17/12/2017

Aleksandr Dugin - Rumo à Quarta Teoria Econômica

por Aleksandr Dugin

Discurso de Aleksandr Dugin na conferência “Capitalismo e suas Alternativas no Século XXI: a Quarta Teoria Econômica”, realizada em Chisinau, Moldávia, de 15 a 16 de dezembro de 2017.



Preâmbulo:

Em linhas gerais, a Quarta Teoria Política (ou QTP) não confere primazia à economia, e isso não é acidental: o aspecto material da existência é tido como secundário na QTP, assim como é considerado como algo completamente dependente de determinadas perspectivas sociais e filosóficas mais gerais – metafísicas e religiosas, fundamentalmente. A economia não é autônoma, mas uma mera projeção de certas atitudes cognitivas e princípios filosóficos, com os quais devemos lidar.


O campo da economia não é um campo formado por objetos, mas por relações sociais. A economia não é autônoma, nem soberana e tampouco primária. Ela não explica nada e não serve de justificativa para nada. A economia não é uma ciência, mas uma esfera de aplicações. Sua elevação ao primeiro plano está relacionada à degradação da sociedade – com a qual não podemos conviver.

A economia está fundamentada no mito e na metáfora, e sua compreensão é essencial.

O fim do capitalismo:

Atualmente, estamos lidando com a crise mais profunda (com sorte, a final) do capitalismo. Não se trata de uma falha técnica, mas de um destino. Para entender o que é a crise e como tudo eclode, precisamos primeiro rememorar como tudo começou.

O capitalismo é o resultado de uma clivagem (Spaltung). Semelhante clivagem diz respeito a uma figura em específico: a do Trabalhador integral (total). No passado, a figura normativa central era a de um camponês livre, ou, mais precisamente, de duas famílias camponesas atadas por laços de propriedade: o que implicava uma determinada escala de assentamentos, que Radfild definirá nos termos de uma folk-society [sociedade popular].

As principais características do trabalhador integral eram:

(a) A posse dos meios de produção;

(b) O consumo de produtos manufaturados;

(c) A troca natural em escala limitada;

(d) O consumo final dos excedentes (Potlatch);

(e) O modelo do sacrifício/troca de presentes – a prestação total (Marcel Mauss).

A comunidade camponesa foi concebida como um ente soberano, e a supraestrutura acima desta consistia na esfera dos mortos e dos espíritos, que, em alguns casos, era ocupada por grupos heterogêneos (como, por exemplo, a elite dos conquistadores). Os sacrifícios, assim, eram enviados para lá, independentemente de tal esfera ser representada corporeamente (castas superiores) ou não (espíritos e mortos). Em todo caso, o eixo metafísico era personificado e responsável pela destruição dos excedentes ou das anomalias. Contudo, é fundamental estabelecer que o equilíbrio entre produção e consumo se dava no domínio da imanência pura, ou seja, era suficiente em si mesmo.

Foi esse tipo social que constituiu a base das economias de todas as sociedades europeias do período neolítico até meados do século XX.

A clivagem:

Assim, capitalismo repousa sobre uma clivagem (Spaltung), que se manifestou da seguinte forma:

(1) Alienação dos meios de produção;

(2) Separação entre produção e consumo;

(3) Divisão do trabalho;

(4) Transição à troca monetária;

(5) Monetização de fenômenos não-monetizados anteriormente (não mercadológicos): terra, mão de obra, moeda;

(6) Interrupção do sacrifício dos excedentes e a abolição do além-mundo (sob a forma de religião e de propriedades);

(7) Proibição da Potlatch e do sacrifício/troca de presentes.

Tudo isso, por sua vez, conduziu à desintegração das formas básicas de economia e à emergência de novos atores: a burguesia, os proprietários dos meios de produção, os consumidores e os produtores individuais, as massas (população) ao invés das pessoas ou das comunidades (a transição da Gemeinschaft à Gesellschaft das massas), o proletariado urbano, bem como o fenômeno do assalariado e do precariado.

A economia moderna, o capitalismo, é um processo de desintegração que se agrava. O capitalismo se baseia na decomposição do tipo básico do Trabalhador integral. O resultado desta clivagem é o surgimento das classes, isto é, dos capitalistas e daqueles que trabalham.

Tipos integrais nas castas superiores das sociedades indo-europeias:

Pode-se notar que a clivagem do Trabalhador integral foi acompanhada por processos similares em outras castas. Pode-se falar da figura do Sacerdote integral (total) e de um Guerreiro integral (total):

O sacerdócio total (a dualidade Mitra-Varuna em Dumézil) é clivado em sagrado e diabólico (sacerdotes e feiticeiros), do tipo sagrado geral (R. Otto).

O guerreiro total é clivado em vítima (mártir) e executor (agressor). O guerreiro total lida com a morte em ambos os casos, seja como assassino ou como vítima. Ele dispõe dos meios de matar (armas) e  possui o direito legítimo à violência. A clivagem na classe dos guerreiros produz um Estado que se apropria do direito legítimo à violência e o transforma em execução – as armas são confiscadas e o guerreiro se transforma em soldado ou policial.

A clivagem afeta estas três classes básicas [sacerdotes, guerreiros e trabalhadores] ao mesmo tempo, e não apenas uma em separado. O capitalismo, neste sentido, está associado a um sacerdócio degradado e hipócrita (acima de tudo no protestantismo), à dessacralização do mundo (ciência moderna) e a um Exército desintegrado. A clivagem nestes três tipos conduz a uma economia capitalista, a um Estado burguês e ao domínio de uma elite materialista e técnico-científica.

Superando o capitalismo:

O socialismo [marxista] não é uma alternativa genuína ao capitalismo, porque aceita esta clivagem como um destino universal. Todo o Manifesto de Marx está relacionado a isso: ele busca ser não apenas anticapitalista (e também anti-pré-capitalista), mas também pós-capitalista. Neste sentido, Marx odiava os camponeses. O marxismo exige o agravamento da clivagem, a absolutização da Gestalt proletária, que seria o último estágio, o limite da divisão e da alienação. O proletário não existe como realidade individual (figura central do liberalismo). O que existe é apenas um camponês urbanizado, infeliz e, em todo caso, dividido – tanto como trabalhador industrial da cidade quanto como um pequeno-burguês.

A QTP rejeita o capitalismo em suas raízes, bem como a modernidade. Consequentemente, no campo da economia, a QTP representa um retorno ao Trabalhador integral. Em grande parte, isso corresponde ao populismo americano do final do século XIX (a União dos Agricultores e a criação do Partido Populista em 1892, sendo Frances Willard, Thomas Watson, etc., aqueles que poderíamos chamar de seus fundadores) ou o anarquismo agrícola de Proudhon, inspirado na experiência suíça.

No entanto, a restauração da figura do Trabalhador integral só é possível mediante a restauração dos dois outros tipos indo-europeus: o Sacerdote integral e o Guerreiro integral (um exemplo do guerreiro integral seria o cavaleiro).

Contudo, o tipo integral restaurado não corresponde ao original. Há uma dialética no sentido hegeliano aqui: inocência-pecado-virtude. A virtude não é a inocência, mas a colisão com o pecado e a superação deste. Semelhantemente ao capitalismo: pecado, mal absoluto, clivagem/Diabo – Trabalhador integral: inocência – restauração do Trabalhador integral: virtude.

Portanto, o confronto com o capitalismo é um imperativo escatológico.

O fim da história na ótica da QTP é o fim da história do capitalismo e a transição para outra história, anticapitalista, baseada na integralidade e no holismo, em direção a uma história integral.