a destruição do conceito individual em favor do fato humano, concreto, pensante.

SB - A propósito da Tradição, você nunca ocultou ter sido influenciado em sua trajetória teórica pela obra de dois grandes europeus, René Guénon e Julius Evola. Qual é a contribuição que o mundo russo pode dar para a recuperação de uma visão tradicional da vida?

Dugin - Creio que temos que fazer o sistema liberal "explodir" para chegar à alternativa, porque nada do presente corresponde ao que devemos construir; talvez esta seja a razão pela qual, para alguns meios de comunicação de massa ocidentais, eu sou "o homem mais perigoso do mundo". Essa é a potencialidade revolucionária do tradicionalismo de Evola e de Guénon, que eram verdadeiros revolucionários; marxistas e socialistas são "crianças" em relação à grande revolução espiritual, social, política e econômica que temos que realizar os representantes da QTP.

A validade do pensamento de Guénon e Evola consiste na formalidade da oposição entre modernidade e Tradição. Sua intuição mais grandiosa é a de concebê-la como duas formas, não como duas fases; duas formas coexistentes, que podem ser escolhidas como modelo de sociedade e de vida. Para a Rússia, essa possibilidade de escolha é importante, porque como russos conservamos muitos aspectos da sociedade tradicional: religião, família, coletivismo orgânico. A Tradição é a forma que podemos escolher hoje para defender estes nossos valores.

Podemos aplicar estes princípios à política, à cultura, à história, conciliando-os com o tradicionalismo russo. Na luta pela defesa de nossa tradição somos solidários com outros povos que lutam por sua tradição, porque temos o mesmo inimigo e o mesmo opressor: a modernidade, que destroi toda sociedade, a nossa, tal como a ocidental, a islâmica, a hindu ou a chinesa. É uma luta comum ainda que com valores distintos.

Sempre é possível opor a Tradição, enquanto forma, à modernidade. Essa escolha se traduz também na realidade política, e Putin joga precisamente com isso. Quando há possibilidade de escolher, a maioria do povo russo, mas também creio que do povo europeu, escolhe a Tradição. Os liberais, não obstante, com sua maneira totalitária de atuar, impõem a modernidade não como opção, mas como destino: não se pode não ser moderno.

SB - A crescente insatisfação para com os diversos aspectos da pós-modernidade se traduz, a nível político, na emergência de movimentos chamados "populistas" contra as elites liberais que ditam a agenda política liberal (que você chama de "pântano"). Pelo que você pode observar, estes "populismos" expressam efetivamente uma crítica radical do sistema liberal, pelo que se pode esperar uma mudança de paradigma real e efetiva, ou estão de toda forma imersos nele e se resolvem simplesmente como instâncias de correção marginais, mas sem um questionamento geral?

Dugin - O populismo, como fenômeno pós-moderno, é o rechaço do liberalismo, mas se trata de uma reação visceral, "das tripas", não intelectual. Como um órgão vivo reage ao que atenta contra sua vida, o populismo é a reação imediata da sociedade ainda viva contra a imposição do liberalismo que mata toda a vida. Também neste fenômeno podemos encontrar uma demonstração do Dasein. Heidegger escreveu: "Dasein existiert völkisch". O homem não pode existir sem o povo: sem a língua, sem a cultura e sem a tradição, porque o homem é um elemento do povo e o povo é a natureza do homem. Todo o conteúdo do homem é popular. Devemos compreender, então, o populismo como o despertar do povo que existe e que se opõe à metafísica da modernidade, contra os conceitos liberais do indivíduo e da sociedade civil.

A oposição ao liberalismo explica também por que o populismo declina facilmente para o "populismo de esquerda", pseudo-socialismo (Syriza na Grécia, Podemos na Espanha, Movimento 5 Estrelas na Itália), ou para o "populismo de direita", pseudo-fascismo (como Le Pen na França, a AfD na Alemanha, a Liga Norte na Itália). Não obstante, creio que o populismo não deve ser interpretado nem a partir da esquerda, nem a partir da direita, porque do contrário se cai na armadilha da modernidade e se reestabelece o círculo vicioso da história: outra vez se criaria uma sociedade "fechada" com o socialismo ou o fascismo, e o liberalismo novamente se converteria em uma alternativa atraente. É necessário evitar isso, portanto o populismo deve ser entendido em um sentido puro, sem intromissões de "direita" ou de "esquerda", como se tratasse de uma reação orgânica que deve ser cultivada intelectualmente. O populismo é a forma tosca, primitiva, da criação da cultura da Quarta Teoria Política, da qual ela representa o argumento mais importante de sua validade; deve ser entendido no sentido da superação do liberalismo e de suas outras formas críticas modernas, e só neste sentido pode ser considerado um instrumento para afirmar uma alternativa total ao liberalismo e à globalização. Nessa luta, os inimigos do populismo são as ideias manipuladas pelo próprio liberalismo: o neofascismo (como no caso ucraniano), e o neo-socialismo (como os movimentos financiados por Soros); o populismo deve se opôr então a essas interpretações distorcidas de "direita" ou de "esquerda", porque por aqui passa a diferença entre ser um obstáculo para o liberalismo ou ser um instrumento do próprio liberalismo. Não é suficiente, portanto, com a captação do dissenso ou do "voto de protesto": é necessário estar muito claro, na visão dos líderes políticos, a função histórica do populismo.

Com Macron vemos a situação muito mais clara da pós-modernidade: ele representa o liberalismo puro, globalista, mais além da direita e da esquerda, é o Anticristo político. Quem se opõe a ele é de direita (Le Pen) ou de esquerda (Mélenchon); mas o pólo do populismo puro, que é o centro da Quarta Teoria Política, se encontra entre Le Pen e Mélenchon. Também na Itália há que encontrar uma "quarta posição"; pessoalmente, creio que Salvini vai nessa direção, ainda que por razões de conveniência de propaganda política, para não perder o apoio dos liberais de direita do norte da Itália, este aspecto não esteja acentuado.

SB - A propósito do "populismo", não se pode deixar de mencionar o caso Trump. ainda que sua eleição tenha estado caracterizada por proclamações claras contra os dogmas liberais e mundialistas, os desenvolvimentos mais recentes de seu mandato parecem sugerir uma "normalização" política em ato. Nos enfrentamos à consumação de uma traição às expectativas, ou é na verdade um preço que Trump deve necessariamente pagar no curto prazo para poder trabalhar "em profundidade" na direção por ele indicada desde sua candidatura?

Dugin - Trump, inclusive se comportando muitas vezes de maneira irracional, não pode ser interpretado como um perfeito liberal, nem como comunista, nem como fascista. Sua visão sincrética e caótica do mundo denota populismo; mas o "trumpismo" é mais importante do que Trump, porque é a isso que o povo americano aspira e quis, o Trump "trumpista", não o Trump manipulado pelo Deep State, pelas estruturas liberais e globalistas.

Trump declarou na campanha eleitoral que deseja mudar o sistema, mas sem vontade revolucionária é impensável vencer contra o Pântano liberal. O sistema existente não pode ser melhorado modificando os procedimentos ou as elites, ele deve ser destruído em seus princípios. Isso só é possível através da revisão total da modernidade, impondo outra filosofia da política, da ciência e da sociedade. O caminho é de todo modo muito longo e pouco evidente. Talvez Trump subestime o desafio dessa revolução total e é por isso que há que trabalha para que outros líderes contem com os meios que faltem a ele.

SB - No âmbito europeu, o destino traçado imediatamente depois do fim da Segunda Guerra Mundial está marcado pela subordinação, política e ideológica, e pela incapacidade (ou mesmo pela renúncia) a expressar uma dimensão própria. Um longo "crepúsculo" que todavia parece em pleno devir. Quais são os imperativos que os europeus deveriam se propor, a nível político e pré-político, para se reapropriarem da história ao invés de padecê-la? Por onde passa, em outras palavras, um novo amanhecer europeu?

Dugin - É necessário concentrar-se sobre o conceito de logos europeu, como eu escrevi em Noomaquia. Há um logos da Europa que é apolíneo e dionisíaco ao mesmo tempo; é patriarcal e solar em seu conjunto e é o eixo da civilização europeia tradicional, presente na cultura da civilização grecorromana e indo-europeia. Hoje em dia, este eixo está dominado pelo logos de Cibele, do matriarcado e da forma ctônica. A mãe investe contra o pai, o princípio apolíneo, e contra o filho, o princípio dionisíaco; este logos liberal titânico expressa a modernidade europeia, que é anti-europeia. Essa luta pelo logos europeu é questão de vida ou morte; não é possível a paz entre o Diabo e Cristo, entre o Céu e a Terra, como disse Heidegger. É necessária uma revolução apolínea total, política, cultural e econômica contra as estruturas liberais. 

Creio que chegará um momento em que o sistema globalista produzirá transformações tão brutais a ponto de implodir. Nesse momento, o núcleo do logos europeu terá que voltar a emergir, sob pena do niilismo mais absoluto, o mundo das máquinas. Portanto, é necessário ter em vista este momento, que marcará a possibilidade de um novo começo: há que conservar a própria identidade contra todas as forças destrutivas. A educação alternativa é o caminho a seguir: pensem nos escritos do autor essencialmente europeu Dumézil, mas também nos da Nova Direita francesa, sem esquecer o patrimônio literário italiano. A romanidade deve ser salva contra todas as forças que não permitem que ela se manifeste.